Comitê científico da 1º Semana de Paradiplomacia do Munícipio de São Paulo falam sobre resultados e perspectivas para próximas edições do evento

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Professor, Eliseu Gabriel é físico formado pela USP (Universidade de São Paulo). É autor, administrador público e presidente municipal do PSB (Partido Socialista Brasileiro) e membro da Executiva Nacional do partido. Está em seu sexto mandato como vereador da Cidade de São Paulo. Reeleito em 2020 para o sexto mandato (2021-2024), atualmente, Eliseu Gabriel é o presidente da Comissão de Educação, Cultura e Esportes da Câmara Municipal de São Paulo.


Marcos Antônio Fávaro  Martins  é  professor,  formado  em geografia  pela Universidade  Estadual  de  Londrina e mestre e doutor  em integração  da América  Latina  pela Universidade  de São Paulo.  É  professor  do curso  de Relações  Internacionais  da Universidade  Paulista  e professor  colaborador  externo do curso  de Geografia  da Universidade  Estadual  de Londrina. Atualmente, também é assessor  parlamentar  na câmara  municipal  de São  Paulo


Gandhi Allasio é aluno do curso de graduação em Relações Internacionais da Universidade Paulista. Possui curso de Gestão com foco na administração pública no Instituto Legislativo Brasileiro do Senado Federal, e Marketing político nas redes sociais na Fundação Cásper Líbero. Hoje é diretor de comunicação da JSB – São Paulo/SP e estagiário de gabinete do Vereador Eliseu Gabriel


A paradiplomacia, ou a atuação internacional descentralizada de cidades e estados, vem ganhando cada vez mais destaque no cenário político brasileiro. Essa prática, apesar de relativamente nova, vem se tornando uma ferramenta muito útil para que os governos estaduais e municipais atuem no cenário internacional, principalmente em uma era onde a política externa brasileira anda tão fragmentada. Pensando na importância da disseminação e produção de conteúdo sobre o tema nas universidades, o gabinete do vereador Eliseu Gabriel institucionalizou e oficializou a “Semana Municipal de Paradiplomacia”, que aconteceu entre os dias 23 e 27 de agosto deste ano, tendo como tema “A paradiplomacia no desenvolvimento dos municípios brasileiros: assimilando experiências”. Regido por lei municipal, o evento está previsto para ter edições anuais, com o objetivo de unir a área acadêmica ao poder público para discutir o desenvolvimento da paradiplomacia em São Paulo e no Brasil como um todo. O principal objetivo do evento foi reunir profissionais e estudiosos da área para a produção de conhecimento científico para o poder público, como ferramenta para otimização dos processos de internacionalização e atração de investimentos para o desenvolvimento. A programação contou com a participação de diversos especialistas nesse campo temático, assim como foi ofertado para os participantes a possibilidade de participarem de mesas redondas e minicursos sobre a internacionalização de cidades e a política externa brasileira.

Para entender melhor sobre o planejamento e a dinâmica utilizada para organização do evento, o IDeF entrevistou o Comitê Científico da 1º Semana de Paradiplomacia do Município de São Paulo.

Entre os dias 23 e 27 de agosto ocorreu a 1ª Semana de Paradiplomacia do Município de São Paulo. O evento teve início esse ano mas foi institucionalizado por meio de lei municipal de iniciativa do vereador Eliseu Gabriel. Por que essa preocupação com a institucionalização de um evento sobre paradiplomacia e como surgiu essa ideia? 

[Eliseu] Primeiramente, devo dizer que a Paradiplomacia é uma atividade essencial nos dias de hoje, das várias cidades e dos vários estados. Não é possível você achar que o mercado, que a iniciativa privada isoladamente pode tomar iniciativas mais substantivas, mais importantes, nessa relação. Então, a paradiplomacia precisa de uma interação com o poder público. Nos casos das cidades, com o poder público local e, nos casos dos estados, com o governo estadual. Existe uma série de atividades internacionais que não passam mais por um consulado, ou por uma embaixada, que são só órgãos em nível nacional. Então, quem é que pode ter a coordenação de uma relação internacional da atividade de paradiplomacia? O poder público.

