Coordenador do Observatório Metrópoles fala de gestão metropolitana e pandemia

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Luiz César de Queiroz Ribeiro

O IDeF entrevistou Luiz César de Queiroz Ribeiro, professor titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ) e coordenador do INCT/Observatório das Metrópoles. Luiz César desenvolve estudos sobre os temas metropolização, dinâmicas intrametropolitanas e o território nacional, dimensão sócio-espacial da exclusão/integração nas metrópoles, governança urbana, cidadania e gestão das metrópoles. Possui graduação em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas – RJ (1972), mestrado em Développement Economique Et Social – Université Paris 1 (Panthéon-Sorbonne) (1976) e doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (1991). 

IDeF – O Observatório das Metrópoles surge a partir de um projeto voltado para avaliação de políticas na região metropolitana do Rio de Janeiro e, hoje em dia, consiste em um INCT que envolve centenas de pesquisadores, gestores e estudantes em 16 núcleos regionais. O senhor poderia falar um pouco mais sobre a história do Observatório das Metrópoles? Como surgiu e como funciona essa atuação em rede? 

Acho que podemos contar a história do observatório identificando 3 períodos. O primeiro corresponde aos anos 1980, o segundo aos anos 1990 e por fim aos anos 2000. Esses períodos são distintos em função (i) do foco do observatório e (ii) da amplitude das atividades desenvolvidas. Então, no primeiro momento o observatório surgiu apenas no Rio de Janeiro, como iniciativa do IPPUR (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro) em parceria com uma ONG nacional, a FASE (Federação de Assistência Social e Ensino), que era uma organização muito importante no Brasil pela sua militância e ao mesmo tempo sua amplitude em escala nacional. Desse modo surgiu, no Rio de Janeiro, a partir de iniciativas dessas duas instituições e com o foco central na questão urbana, o Observatório das Metrópoles (OM). Pensado a partir da ideia de um projeto de reforma urbana que tem uma certa história no Brasil, do ponto de vista social, político e também intelectual. Nos anos 90, em função do clima de redemocratização, essa questão urbana, olhada pelo prisma do projeto da reforma urbana, foi retomado por várias instituições e também nasce o movimento nacional da reforma urbana. 

Nesse contexto, o foco do OM era exatamente trabalhar na produção de conhecimento que ajudasse o desenvolvimento desse projeto de reforma urbana. Um pouco depois teve um momento muito importante, que foi a constituinte de 1988 e o movimento que ocorreu para produzir uma plataforma de política urbana para ser introduzida na constituição. Então aconteceu um movimento para gerar uma proposta a partir da sociedade e nós tivemos um papel junto com outras entidades e movimentos trabalhando nessa linha (produção de conhecimento e fortalecimento dessa proposta). A proposta teve essa vitória, de tratar da política urbana, e nós continuamos o trabalho, começamos a perceber que o foco apenas na cidade, na questão urbana na escala da cidade, era insuficiente para dar conta da complexidade da questão urbana no país porque nós temos não só um país urbano, mas um país conformado com um formato urbano diferente da cidade stricto sensu, que são as metrópoles. Então começamos a migrar o foco para um trabalho mais sobre a escala metropolitana da questão urbana. Isso inaugura uma segunda fase do observatório. Começamos a partir do Rio de Janeiro, com várias vertentes para entender como a questão urbana se materializava na escala metropolitana do Rio. Essa experiência acabou resultando no projeto de comparação envolvendo São Paulo e Belo Horizonte, o que fez com que nós ampliássemos a parceria que existia no Rio de Janeiro para incorporar instituições de pesquisa, especialmente programas de pós-graduação. Em São Paulo e Belo Horizonte, passamos a atuar com essa perspectiva de um olhar comparativo da escala urbana na questão metropolitana RJ/SP/BH. A terceira fase resulta dos efeitos dessa experiência. Foi uma expansão nacional dessa proposta incorporando programas de pós-graduação de outras metrópoles, o que acabou resultando nessa configuração que estamos hoje, que envolve 16 núcleos de 16 metrópoles diferentes (15 mais o Rio de Janeiro) e em cada uma delas nós temos um coletivo de pesquisa que trabalha de maneira cooperativa e de forma complementar, buscando o entendimento dessa questão urbana na escala metropolitana, pensando através de um olhar nacional, mas também de uma visão que captura as particularidades de cada localidade.

