Alejando Lastra, cônsul-Geral da Argentina, fala sobre atuação no Nordeste

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Alejandro Funes Lastra

Sou Alejandro Funes Lastra, estou como Cônsul Geral da Argentina no Recife. O consulado tem uma jurisdição no Nordeste brasileiro, com exceção da Bahia e Sergipe. Trabalhamos em dois grandes eixos: o consular, que tem o compromisso com os cidadãos argentinos que moram ou que transitam, seja pelo turismo ou por trabalho no Brasil, e tudo que seja vinculado à promoção comercial. Essa segunda está vinculada à embaixada em Brasília e tem grande importância, visto que o Brasil é o país mais relevante para a Argentina no Mercosul e o parceiro comercial mais importante depois dos EUA. Então o Brasil, em nossa política exterior, é um parceiro muito representativo. Por suposto, dependendo do governo, podemos ter um relacionamento mais ou menos estreito, isso para ambos.

Sabemos que a atuação do Consulado-Geral da Argentina em Recife está focada na região Nordeste do Brasil. Por que o interesse em estabelecer uma unidade diplomática voltada especificamente para a região Nordeste (tão distante da fronteira com a Argentina)? 

Vou dar exemplos: primeiro, a região do Nordeste brasileiro é um local que tem quase 60 milhões de pessoas e se comparamos com a Argentina, que tem 43 milhões de habitantes, você tem a dimensão incrível que tem o Nordeste, é um mercado IMPORTANTÍSSIMO. Por outro lado, o turismo argentino no Nordeste, temos as praias que antes da pandemia tiveram cerca de 110 mil argentinos fazendo viagens pelo litoral atlântico durante todo o ano. São 110 mil e sabemos que o turismo estrangeiro no litoral nordestino é um dos mais importantes para o Brasil, além do sul.

Para nossa política exterior, o Brasil é muito importante, dimensão disso é que em nenhum país do mundo a Argentina possui 10 consulados

No Brasil, a Argentina tem 10 consulados, também contando com a seção consular da embaixada, como a sessão política, econômica, cultural e defesa – geralmente temos agregados o naval e militar com o exército para estreitar as relações com os militares brasileiros. Então para nós, para nossa política exterior, o Brasil é muito importante, dimensão disso é que em nenhum país do mundo a Argentina possui 10 consulados.

Você me pergunta por que é importante o Nordeste? Bom, primeiro porque abarca quase 2 mil km de litoral marítimo, tem 9 capitais muito importantes – 7 sob nossa jurisdição. Desde que cheguei no consulado, em abril de 2018, nós constituímos 6 câmaras comerciais argentinas brasileiras com os estados do Nordeste. O único que ainda não estabelecemos uma relação foi o estado do Piauí. Com o Maranhão estabelecemos um contato antes da pandemia, verificamos os interesses e as demandas que poderiam dar uma ideia concreta para estabelecer a câmara. No entanto, mesmo com tudo isso formado, a pandemia congelou nossas tratativas. Após a pandemia, caso fique aqui como cônsul, retornarei para concretizar as ações, pois o Maranhão é um grande comprador de commodities, como trigo, farinha e cereais.  E, você sabe, o Maranhão tem um planejamento de rodovia e ferrovia que o ligará ao norte do Brasil, formando um corredor muito importante. Para nós esse corredor é de grande importância também.

No dia 1º de março deste ano, foi assinado o memorando de cooperação entre a Tecon-Suape (Administradora do Porto de Suape em Pernambuco) e a Agência Argentina de Investimento e Comércio Internacional e, no dia 30 de junho, Vossa Senhoria também esteve na Companhia Docas do Ceará para estreitar laços e tratar de transações com o Porto de Fortaleza. Qual o interesse do Consulado nesses dois portos da região Nordeste e de quem partiu a iniciativa de realizar essas parcerias?

Bom, nós estabelecemos um memorando de cooperação com o porto de Suape, a única operadora do porto é a Tecon, um grupo filipino que também possui o porto Tecon-Plata na Argentina, localizado na província de Buenos Aires. Para nós, é importante colocarmos o nordeste brasileiro no radar de produtores e exportadores argentinos. Pois quando é mencionado o Brasil, logo pensam em São Paulo, Porto Alegre e o sul ou sudeste.

Então, se considerarmos que o Nordeste tem quase 60 milhões de habitantes e tomamos dessa população a estimativa de que 45 milhões têm a capacidade de consumir, é mais do que a população Argentina. O fluxo comercial Argentina/Brasil é majoritariamente feito no sul e a mais de 30 anos que essa vinculação comercial é muito forte. Vindo para o Nordeste percebi que há uma cultura de fazer negócios que não incorpora as capacidades instaladas, como o próprio porto de Suape e o de Fortaleza – para mencionar os dois que você trouxe – que é muito importante para nós, onde vendemos muito trigo para o Ceará.

