Soraya Pessino fala sobre a área internacional da Prefeitura de Salvador

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O IDeF entrevistou Soraya Pessino, mestra em interculturalidade, especialista em gestão pública e graduada em relações internacionais. Soraya possui 17 anos de experiência em diplomacia federativa e ensino acadêmico. Atualmente, ela atua como Gerente de Relações Internacionais da Prefeitura Municipal do Salvador e preside o Fórum Nacional de Secretários e Gestores de Relações Internacionais – FONARI.

IDeF – Na sua experiência de trabalho, enquanto Assessora Internacional da Prefeitura de Salvador desde 2013, quais foram os principais desafios enfrentados para a articulação da paradiplomacia soteropolitana? Houveram mudanças na forma como as práticas internacionais do município foram conduzidas até o momento atual?

De 2013 até agora foram diferentes os desafios que a área internacional enfrentou na cidade, mas vou tentar fazer uma retrospectiva. A princípio, em 2013 e 2014, o maior desafio foi o de apresentar para a prefeitura, falando internamente, a potencialidade de uma articulação internacional planejada e estrategicamente pensada. Quando eu entrei na Prefeitura de Salvador eu estava trabalhando na Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo, uma secretaria que tinha estratégias objetivas e também tratava dos eventos da cidade. O meu foco ficou muito ligado às questões de turismo, de eventos, de projeção cultural, da promoção internacional da cidade no aspecto da cultura e turismo e, também, trabalhando com atração de investimentos, captação de empresas para a cidade, então, foi um desafio  fazer com que esse olhar permanecesse mas que fosse também ampliado para outras áreas.

Foi depois de uma missão internacional que eu tive um contato mais próximo com o prefeito e com alguns outros secretários. No retorno, então, eu fui trabalhar no gabinete e, aí sim, o trabalho começou a ter uma dimensão mais transversal para a cidade. Eu posso dizer que o primeiro desafio que a área internacional enfrentou foi o de uma afirmação interna na gestão.

 Passado esse momento, os desafios já começaram a ter uma outra conotação, que era justamente poder trabalhar com diferentes áreas na cidade sem ter uma equipe grande ou recursos, uma vez que não é uma secretaria, é uma assessoria internacional. Foi um trabalho de adaptação tanto da cidade para a projeção internacional quanto da área internacional dentro daquela dimensão de trabalho, daquelas possibilidades de dimensionamento, porque a gente ampliou a quantidade de atividades, nós ampliamos o nosso trabalho, mas a gente não teve um aumento proporcional da equipe, então, a gente teve que trabalhar mais, se ajustar e realmente estabelecer prioridades. Esse foi um novo momento.

Depois veio o segundo mandato do prefeito ACM Neto em que eu trabalhei novamente na área de desenvolvimento econômico e urbanismo com foco na atração de investimentos, mas também trabalhando com tudo que havia antes, então foi meio que uma junção. Eu comecei por meio do desenvolvimento econômico, cheguei ao gabinete trabalhando com todas as áreas de uma forma mais transversal no município, voltei para a área de desenvolvimento econômico e continuei com as outras pautas anteriores, agora com um novo foco. 

Eu acho que o primeiro desafio, tentando resumir, foi realmente a apresentação da área internacional na gestão municipal, digamos assim. O crescimento do trabalho e depois, quando este começou a acontecer nas pautas, um ajuste interno da área internacional para conseguir trabalhar dentro daquela dinâmica mesmo sem um aumento significativo da equipe.

 Agora, na segunda gestão, foi uma materialização do que estávamos conseguindo desenvolver, digamos assim. Assim, o trabalho fluiu e obtivemos resultados bem interessantes. Eu acho que os desafios começaram dessa forma: sendo primeiro o de reestruturação interna e depois o de posicionamento internacional. A gente conseguiu esse ajuste interno sem um aumento proporcional de equipe naquele momento. Acho que foi isso, mas conseguimos ficar bem. 

Esses desafios são necessários para que a gente possa se adaptar, se ajustar e organizar os nossos pensamentos dentro da cidade. São inevitáveis, não tem como um grupo que atua na área internacional chegar com tudo pronto, tudo organizado. Eu sempre digo que a área de relações internacionais é uma área empreendedora e que a gente tem que, realmente, ter resiliência e se ajustar com o cenário.

Eu sempre digo que a área de relações internacionais é uma área empreendedora e que a gente tem que, realmente, ter resiliência e se ajustar com o cenário.