“Saímos da cidade para a metrópole, da questão urbana na escala da cidade para a escala das metrópoles e saímos também de um projeto muito local para um projeto nacional”

Então é mais ou menos esse o resumo da nossa história, saímos da cidade para a metrópole, da questão urbana na escala da cidade para a escala das metrópoles e saímos também de um projeto muito local para um projeto nacional. Nossa história também é marcada pela história da política de ciência e tecnologia do país. Nossa caminhada só foi possível pois a partir do fim dos anos 90 iniciou uma política nacional de ciência e tecnologia, que foi crescendo e ganhando mais força e capacidade de dinamizar pesquisas nas universidades. E isso se traduz em 3 grandes programas que marcam a história dessa política: um programa chamado PROMEX (que incentivava a construção de núcleos de excelência com uma determinada característica), depois ele foi sucedido pelo programa de Institutos do Milênio e num segundo momento, que corresponde também ao momento que estamos vivendo transformou-se no programa de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT). O observatório hoje é um INCT dentre outros que foram incentivados por esse programa nacional que vem sendo fragilizado e dilapidado, tanto financeiramente como de prestígio, em função do cenário nacional e da pouca importância que o governo federal dá para a ciência e tecnologia do país. A nossa história também é uma história que resulta dessa constituição de um programa, de uma política nacional de ciência e tecnologia. Nós não teríamos essa história e nem teríamos saído de um projeto puramente local para um projeto nacional, se não tivéssemos sido apoiados por essa política nacional. 

IDeF – Por que o foco do observatório tem sido as metrópoles e como são conduzidas as pesquisas e a escolha específica dos temas dentro do observatório? 

Acho que eu já expliquei mais ou menos a razão do foco nas metrópoles, do ponto de vista da compreensão da necessidade de entender a complexidade urbana na escala metropolitana e isso significa não só mudar a grandeza, mas também a natureza da questão urbana quando você sai de uma cidade para metrópole. A metrópole não é só uma cidade grande, ela tem uma dinâmica distinta da cidade stricto sensu. Então nós passamos a compreender a questão urbana na escala metropolitana em função da percepção que o Brasil é um país que tem um sistema urbano altamente complexo e que nesse sistema nós temos cidades com essa característica de se constituir na escala metropolitana.

A metrópole não é só uma cidade grande, ela tem uma dinâmica distinta da cidade stricto sensu. Então nós passamos a compreender a questão urbana na escala metropolitana em função da percepção que o Brasil é um país que tem um sistema urbano altamente complexo e que nesse sistema nós temos cidades com essa característica de se constituir na escala metropolitana.

Isso nos levou a pensar o recorte metropolitano como foco do nosso trabalho. Mas isso também se deve a compreensão que apesar da importância econômica, social e ambiental da questão urbana na escala metropolitana, pudemos perceber que há uma ausência acentuada de políticas públicas que criem uma intervenção coordenada dos entes públicos na metrópole. Ela na verdade é uma escala da urbanização brasileira completamente órfã de governabilidade – investidura de autoridade pública que possa ser considerada responsável pelo que sucede nas metrópoles. Então a ausência de uma governabilidade e de um sistema de governança na escala metropolitana foi um fato que nos levou a escolher o recorte metropolitano como nosso foco. Nós consideramos também, para entender vários aspectos da metrópole e do processo de metropolização, o que não está na metrópole, embora ela seja o nosso foco. 

A ausência de uma governabilidade e de um sistema de governança na escala metropolitana foi um fato que nos levou a escolher o recorte metropolitano como nosso foco.

Nós temos um programa nacional de pesquisa e também de intervenção. Esse programa nacional de pesquisa é constituído por 3 linhas, e cada uma delas se desdobra em projetos e eles são realizados pelo coletivo de entidades e pesquisadores que integram o observatório, numa prática de pesquisa cooperativa e comparativa. Isso só é possível ao tempo em que nós temos um acordo cognitivo que nos permite ter uma visão teórica convergente. Além disso, nossa concepção metodológica atravessa todo o programa e por isso temos uma homogeneidade na metodologia e trabalhamos com uma base de dados compartilhada. Em cada núcleo nós temos uma coalizão de programas de pesquisa e pós-graduação. O observatório é uma rede de programas de pós-graduação, o que é muito importante para nós, pois isso dá longevidade e organicidade às instâncias do OM, por isso o observatório como uma experiência de pesquisa em rede tem a longevidade na fase contemporânea que corresponde aos 2 períodos que eu citei anteriormente, nós já temos mais de 20 anos de existência. E isso se traduz em prática, como eventos, workshops, seminários e interações que realizam essa pesquisa cooperativa e colaborativa na prática. 