As diferenças cooperativas no comércio internacional são logísticas, e o Brasil, que é um país continental, tem um território enorme e tem muitos problemas e questões logísticas que encarecem os produtos para os importadores daqui. Detectei isso quando cheguei aqui. É uma questão no sentido de que se faz negócio com produtos internacionais da mesma forma como faziam a 50 anos, ou seja, os grandes importadores estão no sul do país e possuem muitos investimentos para comprar grandes volumes, e não só da Argentina, mas de todo o mundo, e geralmente distribuem para o resto do país. É um problema de distorção comercial. Vou usar um exemplo: você toma uma garrafa de vinho da argentina e na prateleira em São Paulo ela custa R$130,00 mas aqui, no nordeste, ela vai custar R$150,00, o consumidor nordestino paga mais caro, porque o importador brasileiro desse vinho assina uma carta de exclusividade e apenas ele distribui esse produto, ou seja, a logística encarece esse vinho. Às vezes outras bodegas, seguindo no exemplo do vinho, não assinam essa exclusividade, mas os grandes importadores contratam distribuidoras no nordeste e no centro-oeste para trazer essa garrafa até aqui, não utilizando os portos, a malha fluvial ou os benefícios fiscais que cada estado oferece. E assim permanece o paradigma do sul do Brasil, tudo fica centralizado lá.

Para nós, que somos vendedores e exportadores dentro desse contexto que estamos falando, também é distorcido, porque se eu sou exportador e eu já tenho uma relação com o senhor, para mim é mais difícil conseguir alguém que possa distribuir meu produto. Então, se estamos no nordeste e temos que fazer toda a logística de mercado, como marketing do produto e todo o relacionamento comercial, é difícil de começar a trabalhar. Por isso temos que dar incentivos que propriamente cada estado do NE tem, o ICMS de Pernambuco, por exemplo, é o melhor benefício do litoral brasileiro. Temos que enfatizar ao exportador argentino, reduzindo uma taxa, reduzindo custos para eles e para quem está importando, além do benefício fiscal que é importante uma tabela diferenciada.

Por isso temos que dar incentivos que propriamente cada estado do NE“.

Juntamente à embaixada, estamos desenvolvendo um programa de redução de custos logísticos com os importadores e com aquelas áreas que algumas empresas têm de comércio internacional. Devemos incrementar o fluxo comercial, a ideia de ir desmistificando o paradigma do sul do brasil. É uma mudança de mentalidade. É um trabalho a médio prazo, coisa de 1 ou 2 anos. Agora estamos por assinar um acordo com a EMPETUR (Empresa de Turismo de Pernambuco), que nos cedeu um espaço de 130m2 no centro de convenções de Pernambuco para estabelecer um showroom. Vai ter, durante todo o ano, um lugar para fazer negócios. Por exemplo: somos pernambucanos e temos clientes atacadistas e varejistas que têm cadeias no interior do Brasil e nós fazemos uma parceria e consolidamos um local de vários produtos que não são daqui e trazemos para cá, trabalhamos o mercado, nacionalizamos o produto e expomos no showroom. Você convida potenciais clientes e os apresenta. É um relacionamento virtuoso, ao passo que incrementamos o fluxo comercial e aqui os consumidores vão aproveitando a melhor qualidade de alimentação de certo produto por um preço melhor. 

O contexto de pandemia que vivemos tem gerado restrições econômicas e provocado vulnerabilidades sociais em diversos países. De que forma esses acordos internacionais firmados com governos estaduais ou governos locais podem amenizar esses impactos e beneficiar o desenvolvimento dessas localidades?

A esquerda, Alejandro Lastra e a direita o representante da área Nordeste do IDeF, Perlyson Alves.

Nós, que somos setor público, estamos fazendo as coisas para que esse caminho possa ser facilitado, no entanto também devem participar os setores privados.

A partir do homem de negócios, e aqui não estou falando apenas do importador, mas de outros setores, deve se iniciar o desejo de sair do ciclo de trazer do sul e começar a buscar, dizer-me “olha Alejandro, tenho interesse nesse produto e posso colocá-lo no mercado”. Nesses casos, eu mesmo posso me encarregar de todo o serviço. E no fim, a longo prazo, vai se notar que há muita diferença de comprar esse mesmo produto no sul. Terão mais incentivos, menos impostos a pagar, uma logística mais barata, tabela de preços competitiva, um transporte marítimo e uma negociação direta com o exportador. Enfim todo o serviço que você vai ofertar, que não sei como importar, por exemplo, é tudo uma mudança e uma troca cultural de se fazer negócio. Não é só assinar um MOC (Memorando de Cooperação) com o porto de Suape ou um MOC com outro porto, é também você ir mudando a cultura, que é geracional (de pai pra filho) que estão fazendo negócio no sul a 30 anos.