Então, a paradiplomacia precisa de uma interação com o poder público. Nos casos das cidades, com o poder público local e, nos casos dos estados, com o governo estadual

Nesse sentido, as prefeituras, principalmente, têm essa missão – e às vezes nem percebem -, então São Paulo tem, por exemplo, a Secretaria de Relações Internacionais do município de São Paulo. Logo, é muito importante que, por exemplo, na Paraíba, no Ceará, em Pernambuco, suas capitais e mesmo nas cidades do interior, criem instituições e organismos – uma secretaria, ou um departamento – de relações internacionais.  Justamente, para poder coordenar, em nível local, esse relacionamento. Pois é assim que tem que ser. Se você for esperar que uma empresa vá fazer um relacionamento internacional, temos uma confusão. Por exemplo, amanhã, a empresa X quer fazer um evento em São Paulo com a Itália, no mesmo dia vem outra empresa e faz, ou seja, é uma confusão. Além do que, a cidade tem autonomia, no Brasil as cidades são entidades autônomas da federação. Portanto, os municípios precisam ser protagonistas desse relacionamento. E existem uma quantidade enorme de pessoas capacitadas para isso. Temos cursos de Relações Internacionais aqui em São Paulo e em outras cidades, que são extremamente importantes e extremamente modernos, ou seja, estão muito antenados com o momento que nós vivemos de uma globalização acelerada. Trata-se de mostrar a importância do protagonismo das prefeituras, dos governos do estado, principalmente das prefeituras, nessa questão das relações internacionais. Daí, nós fizemos essa lei que criou a Semana Municipal da Paradiplomacia, aqui na cidade de São Paulo, e nós fizemos essa semana de atividades que foi extremamente rica. Pessoas do Nordeste participaram, pessoas de vários lugares do Brasil participaram.

[Marcos] O fato da semana ser institucionalizada é muito importante, porque vai ser um exercício perene do nosso munícipio e um aceno que São Paulo dá para os demais municípios e estados brasileiros para apontar para a importância da paradiplomacia e da institucionalização dessa prática na forma de secretarias, por exemplo. Então, é uma iniciativa desenvolvimentista. O evento mostra para a comunidade de municípios do Brasil que a paradiplomacia é importante e necessária.

[Gandhi] Eu gostaria de complementar, dizer que a paradiplomacia enquanto ação, enquanto atividade, ela ainda é muito inicial no Brasil. A gente quer promover esse debate para que as pessoas entendam como a paradiplomacia é importante para o desenvolvimento econômico das localidades, assim como para a sustentabilidade, etc. É óbvio que a ação dessas localidades não pode, muitas vezes, ser contrária à ação da diplomacia central. Ainda assim, as localidades possuem muitas liberdades e que elas devem fazer uso disso em benefício próprio nas relações internacionais. Por essa razão, nós consideramos muito importante a institucionalização da semana de paradiplomacia aqui em São Paulo.

Durante o evento, quais foram os principais destaques positivos acerca da paradiplomacia e também as principais dificuldades relatadas nessa área? 

[Marcos] Bom, um ponto importante que responde a sua pergunta é a atividade dos GTs. O GT (Grupo de Trabalho) tem uma importância vital para qualquer evento, o nome já diz ‘grupo de trabalho’, que é quando a gente sente o que a comunidade está pensando a respeito do problema. Então, foi mais ou menos universal entre os participantes, a demanda por mais institucionalização e por mais espaço de atuação profissional do formando em Relações Internacionais, isso foi uma demanda coletiva, digamos assim, e que apareceu também durante as palestras. Eu não apontaria isso exatamente como uma necessidade, mas como um desafio. Antes de realizar o evento, nós fizemos um levantamento sobre o número de secretarias de relações internacionais no Brasil, e nós ficamos assustados com o pequeno número encontrado. Geralmente, mesmo governos de estados importantes, como é o caso do Paraná, extinguiram as suas secretarias e trabalham apenas com assessorias. Então acredito que esse foi o principal diagnóstico. Quanto às contribuições, nós conseguimos fazer um mapa dos grandes temas. Sustentabilidade, de longe, foi o principal tema…

[Gandhi] Tanto é que tivemos apoio do ICLEI (Local Governments for Sustainability), né?

[Marcos] Isso, do ICLEI. Eu acho que isso seria outro ponto importante, pois nos deixou muito feliz. O interesse de outras instituições, inclusive o interesse de outras prefeituras, pelo nosso evento. Quer dizer que nós não estamos sozinhos nessa iniciativa, e isso foi bastante interessante.

