Formado em Direito e em Relações Internacionais, é diplomata de carreira do Serviço Exterior Brasileiro desde 2007. No exterior, serviu na missão do Brasil junto à Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, bem como na Embaixada do Brasil em Budapeste, como chefe do setor político. No Ministério das Relações Exteriores em Brasília, serviu na Secretaria de Planejamento Diplomático, na
Assessoria de Imprensa e no Gabinete do Ministro de Estado. Foi também titular da Secretaria de Articulação e Desenvolvimento Institucional (SADI) do Ministério da
Cultura e Secretário Parlamentar na Câmara dos Deputados, onde atuou como Chefe de Gabinete.
Na iniciativa privada, trabalhou na PricewaterhouseCoopers do Brasil e na Subsea7 do Brasil, em ambos os casos na área de consultoria tributária.
É Chefe da Coordenadoria-Geral de Relações Internacionais e Cooperação da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro desde fevereiro de 2021.
Entrevista realizada em 05/07/2021
IDeF – A Prefeitura do Rio de Janeiro tem realizado diversas ações internacionais para mitigar os efeitos da pandemia. Mais recentemente, vimos a campanha Rio Contra a Fome (da Secretaria Especial da Juventude Carioca – JUVRio), que conseguiu atrair a parceria da organização internacional Core (Community Organized Relief Effort). A questão da fome e da segurança alimentar no Brasil tem sido um dos reflexos danosos dessa pandemia. Você poderia nos falar um pouco sobre como foi iniciado o contato entre a prefeitura do Rio de Janeiro e a Organização Core e os efeitos dessa parceria?
Bom, para falar especificamente da ONG Core, eu preciso fazer uma breve retrospectiva e explicar um pouco como as relações internacionais da atual gestão vêm se estruturando. Costumo dizer, nas conversas que tenho com diversos interlocutores, que normalmente as áreas internacionais dos executivos – do municipal, do estadual e até mesmo o próprio federal – são ligadas aos gabinetes dos dirigentes máximos e normalmente atuam de maneira pouco sistemática, sobretudo para atender a demandas imediatas que surgem desses dirigentes, sejam prefeitos, governadores ou ministros. Na gestão atual, houve uma tentativa de inovação e de aprimoramento da gestão, produzida pelo atual prefeito, que funcionou da seguinte forma: atento à necessidade de que os temas internacionais passassem a ser incorporados ou que todas as áreas da prefeitura tivessem uma perspectiva internacional do ponto de vista estrutural, a Coordenadoria de Relações Internacionais, que é a área internacional da prefeitura, deixou de fazer parte do Gabinete do Prefeito e passou a fazer parte da Secretaria de Governo – que, no Rio de Janeiro, é a Secretaria de Governo e Integridade Pública. E o que a Secretaria de Governo faz? Ela justamente tem como objetivo principal, em quaisquer braços da administração pública, realizar a coordenação da implementação das políticas públicas tocadas por todas as áreas da prefeitura carioca. É ela quem conversa com as demais secretarias, as outras unidades – no caso da prefeitura, as fundações e empresas municipais. A Coordenadoria de Relações Internacionais passa a fazer parte desse esforço de coordenação, não só atendendo a demandas externas mais urgentes do prefeito, mas também buscando enxergar, na coordenação da política municipal, as perspectivas e as possibilidades internacionais em relação a essas políticas.
Então, desde o início do ano, a gente tem mantido conversas muito intensas com todas as secretarias e com as administrações direta e indireta da prefeitura, para estudar quais os projetos prioritários e saber como a gente se conecta com os nossos interlocutores internacionais.
Esse tem sido um trabalho bem dinâmico e bem complementar, porque a gente tem buscado através de determinado interlocutor atender a demandas de diversas secretarias, prospectando uma sinergia entre as políticas municipais.
