Marcus Polette (UNIVALI) fala sobre a agenda ODS de governança ambiental e a necessidade de planos estratégicos no Brasil

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Marcus Polette possui formação em geografia e oceanografia. É o atual coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia Ambiental da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. É professor visitante na Universidade de Bologna (Itália) e Universidade de La República (Uruguaí). É pesquisador nas áreas de gestão e governança costeira, onde desenvolveu planos, programas e projetos nas áreas de gestão costeira em parceria com governos, iniciativa privada, e sociedade civil organizada. Orientou mais de 250 monografias, dissertações e teses de doutorado no Brasil, Europa, África e Estados Unidos.

IDeF – A UNIVALI possui um Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia Ambiental (PPGCTA) com conceito 5 na CAPES. Você poderia nos contar um pouco mais sobre como se iniciou o Programa, quais os objetivos, as suas principais áreas de atuação e as conquistas ao longo dos anos?

Marcus Polette – O Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia da UNIVALI tem como missão capacitar recursos humanos para atuarem nas áreas de ensino, pesquisa e desenvolvimento, por meio do conhecimento-domínio de ferramentas e tecnologias voltados para o meio ambiente. Inserido na área de Ciências Ambientais da CAPES, busca também promover a interconexão entre o saber acadêmico e a realidade social, permitindo que tanto o setor produtivo quanto a sociedade, e governos possam se beneficiar do avanço do conhecimento novo gerado pela fusão de saberes distintos caracterizando assim uma inserção social inovadora e harmoniosa entre os mais diversos atores envolvidos no processo de desenvolvimento econômico da região em que está inserido – o litoral de Santa Catarina.

Este iniciou sua trajetória há 21 anos com o programa de mestrado dirigido aos alunos dos cursos das áreas de meio ambiente (Oceanografia, Engenharia Ambiental e Ciências Biológicas), e buscou atender prioritariamente as demandas do litoral centro-norte de Santa Catarina. O curso se consolidou com a inserção do programa de doutorado há 10 anos, e atualmente ambos são referência em todo o sul do país. Temos alunos das mais diversas regiões, bem como profissionais das mais diversas áreas do conhecimento.

​​Nossas principais áreas de atuação estão relacionadas com os setores econômicos da região, tais como a pesca industrial e artesanal, a maricultura, as atividades portuárias, bem como é nosso desafio entender a complexa relação entre a conservação e desenvolvimento econômico no nosso setor litorâneo.

Neste sentido, o curso também é reconhecido no Brasil, e no exterior por desenvolver pesquisas práticas visando solucionar problemas e conflitos nas áreas de gestão costeira integrada, nos processos de implementação de Unidades de Conservação, na gestão de estoques pesqueiros, entre outros. As dissertações e teses geralmente partem de problemas vivenciados nas mais diversas escalas geográficas, o que leva ao acadêmico do Programa vivenciar a complexidade existente do mundo real.

O curso também é reconhecido no Brasil, e no exterior por desenvolver pesquisas práticas visando solucionar problemas e conflitos nas áreas de gestão costeira integrada, nos processos de implementação de Unidades de Conservação, na gestão de estoques pesqueiros, entre outros.

Destaca-se ainda as áreas de biotecnologia e remediação ambiental, as quais têm sido relevantes para o desenvolvimento de pesquisas que visam minimizar e mitigar os problemas de poluição ambiental tão comuns em uma das regiões com maior crescimento econômico e populacional do Brasil.

IDeF – Em julho de 2019 o Programa realizou o IV Simpósio de Ciências e Tecnologia Ambiental, com a pauta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Quais os impactos observados pela organização na promoção desse diálogo? E quais os principais desafios relacionados a implementação dos ODS no âmbito ambiental?