IDeF – O observatório também tem atuado internacionalmente por meio de parcerias. Como funciona essa atuação internacional do observatório e o processo de cooperação internacional de forma mais ampla?

Olha, nós temos uma diversidade muito grande de atividades de cooperação e intercâmbio e fazemos uma distinção entre elas. Intercâmbio significa circulação de pessoas, às vezes doutorandos e pesquisadores de um lado ou de outro que realizam intercâmbio entre instituições que participam dos projetos de pesquisas alinhados com os nossos. Isso é uma frente de atividades de relações internacionais que nós temos e essas atividades são mais fragmentadas, pulverizadas. Ao lado disso, possuímos as atividades de cooperação, e elas podem ser divididas em cooperação de um projeto de pesquisa comum – uma parte do nosso programa é objeto de estudo de um grupo de pesquisa comum, um grupo de pesquisadores do observatório e o grupo de pesquisadores de outra entidade internacional que, geralmente desenvolvem uma pesquisa comparativa entre metrópoles na Europa, EUA ou Brasil. Então significa projeto de pesquisa em cooperação. E outra frente de atividade na área de cooperação é cooperar com um projeto já existente, então um grupo de pesquisa possui um projeto que é afinado com um dos nossos e a partir daí se estabelece uma cooperação acerca dos resultados de cada projeto, de um lado ou de outro. Isso se difunde na rede, entre os núcleos e entre os programas de pesquisa, podemos dizer então que é uma grande quantidade de atividades de cooperação e intercâmbio que são realizadas de forma descentralizadas num projeto nacional. Embora alguns possam ter uma amplitude nacional, os projetos são descentralizados. A cooperação e intercâmbio são descentralizados entre os núcleos e dentro deles através dos programas de pós-graduação.

Um comentário um pouco fora do tema, mas que é importante para ele. Uma das marcas do OM é a possibilidade de rompermos com as hierarquias acadêmicas que existem no sistema universitário brasileiro. Existe uma tendência a ter uma hierarquia, evidentemente, as universidades do Sudeste e particularmente, SP, RJ e MG tem um certo poder acadêmico, e quando existe cooperação elas são restringidas aos programas e grupos que estão nesse espaço de poder. E é muito difícil encontrarmos experiências de cooperação mais horizontais, que rompam com essa hierarquia e o observatório conseguiu fazer isso. Nós trabalhamos com grupos de pesquisa do Norte do país  (Pará), do Nordeste (Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco, Bahia), do Sudeste (Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais), no Sul (Rio Grande do Sul, Paraná), no Centro-oeste (Goiás). Isso é uma marca do observatório, o que tem haver com a questão que eu falei anteriormente, porque nós descentralizamos as atividades de cooperação e intercâmbio exatamente para que haja uma oportunidade mais ampla para que grupos de pesquisas participem dessa circulação através dessas atividades. 

E é muito difícil encontrarmos experiências de cooperação mais horizontais, que rompam com essa hierarquia e o observatório conseguiu fazer isso.

IDeF – Durante a pandemia de COVID-19, pudemos perceber que os grandes centros urbanos foram os mais afetados, como São Paulos e Rio de Janeiro no Brasil; Nova York nos EUA e Buenos Aires na Argentina. Na sua concepção, o que faltou às grandes metrópoles para terem maior sucesso no controle da pandemia? 

Por um lado, acho que vale a pena destacar esse fato, essas grandes metrópoles que possuem as características de uma metrópole global, pelas suas conexões econômicas, políticas e culturais passaram a ser o canal de transmissão da COVID-19 para dentro do país, exatamente pela característica de serem espaços globais, espaços que condensam as relações de cada país com o exterior. Então essas cidades passaram a ser o canal pelo qual o covid chega, aterrissa e se expande a nível nacional. Depois as metrópoles foram germinadoras da difusão, pois além de serem canais de comunicação com o espaço global são também um lugar em que se tem características sociais e urbanas que facilitaram muito a difusão do vírus. Então a aglomeração, a circulação e além disso as precariedades de todo tipo que caracterizam esses espaços urbanos. Foram lugares onde o meio urbano e social também facilitou muito a difusão, a nível nacional, do nível metropolitano para nacional, do pólo para o interior. Então, as grandes metrópoles, mesmo as dos países ditos desenvolvidos, também tiveram uma dificuldade de enfrentar, porque elas foram as primeiras assaltadas pela dinâmica da expansão da COVID. Rapidamente ela se difundiu, então a reação foi complicada de ser feita, e também o próprio controle através dessa ideia de uma disciplina social que permita diminuir a dinâmica de difusão é mais complicada no meio metropolitano, no meio social característico da metrópole. Além disso, você tem como marca dessa realidade a ausência de autoridade pública. Você tem autoridade em nível municipal, que integra a metrópole, mas não tem uma autoridade na escala metropolitana. As metrópoles tiveram dificuldade de reagir, não só pela forma como ela absorveu rápida e intensamente a circulação do vírus, mas também porque há uma ausência de autoridade pública. Então elas tiveram dificuldade de reagir por essa fragilidade institucional. Isso, eu acredito, é uma marca não só do brasil ou das metrópoles latinoamericanas, mas também de outros países, vejamos o caso de Nova York, que explodiu de casos.