[Gandhi] Eu gostaria de complementar. Quando nós estávamos pesquisando sobre as secretarias de relações internacionais, antes do evento, até para poder convidá-las, a gente percebeu que houve – foi um trabalho muito difícil, tivemos que pesquisar muito – uma diminuição das secretarias de relações internacionais tanto no nível estadual, como no nível municipal, de 2012 para cá. 2012, 2013 e principalmente 2014, pois já sabemos que ano de eleição muda muita coisa. 

Então percebemos que houve uma diminuição no número das secretarias, e nós conversamos sobre o porquê. Será que as pessoas estavam se interessando menos por relações internacionais? Não. Nós pesquisamos até matérias da época, em jornais, e concluímos que houve uma certa pressão de alguns setores como a imprensa e parte da sociedade para cortar custos da administração pública. Logo, isso indica que as relações internacionais e a paradiplomacia não foram e ainda não são prioridade na maioria dos governos estaduais e municipais do Brasil. Eles ainda não reconhecem essa importância. Aí cortam como secretaria, e geralmente se cria algo menor dentro de outra secretaria, por exemplo, Casa Civil costuma abrigar bastante esse tipo de assessoria, outros ficam no turismo, aí já é um recorte maior ainda da paradiplomacia. Enfim, acho que esse era um ponto importante para citar.

[Marcos] Eu gostaria de complementar o que o Gandhi falou, isso daí [cortar custos] é um sintoma da visão que se implantou na administração pública brasileira perto dos anos 90, que tudo é contenção de gastos.

[Eliseu] Pois é, esse é o grande equívoco que o Brasil vive hoje, esse equívoco de cortar gastos. Não é só porque a paradiplomacia é menos importante, para eles tudo é menos importante. Até da educação corta verba. Educação, saúde, assistência social, manutenção de hospitais, etc. É impressionante o que está acontecendo. Colocaram na cabeça que precisa reduzir o Estado ao mínimo. Essa ideia de Estado mínimo, que fez o brasileiro achar que a administração pública é o problema. É exatamente ao contrário. O investimento tanto em educação, saúde, como na própria paradiplomacia é um insumo para o desenvolvimento do país, é um insumo para o desenvolvimento da economia, e não um gasto. Então essa loucura, essa idiotice que o Brasil entrou, nós temos que sair disso. E entenda, não é que eles economizam. “Vamos economizar porque nós queremos fazer uma ponte” ou “vamos investir na saúde”, não. Eles economizam para pegar esse recurso, esse dinheiro público, e transferir para o sistema financeiro, para garantir que esse sistema receba juros de uma dívida pública que eles inventaram há quarenta anos atrás. É como se tivéssemos um cartão de crédito que nunca a pessoa consegue pagar. É uma armadilha que o Brasil entrou. Isso se reflete em todos os setores da administração, particularmente na paradiplomacia. E não é que a paradiplomacia seja um problema. Eles cortam tudo, e esse é o problema do Brasil.

[Marcos] E só complementando, uma coisa que a gente percebeu também com o evento, é que as secretarias de relações internacionais possuem um custo-benefício muito positivo. Elas custam barato pelo que elas fazem pelo município ou pelo estado, porque elas internacionalizam as ações de todas as outras secretarias. Então, o que acontece com as secretarias de relações internacionais é mais ou menos o que acontece com as universidades públicas. Você pode até achar que elas custam muito dinheiro, mas esse dinheiro tem um retorno para a sociedade que é de um benefício imenso. Logo, é um tipo de organização que vale a pena o investimento, porque o dinheiro que vai para elas tem um retorno para a sociedade que é muito benéfico. 

Qual o planejamento para a próxima edição da Semana Municipal de Paradiplomacia? Como vocês pretendem fortalecer a continuidade do evento, mesmo com as possíveis mudanças nas pessoas envolvidas na idealização do projeto?