Marcus Polette – A cada dois anos o Programa realiza o Simpósio de Ciência e Tecnologia Ambiental. Este é organizado pelos discentes do mestrado e doutorado com a supervisão de dois docentes. Os temas são escolhidos a cada ano em comum acordo entre discentes e docentes do Programa, e este passa a ser também um importante elo de ligação entre a comunidade acadêmica (graduação e pós-graduação), especialmente para os cursos das áreas de Ciências Ambientais. O reflexo do Simpósio também é sentido em vários setores da iniciativa privada, dos governos locais, e da sociedade, visto que a proposta está também em refletir sobre os desafios do desenvolvimento regional e local.

O reflexo do Simpósio também é sentido em vários setores da iniciativa privada, dos governos locais, e da sociedade, visto que a proposta está também em refletir sobre os desafios do desenvolvimento regional e local.

A escolha do tema Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ocorreu neste ano, pois temos algumas pesquisas sobre o tema, bem como são inúmeras as teses e dissertações relacionadas aos ODS, especialmente os seguintes: ODS 06 (Água e Saneamento), ODS 07 (Energia Acessível e Limpa), ODS 09 (Indústria e Inovação) ODS 11 (Cidades e Comunidades Sustentáveis), ODS 12 (Consumo e Produção Sustentáveis), ODS 14 (Vida no Mar), ODS 13 (Mudanças Climáticas), ODS 15 (Vida sobre a Terra), e ODS 16 (Paz, Justiça e Instituições fortes).

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Os ODS levam ao Programa o caráter interdisciplinar, bem como a possibilidade de avaliar a complexa realidade em que vivemos por meio das suas mais diversas interações sociais, econômicas, ambientais, e de governança. Logicamente, outros ODS também são importantes, mas pela natureza do Programa, estes têm sido objeto maior de reflexão sobre os desafios de desenvolver ensino, pesquisa e extensão na nossa área geográfica de atuação.

Os ODS levam ao Programa o caráter interdisciplinar, bem como a possibilidade de avaliar a complexa realidade em que vivemos por meio das suas mais diversas interações sociais, econômicas, ambientais, e de governança

O Simpósio, neste ano teve a presença de mais de 200 inscritos e a participação de 98 trabalhos científicos, além de vários minicursos ministrados. Houve a presença também de representantes de governos, políticos locais, empresários, e de vários setores da sociedade. Cabe destacar que nossas dissertações e teses agora serão catalogadas pelos ODS, e desta forma poderemos contribuir para a inserção das metas até o ano de 2030 por meio de inúmeras atividades de pesquisa do Programa.

​O desafio de implementação dos ODS está centrado na capacidade dos governos, da sociedade, e da iniciativa privada reconhecerem a importância destes como uma forma didática e rápida de estabelecer estratégias de planejamento de curto, médio e longo prazo. Entre os desafios, talvez o principal seja sua adoção efetiva por parte dos governos, pois os mesmos ainda não entenderam suas reais potencialidades e oportunidades.

​Em Itajaí, por exemplo, desenvolvemos um interessante programa em parceria com a universidade e município, o qual tive a oportunidade de coordenar. Inserimos um Sistema de Indicadores baseado nos ODS nas 23 Secretarias, Fundações e Autarquias municipais. Sua implementação requereu meses integração institucional por meio de rodadas de mediação para que os indicadores e metas fossem plenamente entendidos e implementados como uma prática mensal de coleta de dados. Esta passou a se integrar ao Planejamento Estratégico do Município de Itajaí – PEMI, e é considerada como uma estratégia vital para o futuro do município, independente dos prefeitos que virão, tendo como prazo inicial o ano de 2030. Este processo está praticamente consolidado, e inclusive recebeu um prêmio como a melhor prática do ano em Santa Catarina. Logo, temos que ser criativos, e desenvolver projetos com uma relação custo e benefício baseado na atual realidade brasileira, qual exige inovação e baixo custo nos processos decisórios.

IDeF – A respeito da participação estrangeira no PPGCTA e nas questões ambientais debatidas na UNIVALI, existem alguma cooperação nesses moldes dentro do Programa que seja considero relevante? Se sim, como ela acontece?

