O programa alemão REM e a atuação do Acre no mercado de carbono: trajetória e desafios

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A seguinte matéria reproduz e adapta informações coletadas do site Notícias do Acre, da Secretaria de Estado de Comunicação do Acre.

O mercado de carbono surgiu a partir da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (UNFCCC), durante a ECO-92 no Rio de Janeiro, e consiste em uma tentativa dos países em assumirem compromissos mais rígidos para a redução das emissões de gases que agravam o efeito estufa, sobretudo os países signatários do Protocolo de Quioto, que exige uma redução ou limitação da emissão desses gases poluentes. (1)

Um dos principais resultados das negociações ocorridas dentro da UNFCCC foi a criação do conceito REDD+ (Reduções de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação florestal e aumento de estoques de carbono florestal). A ideia é que países que tiverem implementando políticas REDD+ estarão aptos a receber pagamentos por resultados. Tais resultados serão verificados por especialistas indicados pelo Secretariados da UNFCCC.

REDD+.png

Como consequência, a redução das emissões passam a ter valor econômico. Uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) corresponde a um crédito de carbono, e este crédito pode ser negociado no mercado internacional. O mercado dos créditos é atraente para indústrias altamente poluentes, como companhias aéreas e países industrializados, porque as compensações podem servir como uma alternativa mais barata do que reduzir o uso de combustíveis fósseis. (2) O Brasil é um dos maiores receptores de recursos do crédito de carbono.

O Brasil é um dos maiores receptores de recursos do crédito de carbono

O INÍCIO DA PARCERIA ACRE-ALEMANHA

O Acre se tornou o primeiro estado brasileiro a receber financiamento baseado em resultados de redução de emissões de carbono.

O Acre possui parcerias internacionais na tentativa de proteção florestal e mitigação da mudança climática. Um exemplo é a cooperação financeira estabelecida entre o estado acreano e o Banco Alemão de Desenvolvimento (KfW). O primeiro acordo assinado entre o Acre e a Alemanha foi em junho de 2012, quando o programa REDD for Early Movers (REM) foi lançado na Conferência Rio+20, com recursos provenientes do Fundo de Energia e Clima do Governo Federal da Alemanha. Com esse acordo, o Acre se tornou o primeiro estado brasileiro a receber financiamento baseado em resultados de redução de emissões de carbono.

O programa REDD for Early Movers (ou REDD para Pioneiros) é implementado no âmbito do Sistema de Incentivos por Serviços Ambientais do Estado do Acre (SISA), que organiza de forma jurisdicional as atividades de compensação por boas práticas ambientais. Inicialmente foram investidos 16 milhões de euros, sendo adicionado em 2013 o valor de 9 milhões de euros, somando assim 25 milhões de euros. Dessa forma, cerca de 100 milhões de reais foram destinados para o fortalecimento da agricultura sustentável (beneficiando 6.469 famílias), reservas extrativistas (beneficiando 3.000 famílias de extrativistas e seringueiros), comunidades indígenas (5.283 beneficiários), pecuária diversificada sustentável (beneficiando 2.085 famílias de agricultores) e fortalecimento institucional do SISA. (3)

Em 2017, esses acordos foram renovados e estendidos até 2022. A renovação ocorreu no âmbito da Amazon Bonn, evento promovido pelo Fórum de Governadores da Amazônia Legal, em parceria com o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e organizações de cooperação nacional e internacional. O contrato de financiamento assinado com o Ministério Federal Alemão para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (BMZ) contempla o valor de 10 milhões de euros, e o segundo acordo, assinado com o Departamento de Negócios, Energia e Estratégia Industrial do governo do Reino Unido (BEIS), foi no montante de 20 milhões de euros. Ambos acordos foram assinados via Banco Alemão de Desenvolvimento (KfW), para serem novamente implementados por meio do Programa Global REM, totalizando mais de 115 milhões de reais. (4)

O PROGRAMA REED TRAJETÓRIA E DESAFIOS

Lançado na Conferência Rio+20 em junho de 2012, o Programa REM (REDD Early Movers) recompensa os pioneiros na conservação florestal e mitigação das mudanças climáticas. O programa REM destina-se a países ou jurisdições subnacionais que anteciparam iniciativas para proteger as florestas, e fornece pagamentos baseados em desempenho para a redução de emissões de carbono por desmatamento. O Programa está incluído, então, na iniciativa REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal). (5)

O Programa REM (REDD Early Movers) recompensa os pioneiros na conservação florestal e mitigação das mudanças climáticas.

O Programa foi pensado no âmbito do Ministério Alemão de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (BMZ) e está sendo executado em conjunto com o Banco Alemão de Desenvolvimento KfW e com apoio técnico da Agência Alemã de cooperação Internacional (GIZ). A primeira fase foi executada entre 2012 e 2017, com aporte de valores de 120 milhões de reais, aproximadamente. O Acre foi a primeira jurisdição do mundo a desenvolver e implementar um arcabouço legal e institucional voltado para o REDD+, e se tornou referência nesse modelo ambiental.

O Acre foi a primeira jurisdição do mundo a desenvolver e implementar um arcabouço legal e institucional voltado para o REDD+, e se tornou referência nesse modelo ambiental.

