Para falar sobre Turismo o IDeF realizou uma entrevista com Aline Martins, Gerente de Gestão do Conhecimento do Programa Semear Internacional, que nos explicou em detalhes como funcionou o evento “Intercâmbio com foco no Turismo Rural no Semiárido – Conhecer, valorizar e manter o semiárido brasileiro”, que ocorreu em diversos municípios do estado da Paraíba entre os dias 27 de maio a 01 de junho de 2019.
O evento foi promovido pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) através do Programa Semear Internacional, em parceria com o Governo do Estado da Paraíba, por meio do projeto Procase, e a Corporação Procasur. Houve a participação de cerca de 30 pessoas beneficiárias de projetos apoiados pelo FIDA. O objetivo do intercâmbio foi mostrar para os visitantes o desenvolvimento do turismo rural nos municípios de Areia, Boqueirão e Cabaceiras.
IDeF – O evento “Intercâmbio com foco no Turismo Rural no Semiárido – conhecer, valorizar e manter o semiárido brasileiro” realizado contou com uma comitiva composta de pessoas de todo o Nordeste para conhecer as exitosas experiências no âmbito do turismo rural. Quem foram essas pessoas convidadas? (sociedade civil, gestores de governos municipais/estaduais, integrantes de ONG’s, estudantes, etc)
Aline – O Programa Semear Internacional é um programa de gestão do conhecimento do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) da ONU, que no Brasil tem seu investimento voltado apenas para o semiárido. Existem 6 projetos aqui no Brasil, um com o Governo Federal, e os outros cinco são com governos estaduais.
O FIDA financia esses projetos de desenvolvimento do semiárido com empréstimos e doações. A Paraíba tem essa parceria com o FIDA e com a ONU para o desenvolvimento do semiárido, que é o PROCASE (Projeto de Desenvolvimento Sustentável do Cariri, Seridó e Curimataú), ligado ao governo do Estado através da Secretaria de Agricultura. O Programa Semear Internacional faz a gestão do conhecimento desses 6 projetos, que significa fazer a troca do conhecimento entre projetos, estados e até mesmo países.
Então, como aconteceu na Paraíba, nós fazemos intercâmbios participando da vivência e passando alguns dias em campo, fazendo também uma parte técnica, metodológica, pedagógica e teórica. Os nossos públicos são produtores e produtoras rurais, gestores públicos, universidade e artesãos com foco em juventude, comunidades tradicionais, quilombolas, mulheres e agricultores familiares. Quando a gente faz um evento desse tipo, procuramos sempre manter prioritariamente esse público, porém, como o tema do turismo rural é algo relativamente novo e trabalhado com políticas públicas, trata-se de algo ainda não muito explorado, mas com grande demanda.
Devido ao semiárido ter um clima mais difícil, com incidência solar grande durante todo o ano e também falta de água e chuva, ele não costuma ser tão atraente para o turista tradicional, mas as pessoas que moram no semiárido começaram a perceber a beleza que existe nele e a capacidade que elas próprias teriam de receber essas pessoas e mostrar um turismo diferenciado mostrando a sua vivência. Por exemplo, passando alguns dias com as mulheres, homens e jovens que moram nessa região.
Devido ao semiárido ter um clima mais difícil, ele não costuma ser tão atraente para o turista tradicional, mas as pessoas que moram no semiárido começaram a perceber a beleza que existe nele e a capacidade que elas próprias teriam de receber essas pessoas
A prioridade que a gente teve quando pensou nesse tema foi trabalhar com jovens por ser uma temática que precisa de profissionalização: construir uma forma de turismo e ser capaz de receber visitas e prestar serviços, conhecido também como turismo de base comunitária, apoiando também o trabalho não agrícola, gerando mais oportunidade no campo. Então, o turismo rural seria uma ideia de focar na juventude, permitindo que os jovens participem mais do seu local e tenham a oportunidade de trabalhar nele. Priorizando os jovens, nós mandamos convite para os seis projetos nos quais o FIDA atua aqui no Brasil para que ele selecionasse jovens que teriam interesse em trabalhar com esse tema. Assim, eles iriam conhecer o que está acontecendo na Paraíba, voltariam para os seus estados e repassariam as informações que conseguiram ou até mesmo as colocariam em prática, que é o objetivo final do intercâmbio.