Marcus Polette – Atualmente os programas de mestrado e doutorado possuem um sistema de dupla-titulação com a Universidade de Alicante, na Espanha. Este sistema busca trocar experiência entre docentes e discentes das duas universidades, e desta forma debater sobre os temas relevantes sobre questões setoriais, urbanas e ambientais destes países. Os alunos dos dois Programas podem permanecer cerca de dois meses, no caso do mestrado, e até seis meses no doutorado nas instituições. Este processo está no seu início, mas acreditamos que será um grande momento de integração, especialmente porque temos problemas em comum, tais como o turismo quantitativo, as questões relacionadas à gestão da pesca industrial, a ocupação desordenada nas áreas costeiras, entre outros.

Este sistema busca trocar experiência entre docentes e discentes das duas universidades, e desta forma debater sobre os temas relevantes sobre questões setoriais, urbanas e ambientais destes países,

Todos os anos também recebemos professores e pesquisadores de vários países, pois a região onde está localizada o Programa, foz do rio Itajaí, tem sido uma área de muito interesse para aqueles que pesquisam sobre os temas relacionados às mudanças climáticas e resiliência ambiental. Itajaí passou por intensas inundações, como as de 1983, 1984, 2001, 2008, 2011, e 2013 – logo, esta é uma área muito importante para entender tais fenômenos em escala local, regional, e inclusive global.

Estamos associados à importantes centros de pesquisas na América Latina, na Europa, nos Estados Unidos, no Japão, e na Nova Zelândia, por exemplo. Nossos professores têm recebido professores destes países, bem como muitos dos nossos professores desenvolvem pesquisas em Centros de pesquisas destes países, inclusive por meio de pesquisas em navios oceanográficos de alta tecnologia capazes de explorar o oceano profundo.

Estamos associados à importantes centros de pesquisas na América Latina, na Europa, nos Estados Unidos, no Japão, e na Nova Zelândia, por exemplo

IDeF – Em termos de políticas públicas, vocês identificam alguma participação internacional importante para melhoria dos impactos ambientais na sua cidade? Ao seu ver, como os prefeitos e gestores locais enxergam a responsabilidade ambiental atualmente?

Marcus Polette – Nosso Programa está situado no município de Itajaí. Este município teve um grande crescimento econômico nos últimos anos advindo principalmente pela sua diversificação econômica. É o maior porto pesqueiro do país, bem como o maior porto exportador de contêineres refrigerados. Os setores da construção civil e imobiliário também são importantes no processo de desenvolvimento do município, visto que estes movimentam uma extensa cadeia produtiva de setores associados.​

​O turismo também é relevante na região, pois Itajaí situa-se a apenas 10 km de Balneário Camboriú – principal centro turístico do sul do Brasil. Com o rápido desenvolvimento da região, Itajaí se tornou o centro da metrópole da Foz do rio Itajaí, e com isso houve necessidade de ampliar sua infraestrutura. Neste sentido, o município conseguiu neste ano um importante empréstimo internacional para ampliar a sua drenagem, melhorar a mobilidade urbana, reurbanização de diversos bairros.

Neste sentido, o município conseguiu neste ano um importante empréstimo internacional para ampliar a sua drenagem, melhorar a mobilidade urbana, reurbanização de diversos bairros.

Creio que a questão ambiental ainda é vista com reservas pelos tomadores de decisão, pois ainda existe um mito de que a defesa pelas políticas públicas ambientais e urbanas conflitam com interesses setoriais. Isso não é verdade, pois caso os instrumentos das principais políticas públicas (Estatuto das Cidades, Estatuto das Metrópoles, Política Nacional de Recursos Hídricos, Política Nacional de Mudanças Climáticas, Sistema Nacional de Unidades de Conservação, entre outras) fossem realmente implementados poderíamos ter municípios mais sustentáveis no seu desenvolvimento social e econômico.