E é nesse contexto que entra essa aproximação com a Core. Um aspecto muito importante desta parceria específica tem a ver com a possibilidade de atingir diversas secretarias e os diversos programas tocados por cada uma delas. A partir dessa abordagem, no contexto dos esforços de combate à Covid-19 e seus efeitos, a prefeitura lançou algumas campanhas de arrecadação de recursos, como a campanha Auxílio Carioca e a Rio Contra a Fome. Diante da situação da cidade, se organizando e se mobilizando, preparando sua estratégia de primeiro enfrentamento e depois retomada, nós levamos essas informações para os nossos interlocutores internacionais e, desde então, mantemos consultas e contatos frequentes. Aliás, essa foi uma missão que o prefeito nos atribuiu: restabelecer as pontes com os nossos interlocutores internacionais, sejam os consulados e as câmaras de comércio sediados no Rio ou as embaixadas e organismos internacionais sediados em Brasília, além das cidades das redes de cidades das quais fazemos parte. Então, nesses contatos nós levamos esse pacote de demandas internas relacionados ao enfrentamento à Covid-19.
Mantivemos contato com diversas instituições e indicamos que havia interesse em receber apoio de parceiros internacionais, governamentais e não-governamentais, no enfrentamento à Covid-19. E foi em uma dessas conversas que nós fomos alertados ao fato de que a Core estava finalizando sua atuação nos Estados Unidos durante a campanha de vacinação. A Core é uma instituição com conhecimento internacional renomado, que surgiu sobretudo na atuação dos terremotos no Haiti, portanto tinha já uma atuação de ajuda humanitária consolidada. Durante esse desafio de vacinação nos EUA, ela passou a atuar internamente, de maneira muito robusta, auxiliando governos locais americanos em campanhas de vacinação. Então, como nos EUA a campanha avançou muito mais rapidamente que no Brasil, eles observaram que podiam estender para outros lugares a expertise que acumularam internamente. E essa análise da Core aconteceu justamente quando o Brasil enfrentava a segunda onda da pandemia, que afetou desproporcionalmente lugares como o Rio de Janeiro, coincidentemente no início da nova gestão, enquanto retomávamos o contato com interlocutores internacionais. Foi aí que nós apresentamos esse pleito, de que a Core viesse ao Rio para nos ajudar com a criação de macropolos de vacinação e testagem em massa da população.
No fim das contas, tudo teve como ponto de partida a nossa reestruturação interna. Nós percebemos que poderíamos buscar esse apoio internacional para ajudar especificamente a Secretaria de Saúde, ou seja, que as relações internacionais poderiam atuar para potencializar o trabalho desta Secretaria.
Na sequência, com a consolidação da campanha Rio Contra a Fome, tocada pela Secretaria da Juventude, foi possível uma vez mais contar com o apoio da Core para potencializar a logística que envolve uma ação de recolhimento de alimentos e envio a comunidades em situação de vulnerabilidade. Nos dois casos, tanto no da Saúde quanto no da Juventude, a parceria com a Core se deu por meio de um Acordo de Cooperação Técnica.
IDeF – Em relação ao problema da pobreza e da fome, sabemos que além de serem questões que impactam vidas, também geram consequências para o desenvolvimento local (provocando deslocamentos, violência, impactos ambientais e sociais, entre outros). Como a Coordenadoria de Relações Internacionais e Cooperação do Rio de Janeiro tem encarado esse problema e auxiliado o governo local nessa questão?
