O IDeF entrevistou Jefferson Ferreira de Morais, que tem longa trajetória com políticas públicas rurais, tendo ingressado em 2006 na Empresa de Assistência Técnica e Extensão da Paraíba – EMATER/PB. É Diretor de Assistência Técnica e Rural da Empresa Paraibana de Pesquisa, Extensão Rural e Regularização Fundiária (EMPAER) desde sua fundação em 2015. Foi responsável por acompanhar as visitas técnicas internacionais recebidas na Paraíba e representou a Empaer em eventos internacionais para compartilhamento de tecnologias de ATER, além de encontros virtuais com delegações do Mercosul.
Algodão Paraíba é uma política pública que atinge uma população mais vulnerável socialmente, com medidas de sustentabilidade e segurança alimentar. Como Diretor da EMPAER, qual foi o seu papel no processo, da origem até a implementação do Algodão Paraíba? Em algum momento elementos da agenda internacional se mostraram relevantes na formulação da política?
O nosso papel foi exatamente o de fomentar a demanda que existia entre empresas compradoras de algodão e identificar os agricultores familiares, em vulnerabilidade social, que pudessem entrar nesse mercado. Então o papel da EMPAER foi o de identificar o público, fazer um planejamento da metodologia de assistência técnica e a metodologia de plantio consorciado dessa cultura com outras no estado da Paraíba. Pois, plantar apenas algodão não seria viável para esses agricultores, uma vez que qualquer variação no mercado do algodão, apesar da garantia de comercialização, eles ficariam susceptíveis novamente.
“A demanda de mercado internacional do algodão ecológico proporcionou que esse projeto pudesse ser viabilizado com um preço justo e com uma rentabilidade viável para o produtor“.
O nosso modelo foi estabelecido exatamente para consorciar o algodão com culturas alimentares. São consórcios entre culturas que disponibilizam para esses agricultores não apenas algodão, como nicho de mercado que estava surgindo, mas também as culturas que seriam necessárias para a sua segurança alimentar e nutricional. Então nosso papel foi esse. Identificar o público e fazer a programação, um planejamento desde a identificação dos agricultores ao modelo de produção a ser estabelecido. A agenda internacional teve influência parcial porque o algodão é uma demanda internacional. A demanda de mercado internacional do algodão ecológico proporcionou que esse projeto pudesse ser viabilizado com um preço justo e com uma rentabilidade viável para o produtor.
O senhor poderia nos contar como o Algodão Paraíba e suas técnicas se internacionalizaram?
Essas técnicas que se internacionalizaram compõem o modelo do Algodão Paraíba. Na América Latina temos variedades de situações fundiárias, de sistema de plantio e de técnicas utilizadas em vários países. Porém há uma coisa muito comum: os agricultores familiares se assemelham em toda América Latina. São minifúndios, têm mão de obra familiar e geralmente eles precisam e dependem muito de atravessadores. Então, o que tem sido internacionalizado é o modelo em que empresas estabelecem um contrato justo com os agricultores, garantindo a compra da produção. Ou seja, com a garantia, os agricultores não estão se “aventurando”, eles já sabem por quanto vão vender no final. Uma outra questão que também tem sido internalizada por esses países é exatamente a questão da metodologia de plantio consorciado, ou seja eles não plantam apenas algodão. Há muitos agricultores familiares ou campesinos que estão presos ao monocultivo, e, por isso, quando há qualquer variação de preço eles ficam suscetíveis ao atravessador. Então, ou ele vende pelo preço do atravessador ou ele fica realmente no prejuízo. Quando o agricultor usa esse sistema de consórcio ele não está preso apenas ao algodão, porque ele vai ter inúmeras outras culturas dentro do sistema de produção que vai agregar para ele uma renda e, também, garantir sua segurança alimentar e nutricional. Isso tem sido incorporado em vários países, a exemplo da Colômbia, Bolívia e Paraguai. Claro que com algumas alterações dentro das suas realidades locais, de política e tudo mais. Mas é isso que tem sido internacionalizado de uma forma mais forte dentro do projeto.