[Gandhi] Então, antes da gente falar sobre a próxima edição do evento, gostaria de falar de uma coisa que foi muito importante para a primeira edição. Sabemos que o primeiro é sempre mais difícil, mais desafiador. E, o maior desafio que eu considero que nós tivemos foi credibilizar um evento de iniciativa política e um evento acadêmico também. Nós temos uma posição aqui que é de muita seriedade, então nós não gostamos dessa descredibilização que a política tem. Nós queremos usar a política, conhecendo a importância dela para contribuir com a sociedade. Assim, como há esse preconceito atualmente com a política, esse descrédito, tornar esse evento academicamente credibilizado foi um desafio, que nós consideramos que foi muito bem sucedido. Nós conseguimos unir a política com a academia, com as pessoas e até com o terceiro setor. E nós conseguimos fazer essa união com bastante honestidade, acho que uma palavra bem assertiva neste ponto. Para te dar alguns dados, nós tivemos 10 apoios no total, sendo elas: 3 prefeituras, sendo duas capitais (Prefeitura de São Paulo e de Recife, com a participação da vice-prefeita) e Niterói, que contou com a participação do prefeito e do secretário do clima. Também tivemos o apoio de uma editora, do instituto de diplomacia direta, de dois departamentos acadêmicos e três centros de estudo de Relações Internacionais. Então para o nosso primeiro evento foi algo bastante bem sucedido. Foram 20h de atividades e, detalhe, sem gastar um real de dinheiro público, além da infraestrutura que a gente já possui.

[Marcos] Nós fizemos uma pesquisa de opinião e 70% dos que responderam o questionário deram nota 10 para o evento. É uma questão que nós ainda vamos melhorar, que é ouvir melhor o nosso participante. Bem, o evento deste ano foi totalmente digital, o que foi muito bom, pois trouxemos pessoas de todas as partes do Brasil. O que o nosso público pediu foi um evento híbrido, pois alguns querem ir para São Paulo, querem conhecer a Câmara, querem nos conhecer. Por esse motivo, vamos nos esforçar para realizar um evento híbrido, que exige uma complexidade técnica maior.

[Gandhi] Tivemos os livros também.

[Marcos] Exato, uma coisa que nós sabíamos que iria sair muito modesta nesse primeiro evento, que é difícil até para os departamentos mais equipados da nossa universidade, que é a questão da publicação. Então, nesse primeiro evento nós conseguimos produzir resumos expandidos e capítulos de livro. Para o próximo evento, nós também vamos conseguir trabalhos expandidos, se tudo der certo. E obviamente, contamos com o apoio de vocês para fazer esse projeto virar realidade.

Sabemos que o município de São Paulo já conta com uma série de práticas de internacionalização, muitas delas desenvolvidas pela Secretaria Municipal de Relações Internacionais. Poderiam compartilhar conosco como a Paradiplomacia vem impactando e transformando a realidade local da cidade?

[Marcos] Bom, São Paulo é uma cidade particular, pois ela é grande (+10 milhões de habitantes).  É um município cuja dimensão internacional é inevitável. Nós temos problemas com refugiados, gente que precisa ser acolhida, que vieram de países com graves problemas sociais. Além disso, nossa cidade também tem muitos problemas ambientais, tanto é que, até onde eu sei, foi enviada uma equipe para a COP 26. Então, a Secretaria de Relações Internacionais é relativamente pequena – bem menor do que as outras – e ela é uma secretaria muito competente. Eu acho que nesse sentido, São Paulo tem expertises para passar para outros municípios. E o município de São Paulo está muito adiantado no sentido de fundar escritórios. Nós temos um número elevado de escritórios fora do Brasil, e são escritórios que têm funcionado bem. A secretaria foi fundada sob a administração de Marta Suplicy, que hoje é nossa secretária das relações internacionais. Já o subsecretário é um diplomata profissional, o embaixador Mello Barreto, que trabalhou junto ao Itamaraty, foi Cônsul e foi embaixador em países como a Rússia. Portanto, é uma secretaria bem provida de qualidade, em um município que – como eu mencionei anteriormente – precisa desse tipo de serviço. Nesse sentido, acredito que a secretaria precisa ser mais estudada e divulgada, principalmente no setor acadêmico.

[Gandhi] Um parêntese que eu acho importante, é que eles deram apoio irrestrito para a gente no evento. Ligaram para nós, parabenizando e dizendo que era “um projeto revolucionário.” Foi o adjetivo que eles usaram, pois nós aproximamos as pessoas da secretaria.

[Marcos] Verdade, eles ficaram bastante contentes. Então, a secretaria é um bom exemplo que pode se tornar caso de estudo no futuro, para a consolidação e institucionalização da paradiplomacia em outros municípios brasileiros.  