A abordagem é exatamente a mesma que a gente teve em relação à saúde. O Rio lançou três campanhas ou três projetos específicos voltados para atender ou para fazer face aos desafios trazidos pela Covid-19. Um dos projetos lançados pelo Rio de Janeiro foi o Auxílio Carioca, que é uma espécie de auxílio emergencial, mas numa escala menor e com um valor menos robusto que o oferecido pelo Governo Federal. Ele tem o objetivo de se contrapor aos desafios representados, sobretudo pela fome, nesse momento que a gente está atravessando. Além do Auxílio Carioca, voltado para a população, a prefeitura preparou um pacote direcionado para o setor produtivo, que é o Auxílio Empresa Carioca – também não tão robusto quanto o oferecido pelo Governo Federal, mas dentro das possibilidades e de escala do município do Rio. O Auxílio Empresa Carioca, com um recorte muito interessante, é voltado sobretudo para pequenos empreendedores e ambulantes do Rio de Janeiro. E além desses dois programas, a prefeitura também, como eu já mencionei na primeira pergunta, se organizou para a campanha de coleta de alimentos durante a vacinação, a Rio Contra a Fome, coordenada pela Secretaria da Juventude. O Rio Auxílio Carioca é administrado pela Secretaria de Fazenda e Planejamento, e o Rio Empresa Carioca é da SMDEIS, que é nossa Secretaria de Desenvolvimento. Então são três secretarias diferentes que, durante a pandemia, se organizaram para fazer frente aos problemas de pobreza e fome que se acentuaram durante a Covid.
E qual foi a atuação das relações internacionais diante desses três programas? A gente apresentou esses programas internacionalmente e buscou auxílio. Para esses dois primeiros que eu mencionei, o Auxílio Carioca e o Auxílio Empresa Carioca, o governo municipal abriu a possibilidade de as pessoas doarem para a prefeitura, e ela repassar esses recursos para a ponta. Houve uma parcela substantiva dos recursos sendo arcada com o orçamento da própria prefeitura, mas se abriu a possibilidade para que houvesse doações canalizadas para esses recursos e nós estendemos essa possibilidade para doações internacionais. Nós acionamos nossos interlocutores, os consulados, e embaixadas, para que pudessem considerar doações também para esses dois programas. Então em um movimento, a gente atendeu esses dois programas, tentando dinamizar e potencializar uma política da Secretaria da Fazenda e uma política da Secretaria de Desenvolvimento. Paralelamente a isso, nós buscamos, junto à Core, para que o auxílio inicialmente voltado para vacinação e testagem buscasse também ajudar na campanha de coleta de alimentos da Secretaria de Juventude, a JuvRio. A Core tem ajudado também na parte de logística, que foi um pedido feito pela Secretaria de Juventude, pois houve uma resposta muito positiva da população em relação à campanha. Mas surgiram desafios de fazer com que as alimentos chegassem até a ponta – até as pessoas mais necessitadas – e a Core tem nos ajudado a fazer com que esses alimentos cheguem até a ponta, oferecendo uma logística para ajudar de maneira indireta –, porque eles não estão dando o alimento, mas estão fazendo com que o alimento chegue até a ponta, que era uma demanda muito importante da Secretaria de Juventude.
Então as RI ajudaram a potencializar essas três áreas, essas três secretarias a tentar combater o problema da pobreza e da fome nesses programas que eu apresentei agora.
IDeF – No campo das relações internacionais nós presenciamos a importância da cooperação nos mais diversos níveis e setores, envolvendo parcerias privadas, intergovernamentais e também ONGs transnacionais. Diante do atual cenário que vivemos, ainda impactados por essa pandemia que trouxe diversos limites e retrocessos no desenvolvimento local, que iniciativas e que tipos de parcerias internacionais têm sido mais relevantes, especialmente para a retomada do crescimento?
Olha, na verdade existem diversas parcerias que têm sido importantes nesse processo de retomada. O grande ativo que nós temos buscado cultivar nesse processo de retomada e crescimento é a abertura, que foi algo negligenciado nos últimos anos. Então a gente tem essa percepção de que é importante manter as portas abertas em busca de oportunidades de cooperação, de recebimento e compartilhamento de boas práticas internacionais, assim como atualizar e divulgar as nossas políticas e receber críticas, sejam elas quais forem, do que vem sendo implementado na cidade. A cidade atravessou um momento de crise não só por uma questão conjuntural: além de um problema sistêmico, nós tivemos esse isolamento do Rio de Janeiro, que é uma cidade com tradicional vocação global – sempre foi porta de entrada de novas oportunidades, de novas ideias, e sempre foi um catalisador para o Brasil inteiro de tendências internacionais, e também atuando como um trampolim para o exterior, a partir do que acontecia no Brasil inteiro. O mundo vê o Brasil pelos olhos do Rio de Janeiro. Isso foi negligenciado nos últimos anos. Então o fato de a gente estar aberto ao mundo novamente é o ativo mais importante que a gente tem hoje em dia para o processo de retomada e de crescimento.