Existe a percepção, ou o planejamento, de que essa política pode atingir uma internacionalização ainda maior?
Recentemente iniciou por meio da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) um curso que foi elaborado pelos técnicos da Empaer sobre a metodologia de consórcio, incluindo as rotas familiares desses consórcios. Esse curso vai envolver mais de 100 técnicos da América Latina, que serão capacitados, e acreditamos que isso vai difundir ainda mais as metodologias adotadas pela Empaer aqui no estado da Paraíba.
Como se deu esse contato da Empaer com outros países para levar esse modelo para fora?
Existe um termo de cooperação trilateral entre o governo brasileiro, a FAO e alguns países da América Latina. Tem um termo de cooperação com a Colômbia, a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) representando o governo brasileiro junto com o governo colombiano e a FAO. E, dentro da Agência Brasileira de Cooperação existem as empresas cooperantes também que o governo brasileiro requisita para que possa ajudar nos processos de cooperação, a exemplo da EMBRAPA ( Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Antes da EMPAER atuar na cooperação trilateral da qual a FAO participa [+Algodão], estava a Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) de Minas Gerais. O modelo do estado de Minas Gerais era mais do agronegócio e não era bem isso que os países estavam desejando, porque era uma realidade totalmente longe da deles. E, como tínhamos já um projeto iniciado aqui no estado da Paraíba e esse projeto é trabalhando com agricultores familiares e tinha um vínculo mais social, a ASBRAER [a EMPAER é associada à ASBRAER- Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Assistência Técnica e Extensão Rural] indicou a Emater-PB (na época) e demos continuidade a este projeto, e quando eles conheceram o projeto que estava sendo estabelecido aqui no estado da Paraíba, quiseram levar para os outros países e a gente começou a fechar com vários outros países esse termo de cooperação trilateral. O nosso modelo aqui é muito mais próximo da realidade desses países, pois estamos no semiárido, trabalhando com pequenos agricultores, muitos destes não têm resolvido a questão fundiária, são posseiros, pequenos arrendatários, então se assemelha muito isso à agricultura campesina na América Latina.
A OIT(Organização Internacional do Trabalho) identificou esse projeto do +Algodão na América Latina e viu as experiências que estavam sendo levadas e quis conhecer também a experiência aqui no estado da Paraíba. A partir daí nós já recebemos alguns países da África que vieram conhecer e fazer intercâmbio técnico e também o intercâmbio para conhecer essas experiências no campo mesmo, com os agricultores familiares.
O senhor sabe quais os resultados já podem ser apontados dessa internacionalização para os países que a implementaram e para o projeto na Paraíba?
Sim, vou dar um exemplo aqui Colômbia. A Colômbia era praticamente um monocultivo, eles alternavam: tinha o período de plantar o algodão e depois se plantava o arroz ou outra cultura. Lá eles têm um problema muito sério de insumos. Eles praticamente não têm sementes adequadas como nós temos aqui, uma variedade enorme de sementes. Na plantação de algodão, eles faziam até 35 pulverizações. Como nosso modelo é voltado para um modelo orgânico e de transição agroecológica, alguns começaram a aplicar as metodologias e diminuíram o número de aplicações. Reduziram de 35 aplicações para apenas 8 ou 9 aplicações, diminuindo o custo de produção deles em quase 60%. Então eles estão vendo que isso realmente tem sido viável. O que eles buscam agora é entrar no modelo realmente orgânico ou de transição agroecológica e agregar um valor ainda maior na fibra de algodão deles. O mesmo está acontecendo na Bolívia onde alguns indígenas já trabalhavam praticamente no sistema orgânico só não era certificado. Então, o próprio país já está criando, dentro da sua realidade, um sistema de certificação e já vieram conhecer como é o modelo do Brasil. Esse sistema, principalmente de consorciar o algodão e de aproveitar a mesma área mesmo que às vezes diminua a produtividade, porque quando você diminui a quantidade de plantas de algodão numa área você também diminui a produtividade, mas isso é compensado com as outras culturas que são inseridas no consórcio. Então, se existir uma queda de preço no algodão, ele vai ter no gergelim, no feijão, no milho ou em uma outra cultura uma forma de garantir o seu benefício, de se proteger e ainda diminuir a incidência de pragas. Isso vai aumentar a diversificação da sua produção e aí pode comercializar mais de um produto.