IDeF – Em alguns países vimos governos de cidades e de estados/províncias  terem uma grande autonomia, tanto para conduzir medidas de contenção do vírus como em decisões sobre a retomada econômica. No contexto brasileiro, percebemos que algumas cidades tiveram certo tipo de autonomia quanto às medidas de controle do vírus, no entanto, devido ao engessamento do orçamento brasileiro, não tiveram acesso rápido a recursos do Governo Federal. Como o senhor avalia a resposta das cidades brasileiras no combate à pandemia? Na sua opinião, a autonomia municipal ajudou as nossas metrópoles? 

Acho que isso é um tema que merece uma pesquisa no futuro. Qual foi o papel do sistema de governo brasileiro, que tem essas características federativas, no qual municípios possuem uma certa autonomia, muito particular se compararmos a outros sistemas federativos. Nossas cidades têm uma autonomia muito grande no nosso sistema, uma autonomia política, institucional e alguma autonomia financeira – pois o sistema de financiamento municipal, tanto sobre a tributação local como o compartilhamento de recursos federais, não é igualitário. Acredito que falte uma pesquisa ainda para saber qual foi a importância desse sistema na difusão da doença entre nós. Eu diria assim, que no contexto em que a pandemia se instalou no Brasil, onde tivemos uma total demissão do governo federal de assumir um papel de protagonista, enfim, da reação do governo brasileiro à pandemia e isso é conhecido por todos, eu diria que essa autonomia teve dois lados. Por um lado, algumas experiências parecem revelar que essa autonomia foi positiva. Tem algumas experiências em que essas reações superaram a lacuna deixada pelo governo federal, como o caso de Niterói-RJ, uma cidade da região metropolitana que conseguiu ter uma forma organizada de reação a partir do protagonismo do município e da prefeitura. Em outros lugares, eu acho que essa autonomia no quadro de demissão do governo federal talvez tenha sido o contrário, tenha gerado uma dificuldade nas autoridades locais de reagir e isso sendo responsável pela difusão mais forte da doença nesses lugares. Então acredito que nos lugares onde a autonomia funcionou foram lugares onde tem mais recursos, como Niterói (royalties do petróleo) que tem uma capacidade financeira, e algumas capitais por serem municípios com uma maior capacidade financeira. Também há lugares onde não só a autonomia financeira desempenhou um papel importante mas também onde não avançou muito a privatização da saúde. Temos visto nos últimos tempos pelo Brasil afora a privatização do sistema público local, que estão sendo substituídos pelas OS (organizações), desmantelando uma espécie de burocracia técnica existente ali no município em função dessa transferência para OS do papel de serem protagonistas da provisão de saúde. Então a questão da autonomia em lugares em que avançou a privatização tem sido ruim. O SUS funcionou com menos eficácia exatamente em função dessa fragilização do sistema público local. 

IDeF – No projeto ‘Metrópoles da América Latina: efeitos territoriais da globalização’, desenvolvido desde 2010 e que posteriormente tornou-se um livro, foi realizado um estudo comparado “tomando como base os efeitos territoriais da globalização neoliberal em países com regimes políticos de diferentes orientações e com distintas relações com os países capitalistas hegemônicos”. Que balanço o senhor faz desse estudo comparado e quais os principais pontos em comum entre as metrópoles latino americanas? 