IDeF – Com o fim do segundo mandato do atual Prefeito de Salvador, o próximo ano marca um momento de transição de gestores. Este contexto pode impactar a continuidade de projetos e ações internacionais da cidade?

Realmente, isso é muito comum não só na área internacional mas na esfera da gestão pública das cidades, dos governos e do próprio Estado brasileiro. Quando se encerram os mandatos acaba ocorrendo o reinício dos processos, o que não é o caso da prefeitura de Salvador. O prefeito que está assumindo, Bruno Reis, foi o vice-prefeito da cidade durante a gestão anterior, do prefeito ACM Neto. Isso proporciona dois cenários: um em que não ocorrerão mudanças bruscas, evidentemente algumas coisas serão alteradas, mas haverá uma continuidade da gestão anterior; e outro em que em decorrência da grande aceitação da sociedade, que proporcionou a eleição de Bruno Reis com 64,2% dos votos durante o primeiro turno das Eleições 2020, há o indício de que a população está satisfeita com o formato da gestão anterior. Ainda é cedo para afirmar quais serão essas mudanças, mas em reunião com a vice-prefeita Ana Matos foi discutida a organização da pauta internacional. Foi ressaltado pela equipe gestora da cidade que a área internacional permanecerá ativa por conta da sua importância e do seu caráter estratégico para o município.

IDeF – A presença de setores internacionais nos municípios do Nordeste ainda é bastante difusa. Como você enxerga o espaço ocupado por Salvador nesta área em relação à região? Qual recomendação você poderia dar à gestores da região que buscam aderir a projetos de internacionalização?

Nós percebemos que o Nordeste ainda precisa de mais incentivo para as áreas internacionais. Só é importante deixar claro que não é que as cidades do Norte e Nordeste não possuam área internacional, a questão é que talvez elas não disponham de espaço de projeção, incentivo de trabalho e investimento. Então o que nós compreendemos é que existem áreas internacionais em todo o Brasil, mas que até por uma questão de tempo de atuação, as cidades do Sul e Sudeste possuem equipes maiores, mais recursos e até secretarias voltadas para as relações internacionais. Mas como eu sempre digo, a gente consegue se reinventar, ter resiliência e trabalhar com o que temos. Claro que poderia ser melhor, mas nós temos pessoas muito capacitadas e cidades muito atuantes no Norte e Nordeste.

Prosseguindo, em 2005, Salvador teve a iniciativa de trazer as áreas internacionais para um diálogo, para conhecer melhor o que as cidades estavam fazendo na área internacional e tentar trocar experiências. O que resultou na criação do FONARI, que atualmente é presidido pela cidade de Salvador e que proporcionou o diálogo e a troca de experiências entre as cidades do Brasil que possuem área internacional atuante. Então eu acredito que sim, Salvador possui um papel de protagonismo por apresentar essas iniciativas de coordenação.

Como eu disse anteriormente, a região precisa de mais incentivo. Hoje nós já temos pessoas, departamentos e instituições atuantes na área internacional, mas claro que podemos avançar. Principalmente no que diz respeito ao protagonismo feminino nessas áreas, que é um dos temas que venho discutindo dentro da academia e do FONARI. Então é importante que ocorra o fortalecimento do eixo Norte e Nordeste, com mais condições de protagonismo feminino, com igualdade e equidade de gênero. Então nós já temos essa atuação significativa e eu espero que Salvador continue sendo uma cidade que coordene e estimule esse intercâmbio entre as cidades brasileiras.

No tocante às recomendações, eu sugiro que as pessoas que estão atuando na área internacional e que queiram desenvolver projetos de internacionalização busquem por iniciativas que já estão sendo desenvolvidas no Brasil. Porque nós já temos casos de todas as áreas no território brasileiro, então nós podemos ver o que já foi feito e podemos aprender com os acertos e erros das outras cidades. E claro, fazendo as adaptações necessárias à realidade de cada município, porque o que deu certo em São Paulo pode não necessariamente dar certo em Salvador. Mas conhecendo o que São Paulo, Brasília, Recife etc. fazem, nós conseguimos trocar experiências, compreender o que pode ser mais fácil para o nosso município e até juntar esforços para determinadas iniciativas. Então o meu conselho é focar na articulação em rede, pois nós precisamos nos comunicar mais e esse é um dos meus esforços dentro no FONARI, para estimular essa comunicação e articulação entre as cidades brasileiras na área internacional.