[Gandhi] Uma outra coisa importante, é um projeto do Vereador Eliseu, junto com o ICLEI, que promove essas instituições no âmbito da paradiplomacia, conectando cidades para a sustentabilidade a partir de um projeto de energia solar. Então, é um projeto paradiplomático, para a cidade de São Paulo. E nosso município tem várias áreas e setores para explorar a paradiplomacia.

[Marcos] O Gandhi citou uma organização que é parceira, a ICLEI, que está presente no mundo inteiro. E participou também do nosso evento, imagino que outra secretaria que vai ser um case de estudo, é a secretaria do clima de Niterói. É a primeira do Brasil nesse quesito, uma modalidade específica da paradiplomacia. A área é nova, podemos dizer que está tudo começando e eu acho que iniciativas como a nossa, de fazer o evento, deixar o conteúdo na internet e publicar são fundamentais para que possamos continuar, para não morrer na praia, para não acontecer isso de ter o fechamento de secretarias. Nós precisamos de desenvolvimento burocrático.

Por fim, como vocês avaliam o papel da cooperação internacional no desenvolvimento das cidades brasileiras de forma geral?

[Eliseu] A questão da importância da cooperação internacional é muito grande, e eu queria muito que o professor Marcos – que é doutor em Relações Internacionais – e o Gandhi também, falassem sobre isso.

[Marcos] Bom, eu acho que a cooperação internacional em âmbito municipal ela acontece em vários patamares e em vários segmentos de atividade social. Listar todos eu acho impossível. O professor Eliseu citou dois segmentos que são imprescindíveis: o primeiro é o turismo, que é uma atividade econômica que leva bastante divisas para o Brasil, não podemos ignorar isso. Então no caso do turismo, eu acho que a paradiplomacia acontece muito no sentido da difusão e da propaganda. O município, para usar um termo bastante popular, precisa “vender o seu peixe”, se tem praia, se tem patrimônio histórico para ser reconhecido, etc. Já a questão da energia solar, que trabalhamos agora, entra no âmbito da cooperação científica e tecnológica. Uma coisa interessante nesse quadrante histórico que nós listamos, é que a vida do indivíduo ficou muito complexa. Quem há 50 anos atrás poderia dizer que cada um iria ter uma bateria dentro do bolso? Que com esse dispositivo, o telefone celular, você poderia falar com pessoas em qualquer lugar do mundo? Então a vida das pessoas é mais densa de ciência e de técnica e a vida do município também é. Então, o município tem problemas que são muito particulares e às vezes paralelo ao poder central. Por exemplo, a vice-prefeita de Recife nos visitou, para a semana de paradiplomacia, e ela falou um dado importante: Recife é a Veneza brasileira. Ou seja, é uma cidade que vai ter problemas de inundação no futuro. Você pode falar que esse é um problema do governo central, e de fato é, mas é um problema muito mais contundente para o município e para sua gestão pública. Então a Paradiplomacia tem essa função, de buscar cidades que possuem esse problema e fazer esse intercâmbio de experiência e de soluções. Repito, eu acho que é uma pergunta que é impossível de se esgotar. É importante destacar a questão dessas atividades que podem ser desenvolvidas em âmbito municipal. Eu sou paranaense, sou de Londrina, que é uma cidade que teve uma estatal da Telecom. Uma atividade altamente complexa, mas desenvolvida em âmbito municipal. Por quê não? Por que os municípios não podem ter atividade desse tipo?

