A articulação das redes globais de cidades no enfrentamento da pandemia da COVID-19

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A pandemia do novo coronavírus impactou de forma brusca e repentina a vida de todos. De forma geral, um fenômeno observado foi o aumento da percepção da sociedade quanto à importância dos gestores municipais e estaduais na formulação de políticas públicas efetivas, principalmente em momentos de crise. Em razão de conflitos entre os níveis de governos de diversos países, os gestores locais demonstraram protagonismo no enfrentamento à pandemia, efetivado na busca de apoio internacional para captação de recursos, fortalecendo ainda mais o fenômeno da cooperação internacional descentralizada. 

Sabe-se que existem uma vasta gama de opções para as cidades se inserirem no panorama internacional e que, muitas delas, foram utilizadas especialmente para fortalecimento dos laços internacionais nesse momento de crise global. Nesse sentido, é válido conferir destaque para dois movimentos que ganharam ênfase no cenário atual: a cooperação solidária entre as cidades-irmãs e a articulação das redes globais de cidades, tema foco desta matéria.

As redes globais de cidades surgiram com o objetivo de empoderar as cidades e promover maior participação política nas questões de âmbito global. Todavia, mesmo correspondendo a 80% do PIB Mundial, segundo a declaração feita em 2015 pelo então Vice-Secretário-Geral da ONU, Jan Eliasson, e as cidades corresponderem a 55% da população mundial, estas ainda não têm espaço suficiente no processo de tomada de decisão.  Nesse sentido, observa-se a atuação ativa dos governos subnacionais ao redor do mundo: “Reforçando suas credenciais políticas, elas estão indo além das parcerias em pares para construir alianças genuinamente globais”, disse Robert Muggah, fundador do Instituto Igarapé.

A partir dessa perspectiva, é válido ressaltar que, atualmente, existem mais de 200 redes de cidades no mundo, um número maior do que as coalizões entre Estados-nação, demonstrando a capacidade de articulação entre cidades, apesar dos entraves políticos, geográficos e culturais.

 Em decorrência desse movimento e da mudança da percepção internacional, a Organização das Nações Unidas reconhece, pela primeira vez, no ODS 11 (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), a importância de: “Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”, como parte na nova agenda urbana para 2030. Tal mudança surge da  necessidade de ouvir demandas e perspectivas dos próprios gestores locais, sendo estes indispensáveis ao papel central na formulação de políticas. 

Foto: depositphotos

Nesse sentido, levanta- se o questionamento acerca de: como as redes de cidade posicionaram-se, em conjunto, no enfrentamento da pandemia? Houve um fortalecimento ou, pelo contrário, retrocesso? Para discutir essa questão, a seguir mostraremos alguns exemplos de redes de cidades e suas atuações na pandemia.

A rede Mercocidades, fundada em 1995, possui 359 cidades-membro de 10 países sul-americanos: Argentina, Brasil, Paraguay, Uruguay, Venezuela, Chile, Bolívia, Equador, Peru e Colômbia, totalizando mais de 120 milhões de pessoas.  Com a pandemia, a rede criou a estratégia “Mercocidades responde à COVID-19”, que possui três pilares: geração de ferramentas de comunicação, cooperação solidária entre as cidades-membros e articulação e aliança com terceiros. Para tanto, são executados seminários virtuais, divulgação de medidas tomadas para a prestação de serviços públicos de modo virtual, intercâmbio de experiências bem-sucedidas, articulação com as universidades, promoção de mentoria para formulação e gerenciamento de projetos locais, entre outros. 

Fonte: Mercocidades, 2020

Partindo para um panorama global, a rede C40 Cities conecta 97 das maiores cidades do  mundo, abrangendo mais de 700 milhões de cidadãos e ¼ da economia mundial, em busca da promoção da sustentabilidade e de um futuro mais saudável. A organização visa cumprir os objetivos estruturados no Acordo de Paris, a partir da articulação entre governantes locais do mundo todo. Em decorrência do cenário pandêmico, as prefeituras se uniram e lançaram a “Global Mayors COVID-19 Recovery Task Force”, com ambiciosos objetivos para reconstrução das cidades de uma forma a não retroceder e promover políticas que melhorem a saúde pública, reduzam as desigualdades e, concomitantemente,  enfrentem a crise climática.  

Por último, unindo diversas redes de cidades (Mercocidades, C40, ICLEI, Global Resilient Cities Networks) está a plataforma “Cities for Global Health” (https://www.citiesforglobalhealth.org/) que se caracteriza pela promoção de intercâmbio de informações e experiências de governantes ao redor do mundo no combate à pandemia, gerida em colaboração entre a Rede Metrópolis, Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU) e Aliança Euro-latino-americana de Cooperação entre Cidades (ALLAS). Até o momento da publicação desta matéria, já haviam sido cadastradas um total de 657 iniciativas de 34 países e 102 cidades, promovendo um grande movimento em prol da cooperação internacional descentralizada. 

Desse modo, voltando ao questionamento levantado anteriormente, percebe-se que o movimento de articulação internacional por meio de redes não foi enfraquecido em razão da pandemia. Pelo contrário, a cooperação internacional descentralizada, mais uma vez, foi utilizada como forma de promover o desenvolvimento e recuperação das cidades que, apesar de suas diferenças e especificidades, conseguem encontrar aspectos comuns que as unem.

Referências bibliográficas

AGENDA 2030. Plataforma Agenda 2030. Disponível em:<http://www.agenda2030.org.br/ods/11/>. Acesso em: 14 de dez. 2020.

C40. The Global Mayors COVID-19 task force. Disponível em: <https://www.c40.org/other/covid-task-force#:~:text=C40%20mayors%20have%20united%20to,profoundly%20impacted%20the%20world’s%20cities>. Acesso em: 15 dez. 2020.

ESTRATÉGIA ODS. O futuro depende das redes globais de cidades. Disponível em:<https://www.estrategiaods.org.br/o-futuro-depende-de-redes-globais-de-cidades/>. Acesso em: 14 dez. 2020.

MERCOCIDADES. Mercocidades responde ao COVID-19. Disponível em: <https://mercociudades.org/pt-br/mercociudades-responde-al-covid-19/#:~:text=Perante%20a%20situa%C3%A7%C3%A3o%20de%20emerg%C3%AAncia,aos%20seus%20governos%20locais%20membros.&text=%2DCoopera%C3%A7%C3%A3o%20solidaria%20entre%20cidades%20membro,inst%C3%A2ncias%20de%20coordena%C3%A7%C3%A3o%20de%20Mercocidades> . Acesso em: 15 dez. 2020. 

MERCOCIUDADES. Visión y Misión. Disponível em: <https://mercociudades.org/mercociudades/>. Acesso em: 14 de dez. 2020.

OBSERVATÓRIO DE REGIONALISMO. A atuação da Rede Mercocidades em meio à crise do regionalismo sul-americano e à pandemia de COVID-19. Disponível em: <http://observatorio.repri.org/2020/08/25/a-atuacao-da-rede-mercocidades-em-meio-a-crise-do-regionalismo-sul-americano-e-a-pandemia-de-covid-19/>. Acesso em 14 dez. 2020. 

ONU NEWS. Eliasson afirmou que “as cidades representam 80% do PIB global”. Disponível em: <https://news.un.org/pt/story/2015/06/1514901-eliasson-afirmou-que-cidades-representam-80-do-pib-global>. Acesso em: 14 de dez. 2020. 

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