IDeF – A pandemia de COVID-19 trouxe novas demandas à gestão das cidades para enfrentamento da crise. Como a área internacional de Salvador foi articulada neste sentido? Em sua visão, qual importância da prática internacional das cidades na gestão da pandemia?

Nós tivemos, sim, um novo cenário com a Covid-19, o mundo inteiro teve. E na área de Salvador – como eu já havia falado anteriormente sobre a importância da resiliência e do empreendedorismo, de criar e de trazer coisas novas diante da situação da pandemia – o primeiro pensamento que veio foi: a área internacional vai parar. Porque não tem mais voos, não tem mais como viajar, não tem mais como estabelecer nada para promoção internacional, o foco não seria mais atrair investidores, então vai parar. Mas foi uma respirada, acho, de três dias. De repente, o mundo começou a rodar de novo, na nossa percepção.

Nós entramos junto com o município num trabalho que foi, talvez, a época que eu mais trabalhei nos últimos anos. Porque era um trabalho que não acabava nunca, que não tinha horário e que tinha a justificativa, sempre, de que você poderia e deveria fazer mais. Então eu acho que foi um desafio, mas a área internacional esteve junto à cidade e foi muito bacana, porque foi uma oportunidade que nós tivemos também de mostrar como a área internacional pode contribuir para essa questão das crises humanitárias. 

Então, nesse momento, foi muito importante o papel da gerência de relações internacionais de Salvador, como foi de todas as áreas internacionais. A gente teve a oportunidade de discutir muito esse assunto nos nossos grupos de trabalho e todos os meus colegas estavam passando pela mesma situação. Primeiro, levantando e fazendo pesquisas do que estava acontecendo em outras cidades, porque a pandemia só chegou aqui depois de ter se alastrado em outras cidades na Europa. Então a gente conseguiu ver o que essas cidades estavam fazendo e produzir estudos e pesquisas sobre a época que tinha sido fechado o comércio, como tinha sido o procedimento de restrições, enfim, todo esse processo de como conduzir aquilo.

Depois, nós entramos num trabalho muito forte de captação de parcerias internacionais. Então, eu tive oportunidade de trabalhar junto à ONU para conseguir kits de cesta básica, kits de higiene, campanhas para redução da violência contra mulher em caso de isolamento, trabalhar com a questão das parcerias internacionais. Ao mesmo tempo, Salvador começou a ter um resultado muito positivo. Então, eu consegui promover Salvador internacionalmente por meio das boas práticas, e aí, Salvador começa a fazer parte de uma plataforma Internacional. Isso é muito positivo para a imagem da Prefeitura. Depois então, quando nós começamos a ter a redução dos casos, que meio que estabilizou, nós começamos a entrar na discussão também do que já tinha sido feito nas reaberturas dos comércios, das escolas, enfim… a gente começou a ver o que as outras cidades estavam fazendo. Nesse meio tempo, a gente também entrou na parte de negociação com relação a respiradores, à vacina, às pesquisas, contatos com as embaixadas e os Consulados. Então, a gente teve um trabalho intenso. Sempre falo que os colegas das áreas internacionais estavam incansáveis nesse momento. E para mim foi muito importante fazer parte da área Internacional de Salvador, tanto profissionalmente, que para mim foi um aprendizado, como também pessoal por me sentir útil diante de uma crise que afetou toda a humanidade.

IDeF – Pensando no contexto de pós-pandemia, como a Assessoria Internacional da Prefeitura de Salvador pode contribuir para a recuperação da cidade? Há alguma previsão de medidas que podem vir a ser tomadas? Quais?

Eu acho que no contexto pós pandemia, a gente vai poder contribuir principalmente nas boas práticas, conhecendo outras experiências, fomentando o desenvolvimento econômico local por meio de parcerias internacionais, projeção internacional da cidade. Nós temos aqui em Salvador um foco na área de serviços, então turismo é uma estrutura importante, mas por outro lado nós estamos investindo muito na economia criativa. Salvador faz parte de uma rede internacional de economia criativa da Unesco, é a única cidade no Brasil que se projetou internacionalmente por meio da música.

Assim, a gente tem, na economia criativa, a possibilidade de empreendedorismo local. Então, os desafios são grandes, mas eu acho que não posso dizer exatamente quais serão porque a gente ainda está enfrentando a pandemia. Aqui, ainda estamos na fase da restituição do que vai ser reaberto, mas lógico que eu acredito que, nos próximos meses, a gente vai ter um foco bem direcionado para a questão do estabelecimento da economia local e, com certeza, a área internacional vai trabalhar junto a essa gestão.

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