Normalmente mandamos esses convites para beneficiários finais, técnicos e gestores. Os gestores costumam trabalhar na administração do projeto ou na parte do governo, pois geralmente esses projetos estão alocados nas secretarias de agricultura. Tivemos a presença do pessoal da Paraíba, da Secretaria de Turismo, da PB-TUR e do Governo do Piauí. O público foi basicamente esse, mas nesse intercâmbio específico, ele foi mais reduzido.
IDeF – Então todas as pessoas que estiveram nesse intercâmbio eram participantes de projetos apoiados pelo FIDA?
Aline – Devido ao semiárido ter um clima mais difícil, com incidência solar grande durante todo o ano e também falta de água e chuva, ele não costuma ser tão atraente para o turista tradicional, mas as pessoas que moram no semiárido começaram a perceber a beleza que existe nele e a capacidade que elas próprias teriam de receber essas pessoas e mostrar um turismo diferenciado mostrando a sua vivência. Por exemplo, passando alguns dias com as mulheres, homens e jovens que moram nessa região.
IDeF – Como ocorreu esse intercâmbio? Quais atividades foram realizadas?
Aline – O programa contratou uma equipe experiente em turismo rural e fez uma parceria com a Coorporação PROCASUR que trabalha desde 1996 no desenvolvimento e disseminação de ferramentas e metodologias para uma gestão eficaz do conhecimento, fortalecendo a capacidade de atores públicos e privados envolvidos no combate à pobreza rural, na América Latina e no Caribe. Mas então, porque o PROCASE? O FIDA apoia seis projetos, atuando em dez estados. Esse projeto da Paraíba chamou nossa atenção porque apesar de muito simples e muito inicial, ele já contava com turismo como atividade nas comunidades rurais. A gente optou por visitá-los mesmo sabendo que eles ainda ese encontram em fase inicial, mas visitar esses lugares também é uma forma de impulsioná-los. Foi feita uma visita prévia a todos os empreendimentos, atividades e hotéis, e depois disso montamos um roteiro e circulamos pelas experiências dos projetos para que os participantes pudessem conhecer e perceber interesses/similaridades entre as suas regiões e as atividades que visitamos.
A gente passou o primeiro dia em Areia-PB, onde já entra na rota do frio, para visitar o projeto Flores Vila Real e ADESCO, que é uma associação de mulheres que trabalham com caprinos e fazem queijos com leite de cabra. Apesar de Areia não ser considerada semiárido, mas sim brejo, ela continua se encaixando na atividade de turismo rural e foi muito divertido. Depois fomos para Boqueirão e para Cabaceiras, onde houve visitas ao lajedo e onde também conhecemos um turismo que aproveita bastante a beleza natural da região, faltando apenas estrutura de restaurantes e pousadas.
E aí se percebe algo muito interessante sobre esse intercâmbio: como essa é uma região isolada que não tem muito turismo, o que eles fizeram foi optar pelos campings e montar o restaurante em cima da pedra do lajedo, como um restaurante itinerante. Eles montam fogão e cozinha, de forma simples, à lenha, mas de uma maneira bem gostosa e aconchegante. Isso chamou muita atenção dos participantes para eles perceberem que para começar, não é necessário que tudo já esteja pronto. É necessário apenas estar organizados e ter uma ideia pronta. Nesse caso foi necessário ter apenas as condições de preparar um bom almoço e de empregar um bom serviço, não necessariamente ter aquela megaestrutura que a maioria das pessoas querem ter antes de começar.
E então, percebe-se também que não se trata de um turismo que visa muito lucro e isso é muito interessante porque desconstrói um pouco essa questão econômica que vemos nas capitais, por exemplo, subindo o preço de custos de hospedagem e passeio e fazendo com que o turista gaste muito devido àquelas situações de baixa estação e alta estação. Enquanto isso, no turismo de base rural/comunitária é possível vivenciar o dia-a-dia das pessoas e com um preço muito justo, sem exploração comercial e visando uma economia solidária, com o objetivo de ganhar, obviamente, mas sem cobrar nada além.
Para começar, não é necessário que tudo já esteja pronto. É necessário apenas estar organizados e ter uma ideia pronta. Percebe-se também que não se trata de um turismo que visa muito lucro e isso é muito interessante porque desconstrói um pouco essa questão econômica que vemos nas capitais
É interessante também passar por esses lugares e perceber como existe um grande apoio do governo, da universidade, por exemplo, muito presente lá nas pesquisas em relação a clima, solo, tipos de plantas, rosas e flores. A parceria entre prefeitura, SEBRAE, UFPB e órgãos do Estado eram muito presentes nas visitas que a gente fez.