Assim, o que observamos é que o continente Latino-americano foi incorporado, a partir dos anos 1990, nesse projeto neoliberal de ajuste que também chegou na cidade, nas políticas urbanas. Nesse período, de 1990 até hoje, você tem uma situação, que é comum na América Latina e ao mesmo tempo é uma situação que a diferencia, porque teve país que entrou nesse ajuste mas ao mesmo tempo conheceram  momentos de experiência neo-desenvolvimentista, como o caso do Brasil e Argentina. Então você tem uma tendência aos efeitos territoriais próprios da concepção neoliberal em termos de aumento da desigualdade, aumento da segregação, privatização e precarização dos serviços públicos e urbanos. Ao mesmo tempo, o ajuste neoliberal na cidade, levando a uma ativação do mercado na provisão de moradias. Então você tem esses efeitos mais gerais no ajuste neoliberal urbano, no conjunto do continente, aumentando a desigualdade, precarizando a habitação e levando ao encarecimento do acesso aos serviços urbanos, através da filosofia da privatização. Até temos experiências que geraram efeitos que contrabalanceiam essa tendência geral, pelo fato de serem traduzidos a nível local pela volta do estado na provisão do serviço na política urbana, na política habitacional (constituição de um sistema de financiamento da moradia), na tentativa de estabelecer regulações do território que mantivessem essa dinâmica do mercado sobre um determinado controle. Então você tem experiências como a da Argentina e, portanto, Buenos Aires, Rio de Janeiro, São Paulo etc. que criaram contratendências a esse projeto neoliberal urbano que foi desencadeado no início dos anos 2000 e que foram até o período recente. Agora nós estamos vivendo uma homogeneização, a nível continental, dessa concepção ultraliberal. Você tem diferenças entre os países dentro desse contexto da agenda neoliberal chegando na cidade. Resumindo, tem uma tendência dos países se homogeneizarem diante o ajuste, aumentando a segregação, a desigualdade, o encarecimento dos serviços, a privatização, aumento da precariedade urbana etc. E outros países e cidades onde essa tendência foi contraposta a experiências resultantes de projetos neo-desenvolvimentistas, que é o retornar do estado, financiamento público, regulação dos mercados que é criar uma contra tendência a isso. 

IDeF – Por fim, tendo em vista o cenário de incerteza relacionado ao futuro pós-pandemia, como o senhor projeta o futuro socioeconômico das metrópoles brasileiras? A busca por cooperação internacional  entre cidades poderia ajudar de alguma forma? 

O cenário do futuro, no pós pandemia, temos que ter em mente que a pandemia pode se alongar até o fim de 2021, pelo menos em seus efeitos mais dramáticos, e com a vacinação chegando vai ser ainda insuficiente para controlá-la. Ela pode diminuir, mas não parar de se expandir e causar seus efeitos. Portanto, num contexto em que a pandemia tem consequências sanitárias, na saúde, sociais, econômicas – em termos de desemprego, diminuição da renda, avanço das formas mais liberais de contratações – a uberização do trabalho, enfim, os efeitos também decorrentes da restrição da atuação do setor público em várias áreas da política urbana, tendem a criar um cenário muito preocupante para as metrópoles, sendo que já são marcadas por serem territórios que concentram essas questões sociais de maneira mais aguda – desigualdade, desemprego, informalidade, precariedade. Nesse cenário de pós-pandemia é possível imaginar uma agudização dos problemas sociais e econômicos referente às metrópoles. Se adicionarmos a esse fato a constatação que permanecem as metrópoles como espaços não investidos de capacidade de governo e capacidade de planejamento, então o cenário é realmente preocupante da agudização também por esse lado, a ausência de um sistema público que enfrente esses problemas na escala metropolitana. É preocupante. No que diz respeito à cooperação internacional, é possível imaginar que experiências de uma metrópole para outra, a circulação dessas experiências e informações podem ajudar a enfrentar esses problemas. Mas isso depende muito da constituição dessa autoridade pública, do sistema de governo metropolitano, da governança metropolitana. Então para ter a possibilidade da cooperação internacional gerar algum tipo de ajuda é preciso que tenha um governo metropolitano e não existe uma autoridade pública que tenha de fato a competência e a capacidade de agir na escala metropolitana no país. Esses 2 fatos, ou seja, o fato que as metrópoles são um território e espaço de concentração dos tradicionais problemas estruturais e sociais do país, isso combinado com as consequências da pandemia, que agudizam esses problemas sociais, podemos prever que ficarão ainda mais fortes nas metrópoles. O desemprego e a pobreza vão estar mais presentes. E ao lado disso o fato da não existência de um sistema de governo metropolitano impede uma resposta que produza a política de enfrentamento desses problemas. Então, por esses dois lados o cenário pandêmico e pós pandêmico na metrópole é bastante preocupante com relação ao futuro. 

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