Na sua experiência como Diretor da Empaer, o senhor acredita que a atuação internacional dos entes subnacionais, como estados e municípios, pode auxiliar no enfrentamento dos problemas sociais locais ou regionais, como no incentivo a uma cadeia de produção algodoeira? Houve algum aprendizado proporcionado ao longo da internacionalização do projeto?
Eu acredito que essa atuação Internacional deu visibilidade Internacional para as ações que estamos fazendo aqui no estado da Paraíba. Não apenas isso, ela destacou esse sistema de produção que tem aumentado significativamente a demanda por esse produto no nosso estado. Ele [o modelo produtivo] tem se destacado e somos um dos maiores produtores de algodão orgânico do Brasil. A Paraíba já foi um dos maiores produtores de algodão. Mas, nós não vamos conseguir recuperar isso porque exigiria um sistema altamente tecnológico e, também, por conta do nosso solo e do relevo que são impedimentos para alcançar isso novamente. Mas, nesse sistema de produção orgânico somos destaque, assim como na produção de algodão colorido, que têm chamado a atenção Internacional. Não é apenas um modelo de sustentabilidade, é, também, um modelo social em que famílias que estão em vulnerabilidade social passam a ter mais dignidade porque têm garantia de venda. Elas sabem por quanto vão comercializar o algodão e tem também o consórcio das outras culturas que traz uma visão de estabelecer a segurança alimentar e nutricional dessas famílias. Apenas o excedente é utilizado para comercialização. Então, isso chama atenção das empresas que têm essa visão de atender ao mercado Internacional com produtos que sejam sustentáveis e que tenham responsabilidade social. Essa participação nossa nesses projetos internacionais, essa visibilidade aumentou ainda mais o foco internacional para a produção. Ganhamos muito com isso, o estado da Paraíba e os nossos agricultores ganharam com isso.
“Essa participação nossa nesses projetos internacionais, essa visibilidade aumentou ainda mais o foco internacional para a produção. Ganhamos muito com isso, o estado da Paraíba e os nossos agricultores ganharam com isso“.
Na questão de aprendizado, sim, porque enviamos nossos técnicos para essas missões internacionais. Tivemos técnicos que passaram 15, 20 dias na Colômbia assessorando lá os agricultores e as equipes técnicas da FAO que estavam atuando no país. Com esses treinamentos e capacitações, embora estejamos levando conhecimento, eles estão também adquirindo conhecimento. Eles voltam mais experientes, vivenciando outras experiências, vivenciando outras técnicas que são utilizadas nesses países. Então, nossos técnicos carregam e aumentam a sua bagagem de conhecimento e tem sido muito bom para nossa equipe. Até mesmo as visitas, porque quando os países, seus técnicos e agricultores que vêm de outros países visitar o nosso país, o nosso estado, eles também trazem as suas experiências, trazem os modelos que eles estão estabelecendo lá. E, algumas coisas eles querem levar, mas outras a gente observa que pode ser aplicado também aqui e que são viáveis aqui.
“a partir do momento que você começa a atuar e começa a ter uma maior visibilidade internacional, é o aumento da nossa responsabilidade para com o projeto“
Outra mudança, a partir do momento que você começa a atuar e começa a ter uma maior visibilidade internacional, é o aumento da nossa responsabilidade para com o projeto. Precisamos ser mais técnicos, estar mais presentes. Temos que aperfeiçoar as técnicas desenvolvidas e algumas coisas que são feitas em outros países, poderia citar aqui um acompanhamento mais sistemático dos programas, estamos também estabelecendo aqui. Independente das outras políticas que existem dentro da instituição que devemos cumprir, associamos todas as políticas dentro do programa.