Como o semiárido trabalha muito com caprino e ovino, que são os animais que conseguem resistir à seca, as mulheres costumam produzir vários produtos derivados do leite de cabra como queijos de vários tipos: queijo defumado, queijo com vinho, com orégano, com doce, tudo organizado, com boa embalagem e certificação do MAPA. Assim, dá para agregar o turismo com a culinária da Paraíba e do Nordeste que são muito típicas, que vendem facilmente e que as pessoas gostam muito. Ao visitar os pontos turísticos encontramos o crochê, o artesanato, os brinquedos, e do outro lado aparecia alguém vendendo fruta orgânica e derivados do leite de cabra, assim criou-se uma rede do turismo comunitário.
O turismo rural é isso. É a comunidade se organizar para receber o turista sem modificar muito sua vida, apenas aprendendo a receber bem e fazendo isso em cadeia. É uma rede onde toda a comunidade vai ganhar. Eles precisam entender que o turista vai chegar ali no semiárido e é interessante que todos esses trabalhos e serviços que são feitos na comunidade estejam bem à vista. A gente viu muita placa, muito panfleto, muitos portais, por exemplo: “Você chegou na terra do crochê!”. E isso também chamou muito nossa atenção. É um marketing mais simples, mais direcionado, mas que faz a diferença. O turismo rural é voltado para desenvolver a comunidade, então tudo é pensado bastante em conjunto. Não tem aquela concorrência tão forte que a gente pode observar nos lugares em que existe um turismo mais habitual.
O turismo rural é isso. É a comunidade se organizar para receber o turista sem modificar muito sua vida, apenas aprendendo a receber bem e fazendo isso em cadeia.
Lá em Areia tem uma experiência muito interessante na comunidade Chã de Jardim, que é o “Restaurante Vó Maria”. O restaurante funciona completamente em cadeia. A comunidade inteira se beneficia do turismo rural porque eles plantam no local e fizeram um grande restaurante onde tudo que é consumido e utilizado para produzir os jantares e almoços vêm da comunidade. Não compram nada de fora.
A comunidade que antes só plantava um tipo de produto agora começou a plantar diversos tipos de fruta para poder fazer vários tipos de polpas e sucos, e isso ajuda na questão climática, na agrobiodiversidade, e ainda permite que eles trabalhem com a fruta da estação. Então, não vão ficar comprando caro de outro lugar porque o que vai servir no restaurante é a fruta da estação. Não adianta querer suco de manga na época em que não tem manga, e isso muda a consciência do turista. Na hora que o turista chega perguntando porque não tem suco de manga, eles explicam, e a explicação é muito lógica: tudo é artesanal e sazonal.
Além do restaurante têm uma equipe de jovens que podem conduzir você por uma trilha lá mesmo na comunidade. A trilha é pequena, mas eles vão mostrando tudo que tem no meio da floresta, quais tipos de planta, etc. Então, eles foram inovando: fazem compostagem, fazem reuso de água, e isso é mostrado durante esse passeio onde tudo foi agregado. Ao final do passeio, eles forram o chão com esteira, um deles começa a tocar violão e fazem um piquenique com os turistas É bem legal, e você vê que é algo muito simples. Eles fazem tudo utilizando o conhecimento deles, e você passa o dia com as pessoas que moram ali conversando e entendendo a região, o clima, o porquê de Areia ser tão fria no meio de outras cidades.
Tudo isso é o que o turista que vai para o meio rural quer. Ele quer se sentir da comunidade e conhecer as pessoas como elas são. Alguns, obviamente, na hora de dormir podem desejar se hospedar em um local em que haja mais estrutura, enquanto outros preferem vivenciar mais esse momento e se hospedar na casa de alguém.
Tudo isso é o que o turista que vai para o meio rural quer. Ele quer se sentir da comunidade e conhecer as pessoas como elas são.
No turismo rural existem essas várias possibilidades. Areia já é bem mais equipada, possui alguns hotéis com mais luxo e mais caros, e também tem pousadas pequenas. Creio que deu para aproveitar bastante a estadia. No final da visita, nós fizemos uma avaliação e eles anotavam os pontos que achavam positivos e o que achavam que poderia modificar a experiência, então foi bem interessante. Quando você volta para sua comunidade, para o seu estado, você já volta pensando em adaptar o que você vivenciou lá na Paraíba para a sua realidade.
IDeF – Vocês já tiveram algum feedback sobre novas atividades que foram desenvolvidas?