É claro que o contato com organizações não-governamentais e o contato mais presente nas redes de cidades é algo importantíssimo nesse sentido. A aproximação com o “Ecossistema ONU”, em particular a Unesco, a Unicef e o ONU-Habitat, tem sido fundamental para a gente potencializar as nossas políticas públicas municipais, assim como a interlocução com outras cidades e sub-redes de cidades, para que possamos calibrar as nossas políticas. Um exemplo particular se relaciona à estratégia de resiliência, que estamos buscando atualizar com apoio internacional. Além disso, a gente recentemente lançou o plano de desenvolvimento sustentável – o nosso PDS, alinhando as políticas do Planejamento Estratégico da prefeitura com as diretrizes internacionais do desenvolvimento sustentável.
Há várias iniciativas que estão sendo retomadas, que são iniciativas que podem ajudar a promover o crescimento da cidade. A gente está se reconectando e refazendo essas pontes, acho que isso é o mais importante para a gente nesse momento de pós-pandemia.
IDeF – Por fim, como Coordenador Geral de Relações Internacionais de uma das maiores e mais relevantes cidades brasileiras, o que você diria para os gestores de relações internacionais das outras cidades brasileiras que estão buscando soluções para promover o desenvolvimento local?
Eu na verdade não sei se dar algum tipo de orientação seria muito pretensioso da minha parte, mas eu diria que uma coisa que tem sido muito legal no nosso trabalho atual tem sido pensar fora da caixa, de verdade. O mundo mudou, o momento pós-pandemia é um momento com novas reflexões que a gente não imaginava ter neste momento da história. Quem imaginaria que há dois, três anos o mundo enfrentaria uma crise sanitária semelhante à ocorrida há quase um século? Ninguém imaginava isso. Há, de fato, um processo de novas reflexões sobre como a gente quer estar no mundo, primeiro como o mundo será depois que houver uma normalização – se é que haverá uma normalização.
Inclusive, nós estamos fazendo uma reunião agora virtual que talvez não fosse pensada. Por mais simples que pareça esse nosso contato agora, talvez ele não fosse pensado há dois anos, ainda que nós tivéssemos tecnologia para fazer isso. A gente foi meio que empurrado pelas circunstâncias a pensar diferente. A sugestão que eu dou para os outros gestores de relações internacionais é que não esperem só esse empurrão, que de fato ousem e pensem fora da caixa, mas mais importante do que isso, entendam que a diversidade é algo muito produtivo e traz muitos benefícios. Ter ideias diferentes e testar ideias diferentes é algo que nos provoca e sempre traz bons resultados, seja porque se conseguiu atingir aquele determinado objetivo ou porque não se conseguiu e se aprendeu que daquela maneira não funciona e que outra solução deve ser buscada.
Então pensar fora da caixa é a solução que eu dou e, além disso, jamais deixar de negligenciar as experiências de outras cidades, que é um pouco do que vocês fazem, buscar experiências de outras cidades no Brasil, buscar exemplos.
A gente fez isso internamente e tem buscado isso externamente, ver como podemos colaborar com outras cidades, como é possível pensar fora da caixa, se unir com outras cidades brasileiras e buscar essa interlocução, essa aproximação com interlocutores internacionais de maneiras diversas. O Brasil é o Governo Federal, os estados, as cidades. E não tem nenhum problema nisso, tudo é complementar, as coisas funcionam de maneira complementar e trazem bons resultados sempre, seja pelo aprendizado, seja porque a gente conseguiu atingir o objetivo, seja porque a gente aprendeu que tem um desafio ali que precisa ser vencido.