[Gandhi] Eu gostaria de complementar. Na minha opinião, a contribuição da paradiplomacia para o desenvolvimento das localidades é a principal área de estudo da paradiplomacia. O mundo está cada vez mais globalizado, não tem como a gente ir contra essa realidade. Porém, podemos absorver a nossa maneira essa nova realidade. E tornar isso a nosso favor. Então assim, o governo central – a diplomacia central – não tem condições de atender todas as localidades do Brasil. Então é necessário que as localidades possuam uma certa altivez, uma atitude para que elas sejam contempladas e beneficiadas com o desenvolvimento econômico. São Paulo tem um escritório de negócios na China, por exemplo. E esse escritório é responsável por atrair investimentos para o Brasil. Foi assim que a Huawei chegou no Brasil, por exemplo. E, não é só isso, nós pensamos que poderíamos criar joint ventures para fazer catch up tecnológico, a partir da paradiplomacia. São Paulo tem essa capacidade, tanto financeiramente como de know how. Então nós podemos nos beneficiar da mesma forma que cidades chinesas se beneficiaram. As pequenas cidades chinesas, elas fizeram esse processo. Elas uniram o útil ao agradável. Precisavam conter o êxodo rural e precisavam desenvolver essas regiões mais remotas, fora dos grandes centros. Elas perceberam que não tinham o know how e nem o capital necessário, então elas atraíram empresas de fora e criaram essas joint ventures nessas cidades afastadas, nas zonas rurais. E hoje essas cidades deram um salto. Elas já possuem suas próprias empresas e exportam para o mundo todo com uma certa liberdade. É claro que nós precisamos reconhecer que precisa ter, muitas vezes, um certo direcionamento da diplomacia central. Ainda assim, o papel da paradiplomacia e das localidades é trabalhar com isso e tornar, com as características de cada localidade, o que é melhor para si.

[Marcos] Olha, eu acho que a gente não podia continuar na entrevista sem citar um dos polos de atividade que nós consideramos principal: a educação. A atividade educacional hoje é uma atividade complexa e creio eu que é uma das atividades que mais precisa desse intercâmbio, principalmente o intercâmbio de professores. Tudo isso promove uma secretaria das relações internacionais.

Muito obrigada pelas respostas. Agora, eu gostaria de saber se tem algo a mais que vocês gostariam de abordar ou adicionar para nós, para que seja compartilhado com nosso público. Pode ser sobre a paradiplomacia, sobre o evento ou algum comentário adicional que vocês gostariam de falar, fiquem à vontade para os comentários finais.

[Eliseu] Eu só gostaria de dizer que é muito legal a iniciativa de vocês, ter essa preocupação mostra um avanço muito grande. Também fico feliz que o fato de nós fazermos a semana de paradiplomacia aqui em São Paulo tenha repercutido aí na Paraíba. Isso é muito importante. Também espero que essa entrevista repercuta por aqui, pois será importante para que nós possamos continuar nesse trabalho ideológico, digamos assim, de convencer as pessoas da importância disso. E para deixar um último comentário, nós não devemos entrar nessa onda de que o poder público deve ser o mínimo possível. “Tem que cortar gastos”, isso é um absurdo. Esse teto de gastos coloca em risco as futuras gerações. Além disso, criaram uma série de situações e – para as pessoas não reclamarem – tiraram os direitos trabalhistas e sufocaram os sindicatos, que são formas da sociedade se manter viva e ter uma interação democrática com o poder constituído. Se você tem um sindicato forte e tem associações populares fortes, não significa subversão, significa força para a democracia. Então, se você tem uma democracia tirânica, como está sendo montada aqui, destruindo os instrumentos de defesa da população, é gravíssimo. Então nós precisamos ter essa compreensão. Também gostaria de destacar que uma semana da Paradiplomacia é na linha do desenvolvimento do país, na linha do desenvolvimento econômico e na linha da resistência a essa estupidez que está sendo feita no Brasil. Então eu agradeço muito a iniciativa de vocês na Paraíba, de fazer essa entrevista, pois nós ficamos muito felizes de participar, e espero que isso se espalhe pelo Brasil.

[Gandhi] Eu também gostaria de agradecer, me sinto muito honrado de verdade em saber que nosso trabalho chegou por aí. Não só na Paraíba, mas também tivemos pessoas de outros estados do Nordeste, do Norte, do Sul, Sudeste, Centro-Oeste… de várias partes do Brasil. Então nós estamos muito felizes de verdade.

[Marcos] Queria agradecer e gostaria de parabenizar o IDeF, pois precisamos de mais organizações como vocês. E até gostaríamos de convidá-los para a próxima semana, para que possam falar mais do trabalho do IDeF. Uma coisa que acho que ficou faltando, a grande força de inspiração para essa semana, foi a crise da Covid-19. Esse nítido esforço que os poderes locais no Brasil executaram para conseguir a vacina, para conseguir o insumo e para colocar o governo central no eixo dele, é a prova de que o poder local também pode ser – e deve ser – um elemento fundamental para a constituição de uma democracia sadia, nobre e de compromisso com a população.

Você pode conferir o livro lançado pelo Comitê Científico do evento clicando aqui.

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