Ao final de 2017, o KfW concedeu um financiamento subsequente de três anos (Programa REM Acre Fase II) no valor de 10 milhões de euros, somado a 17 milhões de libras por parte da Secretaria de Negócios, Energias e Estratégia Industrial do Reino Unido (BEIS, sigla em inglês ). O co-financiamento da Grã-Bretanha terá uma vigência de cinco anos (2017-2022).

Em 2018, o Acre recebeu visitas de prefeitos, gestores e produtores do Departamento de Madre de Dios (Peru) que estiveram no estado para conhecer os empreendimentos e instrumentos de gestão que compõem a política acreana produtiva de baixa emissão de carbono. (6) A troca de experiências entre os governos é fruto de um acordo assinado durante a Conferência das Partes (COP-20), em 2015, realizado em Lima, no Peru. A visita é resultado de uma parceria da WWF, governos de Thauamanu, Acre e a Earth Innovation Institute (EII).

Em setembro de 2019, o governador do Acre, Gladson Cameli, participou em Frankfurt, na Alemanha, de uma reunião com executivos do banco alemão KfW e representantes de outras entidades para reafirmar a parceria na redução de emissões de carbono. O encontro foi solicitado pelo próprio governador e teve como objetivo levar ao conhecimento da KfW o interesse do Governo do Estado em manter a parceria dentro do Programa REM Acre Fase II (7). O encontro ocorre em um contexto de altos índices de desmatamento e queimadas na região da Amazônia, mostrando a iniciativa do governo acreano de acalmar os ânimos internacionais.

​​ANÁLISE CRÍTICA SOBRE O PROGRAMA REM NO ACRE

Em julho de 2019, foi identificado um desmatamento de 187 km2 de floresta nativa no Acre; no mesmo mês do ano passado, essa área foi de 35 km2 – uma variação de 434%. Em números absolutos, na comparação com os outros estados da Amazônia Legal, o Acre registrou a segunda menor área desmatada mas, em termos percentuais, o estado ocupa atualmente as primeiras posições. (8)

Governador Gladson Cameli e quipe com executivos do KfW, em Frankfurt (Alemanha). Foto: Notícias do Acre.

A inclusão do REDD+ como instrumento de proteção florestal e climática nas negociações da ONU sobre o clima suscitou muitas expectativas, com a promessa de cessar o desmatamento ao tornar a mata intacta mais valiosa do que a desmatada. (9)

​No entanto, há desafios para efetivar as políticas de proteção ambiental. De acordo com o Relatório REDD Early Movers (REM) no Acre, verificam-se limitações e contradições na teoria do conceito REDD+. Segundo o relatório, “o exemplo do estado do Acre evidencia o quanto a implementação do REDD+ já se afastou das promessas originais e dos princípios conceituais, com as quais está sendo defendido como concepção para a proteção climática pelos seus apoiadores desde 2005”. (Prefácio)

​Ainda que o documento considere que “o governo do Estado [Acre] estabeleceu continuamente, desde 1998, instituições e instrumentos para a proteção florestal e a implementação do REDD, integrando estes às legislações nacionais” e, ainda, “em 2010 foi instituído um amplo sistema estadual para o incentivo de serviços ambientais” (em referência ao SISA – Sistema Estadual de Incentivos a Serviços Ambientais), é notável que “as reduções de emissões supostamente obtidas pelos projetos REDD+ do setor privado no Acre não estão suficientemente refletidas na contabilidade de carbono do estado.” (Página 6)

O exemplo do estado do Acre evidencia o quanto a implementação do REDD+ já se afastou das promessas originais e dos princípios conceituais

Prefácio do Relatório.

Isto é, de acordo com o relatório, “os números nos documentos dos projetos REDD+ privados provavelmente são exagerados porque se utilizam cenários de referência particularmente altos para comparação, estabelecendo assim uma suposta redução de emissões muito alta para os projetos.” (Página 15)

​Ainda no relatório, desde 2009 não se constata, no território acreano ou nacional brasileiro, uma tendência para a redução do desmatamento. Como já fora citado, levantamentos do desmatamento de 2017/18 apontam para mais um aumento considerável, sendo que a área desmatada em dezembro de 2017 foi 20 vezes maior do que em dezembro de 2016.

​O relatório também relata falhas e incapacidades do estado acreano na implementação do REDD+, desembocando para a conclusão de que “o objetivo ambicioso de reduzir o desmatamento no Brasil em 80 por cento até 2020 está cada vez mais longe”. (Página 10)

As consequências das incapacidades dos governos em cumprir o disposto no mecanismo REDD poderão ser a suspensão dos pagamentos e do financiamento disponibilizado pelos países.

Diante de tais problemas, as próximas rodadas de negociações climáticas da ONU visam rediscutir o mecanismo REDD, um dos problemas estaria no sistema de pagamentos baseado em resultados e nas fragilidades acerca do cumprimento das metas. Em grande medida, as consequências das incapacidades dos governos em cumprir o disposto no mecanismo REDD poderão ser a suspensão dos pagamentos e do financiamento disponibilizado pelos países.

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