Aline – Durante o intercâmbio, estava presente a equipe do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), e eles ficaram bastante entusiasmados para escrever algumas orientações para todos os estados do Brasil em relação ao turismo rural e citar a Paraíba como um exemplo. Não tenho conhecimento se isso já foi feito, mas lembro que foi algo colocado.
Além disso, a equipe do Piauí saiu do intercâmbio com muitas ideias e estão preparando algo parecido em uma região que tem quedas d’água e que ninguém nunca pensou em tornar aquilo um ponto de turismo, até por ser no interior e muito quente. Mas, no meio disso tem essa queda d’água que é belíssima e com água bem transparente. A partir disso, estão fazendo um projeto de turismo rural no Piauí baseado no que eles viram lá no Lajedo do Pai Mateus, em Chã de Jardim, com a história do restaurante que envolve a comunidade inteira.
Este tipo de intercâmbio é importante pois não é tão simples para eles fazer turismo ou receber alguém. Montar um restaurante exige dedicação e aprendizagem, e não apenas saber cozinhar, mas também com limpeza, pagamentos, divisão justa dos lucros e tudo isso foi abordado na parte teórica do evento. As pessoas focam muito na agricultura e na venda, e esquecem que ainda existe essa outra possibilidade de renda, de trabalho e de desenvolvimento e para isso precisamos de mais investimentos nessa área.
IDeF – Como ocorre o mapeamento dos projetos financiados pelo FIDA? É uma iniciativa das comunidades através dos governos ou é o FIDA que busca e seleciona quais comunidades receberão o financiamento?
Aline – O acordo do FIDA é direto com os governos estaduais e federal. O governo estadual desenvolve o projeto para o FIDA, a fim de conseguir processar esse recurso e então é necessário explicar a área de atuação. A Paraíba, por exemplo, atua em toda a região semiárida: Cariri Oriental, Borborema, entre outros. A partir daí, ela definiu que a potência dela é trabalhar agricultura, caprinos e artesanato devido à cultura muito forte na Paraíba de rendas, louceiras de barro. Isso deve vir definido no projeto e a partir disso, depois de aprovado, essas comunidades conseguem captar o recurso que está com o estado através de editais.
O governo vai até as regiões semiáridas e vê quais são as comunidades que têm potencial e que precisam do financiamento. Por exemplo, existem comunidades que gostariam de plantar, mas a região pode estar muito seca e é necessária implementação de cisternas, orientação técnica para construir os quintais produtivos ou então para auxiliar na parte dos caprinos. Às vezes, eles localizam empreendimentos e associações que já têm uma pequena proposta e então os financiam, assim como também vão em comunidades extremamente carentes e levam um plano para aquela comunidade.
Todo projeto trabalha com associação. As comunidades têm que se organizar, juntar os pequenos distritos e se reunir. O governo as auxilia essas associações que recebem diversas formações administrativas. Em seguida, a associação pode receber os recursos em dinheiro, mas ele só é liberado quando as comunidades têm o plano de trabalho pronto e aprovado pelo governo do estado. Assim, o governo fica acompanhando e apoiando a produção daquela comunidade e da compra de equipamentos.
O acordo do FIDA é direto com os governos estaduais e federal. O governo estadual desenvolve o projeto para o FIDA, a fim de conseguir processar esse recurso e então é necessário explicar a área de atuação.
O foco geral de todos os projetos é o desenvolvimento da agricultura familiar. Com a transição agroecológica, todos os projetos trabalham fortalecendo muito a agroecologia para poder tirar essa grande quantidade de veneno dos produtos. Há um trabalho muito forte gerando uma inclusão social e produtiva das mulheres. Todos os projetos trabalham com a promoção da equidade de gênero: mulheres, LGBT’s;
E sobre “acessar” diretamente o Programa Semear, infelizmente não é possível. Como a gente é um programa específico do FIDA, nós atuamos apenas com os projetos. Por exemplo, se é percebido que é muito necessário fazer um intercâmbio em reuso de água por demanda de alguma comunidade, nós procuramos saber se é um tema relevante também para os outros projetos e analisamos a possibilidade de realizá-lo. Porém, trabalhando basicamente na troca de capacidade e tecnologias. Os recursos, especificamente, só podem ser liberados através dos acordos com os governos e FIDA.
Se algum empreendimento rural precisa de aporte, e é uma iniciativa sustentável é interessante que seja conversado diretamente com o projeto, assim eles dão uma resposta se é possível ou não realizar o apoio, no site do Programa Semear Internacional tem os contatos dos projetos. Portalsemear.org.br