Então a nossa responsabilidade agora não é apenas com os agricultores familiares. Agora nós temos uma responsabilidade internacional, porque essas organizações internacionais daqui a 05 ou 10 anos elas querem saber como é que o projeto está. Então precisamos dessa responsabilidade também, de manter os projetos e sua qualidade. Tudo isso tem alterado a nossa sistematização do trabalho dentro da empresa.
Quais os principais desafios que o senhor identificou ao longo da internacionalização? E quais os principais desafios que o senhor identifica, para a promoção de uma agenda internacional nos estados do Nordeste e, mais especificamente, na Paraíba?
Sobre os principais desafios que identificamos na internacionalização posso indicar: primeiro, nossa equipe não estava preparada para atuar fora do país. A questão da própria língua, de não conhecer o outro idioma. Isso dificultou um pouco. A questão do tempo, porque o extensionista é observador. Ele primeiro observa o ambiente, para poder começar a ter uma visão do que está acontecendo e poder aplicar uma técnica, uma metodologia. Então quando você chega em outro país para levar uma metodologia ele tem que identificar isso, e muitas vezes essas visitas eram de curto prazo. Ou seja, a ambientação na realidade local às vezes não estava completa para ele poder levar mais conteúdo para aquela localidade onde estava atuando.
Então tivemos algumas dificuldades nesse sentido. E, dificuldades também de compreender a questão política de outros países. O que para a gente é tão natural aqui em outros países não é. Em algumas algumas regiões, por exemplo na Colômbia, tem pessoas que estão querendo deixar o plantio da coca e entrar no projeto +Algodão. Para a gente isso seria uma coisa simples, mas para eles não é. Existe ameaça de morte, além de uma questão fundiária muito forte. Os donos das terras são grandes empresários que não moram nem sequer na Colômbia, então tem um problema fundiário muito sério. Se você não seguir aquilo que o dono da terra quer você perde o local de plantio.
Tem coisas que você demora um pouco para entender, mas com o tempo, já tem alguns anos que estamos dentro do projeto, começamos a nos localizar melhor e saber lidar com cada situação e circunstâncias.
Um outro desafio foi dar continuidade ao projeto durante o período de pandemia, com a ausência das visitas, com ausência do acompanhamento técnico, com ausência de estar em loco. Fazer isso de uma forma virtual não era tão comum para nós.
A promoção de uma agenda Internacional nos estados do nordeste, ocorre muito em um nível de maior hierarquia. Elas geralmente partem do governo (federal) brasileiro. Então, para você trazer isso para a interlocução de estado ou município é um pouco mais distante. Você tem que barganhar com pessoas que façam essas interlocuções para se aproximar de organismos internacionais de maior porte. Acredito que os principais desafios que temos são essas interlocuções que deveriam ocorrer nos níveis mais locais. Quando isso ocorre, as instituições internacionais começam a compreender melhor a realidade, porque uma coisa é o governo brasileiro dizer o que é o nordeste. Outra coisa é um nordestino falar sobre o que é o nordeste. Uma coisa é um nordestino falar o que é a Paraíba. Outra coisa é o paraibano falar sobre a realidade da Paraíba. Então isso muda a visão de política, de estratégias e até mesmo de financiamentos internacionais que possam vir para esses locais, isso muda bastante. Identifico isso porque nossa interlocução com a FAO tem sido muito íntima, muito próxima. Junto com ABC, que também faz uma interlocução muito próxima. Conseguimos falar com os coordenadores da FAO diretamente para tratar sobre determinadas coisas. Conseguimos falar diretamente com os técnicos da FAO que estão atuando nos países. Isso facilita demais, tanto a compreensão do que eles precisam quanto daquilo que demandam da gente, Eles compreendem a nossa realidade e aquilo que precisamos dentro da parceria.
Tem sido um orgulho para a Paraíba poder levar essa técnica para outros países. Nos orgulha bastante, apesar do Algodão Paraíba não ser plenamente institucionalizado como política pública do Estado, mas da Empaer.