Tem mais um exemplo: supomos que existem 6 lojas de um determinado veículo em PE, dessas, apenas 5 vendem novos e outra seminovos e novos. Nos perguntamos, quantos carros novos elas vendem? Vamos estimar que mais ou menos uns 500 carros. Eu lhe pergunto que demanda tem que satisfaça o mercado desses carros novos em PE? Como eles trazem? A sua fabricante está no sul, tudo vem pela rodovia com a cegonha, que comporta entre 10 e 12 carros. Ou seja, você precisa de quase 50 cegonhas por mês para satisfazer a demanda do mercado desse carro em PE. 50 cegonhas, que demoram para percorrer essa distância, saindo do sul até chegar em Pernambuco, pelo menos 7 dias. Então se fazemos essa análise, não tem sentido, compreende? Além das contaminações ambientais, do seguro, motorista, caminhão, combustível e tempo que são gastos para que 50 cegonhas por mês venham apenas em Pernambuco, para essa revendedora. Quando temos em menos de 120 km um porto impressionante.

Lembro-me da greve dos caminhoneiros em 2018, em que quase 20 dias o Brasil ficou parado. Os empresários ficaram atentos, pois perderam dinheiro. Você perde, você acorda. Lembraram que havia um porto e que poderiam utilizá-lo. Menos contaminação ambiental e menos custo logístico, e grande volume. A fotografia que um estrangeiro vê é que a dimensão continental de um país como o Brasil  exige uma estrutura logística, e isso é parte de uma cadeia de considerações comerciais e econômicas muito importante. Qualquer coisa que fazemos, temos que pensar na logística.

Com relação à Paraíba, sua visita a João Pessoa significa, sem dúvidas, uma aproximação maior entre o governo local e a Argentina. Há planos de cooperação com o estado em algum segmento? 

Se tratando de cooperação bilateral, não temos, principalmente durante essa pandemia. Sabemos que geralmente para termos cooperação, ambos os lados têm que estar interessados e que as duas partes se ajudem. Por exemplo, vocês possuem uma parte do Vale do São Francisco e poderia fazer parte da cooperação com o estado da Paraíba, em que estaria precisando de um técnico em peras ou maçãs, que são frutas incomuns aqui no Brasil, mas muito cultivadas na Argentina. Poderá assim, vir um técnico de lá para cá e nós poderíamos precisar de um técnico especialista em manga, apenas como um exemplo, ou algum especialista climatológico que estudaria quais as condições ideais para produzir tal fruta ou tal coisa que o vale do São Francisco está implementando agora. Nós temos bastante pericia, nas províncias andinas, na produção de vinícolas, tudo isso poderia ser um intercâmbio, no entanto, por hora, não temos nada.

Vim hoje a Paraíba, pois todos os anos venho para uma reunião, como disse no início, estabelecemos uma câmara de comércio argentina paraibana com a federação de comércio da Paraíba e estamos no processo de fazer um CNPJ para essa câmara e interessa a gente que está no comércio internacional para poder providenciar produtos argentinos. Ao mesmo tempo, estou convencido de que o comércio internacional tem que ser uma via de mão dupla, não podemos só importar ou exportar, temos que fazer os dois. Em 2019, o Nordeste, salvo a Bahia e Sergipe, que não estão na minha alçada, comprou do mundo um volume muito grande de produtos e a participação da Argentina nisso é de 5%. Se nós fizermos um match desses produtos com nossa oferta, é quase completa, então como pode ser que a participação da argentina no mercado nordestino seja tão fraca? Aí é um problema de informação, proximidade. Temos um espaço que tem que aperfeiçoar. 

Para finalizar, pensando particularmente no nível subnacional, se um governador ou prefeito de uma cidade brasileira quiser estabelecer parcerias com a Argentina que caminhos ele precisa percorrer? 

Existem organismos já no MERCOSUL, de diferentes complexidades e áreas de intercâmbio de cooperação que já estão na comissão do bloco. E, depois, pode ser um interesse unilateral ou bilateral, mas não dentro desse organismo. Por exemplo, o estado da Paraíba – governador ou alguma área identifica uma área que quer ser mais trabalhada e precisa de um técnico especializado, como no exemplo anterior, nesse caso precisa da embaixada ou do consulado e fazer uma orientação do instituto provincial ou nacional, mas descentralizado. Que tem uma dimensão nacional, mas que burocraticamente são descentralizados, como o CONICET (Consejo Nacicional de Investigaciones Científicas y Técnicas), que é um organismo que concentra um conhecimento científico em diversas áreas.

Agora, nosso consulado é pequeno, temos uma equipe de dois diplomatas e um funcionário administrativo, e temos uma grande área e para cobrir o NE inteiro é complicado. E, para resolver alguma questão é preciso tomar um avião ou ficar horas na estrada, pois o nordeste brasileiro é realmente muito grande e algumas estradas não estão em condições ideais. Enfim, toda essa complexidade na cooperação tem um potencial enorme, mas o consulado não consegue absorver e estar ativamente participando devido aos nossos recursos humanos.

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