Elia Alves (UFPE) fala sobre governança global e meio ambiente

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Ao abordar a questão ambiental e energética, percebemos que há uma preocupação crescente da comunidade internacional com problemas relacionados ao clima, meio ambiente e energia. Isso porque, além de serem questões sensíveis que impactam todo o planeta, verifica-se que o atual modelo de desenvolvimento, buscado pelos países nas últimas décadas, envolve também a agenda da sustentabilidade, compreendendo que o crescimento econômico por si só não reduz a pobreza ou a desigualdade entre os povos e deve vir associado, portanto, à busca por justiça social e por sustentabilidade ambiental.

Os esforços da comunidade internacional permitiram construir a Agenda 2030 e entre os 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável estão: água potável e saneamento, energia limpa e acessível, consumo e produção responsáveis, ação contra a mudança global do clima, vida na água e vida terrestre

O IDeF entrevistou a professora e pesquisadora Elia Alves, que desenvolve estudos em Economia Política Internacional, Política Ambiental, Difusão de Políticas e Política Energética. Na entrevista é possível compreender melhor como as temáticas energia e meio ambiente vêm sendo tratadas no contexto internacional e como a governança multinível pode ser inserida nesses debates.

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Elia Cia Alves é Professora no Departamento de Ciência Política – UFPE e pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Política Comparada e Internacional (NEPI – UFPE). Doutora em Ciência Política no mesmo departamento, com estágio pós-doutoral de 1 ano, financiado pelo programa PNPD, CAPES. É mestre em Economia pela Unicamp (2012), Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo – USP (2008) e Bacharel em Ciências Econômicas pela Unisul (2016). Desenvolve estudos em Economia Política Internacional; Política Ambiental; Difusão de Políticas; Política Energética.


IDeF – Quais têm sido os problemas ambientais e energéticos mais controversos para os países no âmbito da governança global? Quais foram os maiores avanços obtidos até agora?

Elia – Os problemas ambientais relacionados à geração e uso de energia são vários e uma bandeira da literatura sobre temas ambientais é que é preciso compreender as relações sociais com o meio ambiente a partir de um mesmo ponto de vista, entendendo as sociedades como sistemas socio-ecológicos. Nesse sentido, primeiramente, é importante diferenciar dois conceitos. Um é energia e outro eletricidade. Energia, no contexto moderno, envolve a discussão de geração e/ou exploração de recursos que impulsionam atividades humanas relacionadas a transporte, eletricidade e aquecimento. De uma perspectiva mais abrangente e dentro de uma primeira onda de publicações no tema, ainda nos anos 1970s, o debate envolvendo energia e meio ambiente concentrava-se sobre a exploração de petróleo e seus impactos ambientais mais locais, tais como a poluição. Com o tempo, o petróleo também ganhou espaço na discussão global, por conta das discussões sobre vazamentos nos oceanos e os impactos ambientais.

Energia, no contexto moderno, envolve a discussão de geração e/ou exploração de recursos que impulsionam atividades humanas relacionadas a transporte, eletricidade e aquecimento

Paralelamente, nos 1980s diversos países passaram a empreender esforços no sentido de buscar fontes alternativas ao petróleo, seja por questões econômicas, visando à segurança energética, mas também por um crescente apelo socioambiental, principalmente após o acidente nuclear de Chernobyl. Na ocasião, a Alemanha adotou como meta minimizar sua dependência dessa fonte de energia. Já nos anos 1990, a questão energética ganhou uma projeção global, com o avanço das pesquisas sobre as mudanças climáticas e a governança global das mudanças climáticas muito avançou com a assinatura da Convenção Quadro de Mudanças Climáticas (UNFCCC, em inglês) na ECO-92.

Provavelmente, esse é o tema que mais avançou no âmbito da governança global do meio ambiente e conta com inúmeros acordos, instrumentos, protocolos, fundos de financiamento de projetos. Ainda assim, para muitos analistas, o Acordo de Paris, o instrumento mais recente que instituiu metas de redução de emissões para 2030, represente um fracasso, do ponto de vista da governança, ao permitir metas nacionalmente determinadas que não resolverão o problema do aumento da temperatura média global.

Provavelmente, esse é o tema que mais avançou no âmbito da governança global do meio ambiente e conta com inúmeros acordos, instrumentos, protocolos, fundos de financiamento de projetos

Nessa discussão, por um lado, o Brasil é um país privilegiado, pois a maior parte de sua matriz energética é ‘limpa’ e, aparentemente, o problema da energia e meio ambiente, não seria tão grave. Por outro lado, crescem as abordagens que focam os impactos ambientais da geração e uso de fontes de eletricidade, mesmo aquelas consideradas ‘renováveis’. No caso da fonte hídrica, muito se estuda sobre o impacto socioambiental da construção de grandes barragens, a exemplo do caso Belo Monte. Partindo para as fontes que tem apresentado altas taxas de crescimento na última década no Brasil, como a eólica e a solar, os efeitos ambientais estão começando a ser documentados na literatura. Apesar de já haver estudos que abordem efeitos negativos sobre a paisagem e nas rotas migratórias de pássaros, no caso das eólicas, discussões mais profundas são recentes. Nesse mês, acabou de sair uma publicação1 que aborda os efeitos ambientais das fazendas solares na Caatinga brasileira, indicando que, não necessariamente, por ser uma energia ‘limpa’ essas fontes têm baixo impacto ambiental. De qualquer modo, essa já é uma discussão mais complexa do ponto de vista da governança global, já que seus efeitos geralmente são mais difusos.

IDeF – Na sua visão como pesquisadora, há de fato espaço para a participação de governos locais dentro de regimes ambientais internacionais? Até que ponto um governo local consegue impactar a gestão internacional de problemas ambientais e energéticos?