Neste sentido, é importante considerar que a responsabilidade ambiental passa por questões de gestão e de governança, e estas possuem vertentes legais, institucionais, administrativas e técnicas importantes de serem vencidas. As de natureza institucional e administrativa são as mais complexas, pois possuem um forte caráter político e requerem eficácia e eficiência nas ações intra e interinstitucionais. Infelizmente, não existe interesse de que as instituições responsáveis pela gestão ambiental se fortaleçam, visto que existe um imaginário de que a conservação impede o desenvolvimento. Tal entrave ainda é dependente de uma forte base educacional necessária de ser implementada, mas ainda distante de ser alcançada. No entanto, como acadêmicos, este é com certeza nosso principal desafio – uma verdadeira missão de fé.

IDeF – Como as universidades tem contribuído para promoção de debates sobre questões ambientais e para a redução das suas problemáticas? Na sua opinião, como os ODS e a universidade podem dialogar para obterem maiores alcances?

Marcus Polette – A universidade pode ser considerada como uma das principais responsáveis pela promoção dos debates sobre as questões ambientais, urbanas e setoriais no Brasil. E na universidade, por meio das ações de ensino, pesquisa e extensão que ocorre o aprofundamento das relações entre a teoria e a práxis, sendo os professores e pesquisadores responsáveis por atuarem de forma proativa e fundamentada na forma de entender e estrutura e o funcionamento da realidade territorial, social, e econômica dos municípios brasileiros.

A universidade é também um dos melhores interlocutores entre governos, sociedade e iniciativa privada para promover uma comunicação acertada entre estes diferentes atores sociais. As universidades federais, estaduais, comunitárias, e privadas possuem um conjunto de professores e pesquisadores que se dedicam diariamente ao ato de pensar nosso país em todas as suas nuances, e estes são multiplicadores capazes de formar, a cada ano, milhares de profissionais capazes de transformar para melhor o desenvolvimento social, tecnológico, e econômico do Brasil.

A universidade pode ser considerada como uma das principais responsáveis pela promoção dos debates sobre as questões ambientais, urbanas e setoriais no Brasil.

Esta contribuição é única, e é catalisada dentro destas instituições, sendo também a única capaz de transformar definitivamente a vida de milhões de brasileiros que conseguem o acesso à educação como sua única forma de libertação da pobreza, e das injustiças sociais ainda existentes. Quando se elimina a pobreza e as injustiças sociais elimina-se diretamente os problemas socioambientais decorrentes, tais como a falta de saneamento básico, o favelamento, a violência, e o desemprego.

Quando se elimina a pobreza e as injustiças sociais elimina-se diretamente os problemas socioambientais decorrentes, tais como a falta de saneamento básico, o favelamento, a violência, e o desemprego.

Assim como a Agenda 21, e os Objetivos do Milênio – ODM, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS, se configuram ao longo dos últimos anos como uma agenda baseada em um sistema de gestão e governança ambiental. O município, o estado, ou o país que busca um objetivo tem que estar apto para estabelecer uma estratégia, ou seja um plano de longo prazo, independente dos políticos que estejam no poder, pois precisamos pensar em horizontes estratégicos de longo prazo.

​No caso dos ODS, este horizonte está delineado até o ano de 2030, assim a ideia está em implementar planos, programas, e projetos, com metas determinadas para que possam ser alcançadas dentro deste prazo. A inserção de indicadores, é ferramenta importante, pois quando bem estruturados, podem não apenas oferecer pistas sobre o caminho já percorrido por meio do levantamento de dados, mas também pode oferecer cenários referenciais para o futuro.

​Infelizmente o Brasil não é um país que traça o seu futuro por meio de planos, programas, e projetos estratégicos visando entender os seus próprios desafios em curto, médio e longo prazo. A falta desta prática, tem nos levado a profundas crises econômicas, sociais, ambientais, e inclusive de governança. Logo, os ODS não são um dos únicos caminhos a serem trilhados, mas certamente é uma forma prática de refletir sobre o estado atual das coisas, bem como uma forma de avaliar o futuro por meio temas importantes, e que valem nossa reflexão.

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