Elia – O fato recente de o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, ter sido convidado para discursar na Cúpula do Clima, em 23 de setembro parece ser emblemático. Além disso, para além dos estados, há também um papel importante dos municípios, principalmente de cidades médias e grandes, com problemas de mobilidade (transportes) e demanda por energia. Tanto é que o próprio Acordo de Paris conta com a participação de atores sub-nacionais2 e, no caso do governo Trump, a ação desses atores tem sido fundamental para que o Acordo continue em pé.

Um exemplo clássico de um governo local impactando a gestão internacional é Nova York, um município cuja economia é mais forte que países como a Argentina ou África do Sul, permanecer comprometida com metas, mesmo com o governo nacional saindo do acordo (dentro da estratégica ‘We are still in’). Além disso, é no nível municipal que medidas simples, embora importantes de incentivo à geração distribuída podem ser adotadas e, para isso, é preciso muita articulação internacional, a fim de operacionalizar esses projetos.

É no nível municipal que medidas simples, embora importantes de incentivo à geração distribuída podem ser adotadas e, para isso, é preciso muita articulação internacional, a fim de operacionalizar esses projetos.

IDeF – Tendo em vista a diversidade regional do Brasil, em que encontramos cidades com realidades locais tão díspares e necessidades tão distintas no âmbito ambiental e energético, como articular uma posição comum perante as instituições internacionais? A política externa do Governo Federal consegue de fato atender as particularidades e demandas locais nesses temas?

Elia – É fato que o governo federal não consegue abarcar as particularidades locais nesses temas, assim como provavelmente em diversos outros. Uma estratégia sui generis na formulação da política externa brasileira, foi a abertura para consultas públicas antes das negociações sobre as metas nacionalmente determinadas no âmbito do Acordo de Paris. Entre julho de 2014 e abril de 2015, o Itamaraty promoveu rodadas, virtuais e presenciais, de debates para ouvir diversos atores não-estatais (inclusive estados e municípios) sobre diversos aspectos das metas brasileiras. Ainda assim, sabe-se que muitos interesses não são contemplados, especialmente contexto atual de polarização.

Nesse sentido, uma tendência na política internacional é a articulação de atores que tenham estratégias similares nesses temas e se projetem no âmbito internacional dentro das esferas de negociação (a exemplo da estratégia ‘Governadores pelo Clima’, que comentei no artigo do JC). A questão, porém, é que, por mais que governadores e prefeitos tenham uma certa capacidade de articular posições e, até mesmo, fechar acordos e parcerias com entes internacionais, ela é limitada.

IDeF – Nesse sentido, a cooperação internacional descentralizada poderia ser uma opção? Como você avalia os impactos de uma cidade brasileira gerir internacionalmente seus próprios interesses de âmbito ambiental e energético?

Elia – Essa pergunta é muito difícil! [Não sei responder kkkk]. Uma porque eu não consigo vislumbrar exatamente o que seria cooperação internacional descentralizada nesses temas. Acho que, por um lado, há projetos e iniciativas locais que podem e já são operacionalizadas no âmbito local, talvez uma promoção de esferas institucionais nesse sentido poderia ser ampliada.

Por outro lado, tanto a proteção ambiental, como a gestão energética (oferta e demanda de energia) são temas que precisam ser pensados do ponto de vista nacional, pois, a meu ver, há questões de escala (econômica e geográfica) e de estratégia de desenvolvimento nacional envolvidas nisso. Além disso, os quadros da gestão municipal no Brasil, em geral, têm baixo nível de treinamento nesses temas (meio ambiente e energia) e acredito não estarem preparados para assumir a frente de negociação em debates dessa complexidade que envolve atores das mais diversas esferas (em que, inclusive, o setor privado tem muitos interesses envolvidos).

IDeF – Quais seriam os caminhos para uma governança multinível de sucesso? O que os gestores públicos locais precisam fazer?

Elia – Um primeiro esforço que deveria começar ainda no âmbito nacional, é maior participação do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e Ministério de Minas e Energia (MME) em temas de cooperação internacional, até mesmo as iniciativas técnicas. Em uma pesquisa que fizemos, notamos que o MMA pouco participa de acordos bilaterais e energia não é um tema pensado sob o guarda-chuva ambiental no Brasil, provavelmente pelo senso comum de que nossa matriz energética é ‘limpa’ e ‘não temos um problema ambiental nessa área’

Em uma pesquisa que fizemos, notamos que o MMA pouco participa de acordos bilaterais e energia não é um tema pensado sob o guarda-chuva ambiental no Brasil, provavelmente pelo senso comum de que nossa matriz energética é ‘limpa’ e ‘não temos um problema ambiental nessa área’

No âmbito local, uma linha é a compreensão das demandas locais e questões relacionadas a esses temas, e a busca por articular-se com outros gestores a fim de ganhar voz seja no âmbito nacional, como internacional. Nesse sentido, um exemplo é a coalizão de gestores de cidades do Nordeste que se articularam em torno de um projeto de lei para demandar royalties sobre a energia eólica produzida na região, já que a implantação de fazendas eólicas tem a contrapartida de subsídios fiscais, há baixa geração de empregos e o aluguel da terra, geralmente, também não permanece nesses municípios.

Outra frente, os gestores deveriam buscar se envolver em arenas internacionais de debates (como C-40, REN21), a partir de estruturas de secretarias, para compartilhamento de experiências e aprendizado de iniciativas de soluções locais, bem como captação de recursos específicos para essa linha de projetos. Ao mesmo tempo, outra linha de ação seria a de disseminação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), seja na esfera do ensino básico, como na esfera dos órgãos públicos de gestão, a fim de conscientizar a população de temas importantes como uso de energia e impactos ambientais.

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