Integração social por meio da música: IDeF entrevista Diretor do NEOJIBA

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Entrevista com Eduardo Torres, Diretor Musical do NEOJIBA (Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis na Bahia). Inspirado em uma política pública venezuelana, o projeto busca promover o desenvolvimento e integração social através da música. Seu diretor fala sobre a trajetória do projeto, a internacionalização e formalização da política pública na Bahia e sobre a interação entre o setor privado e público. 

Tendo em vista que o Neojibá (Núcleo Estadual de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia) é um projeto voltado para educação, cultura e desenvolvimento social, buscando promover a integração entre crianças e jovens em vulnerabilidade no estado da Bahia, qual a sua trajetória até que se tornasse de fato uma política pública com parceria entre a instituição e o governo do estado?

O projeto surgiu com Ricardo Castro, pianista que morou na Bahia por 19 anos, e depois se mudou para a Europa, onde ganhou um dos concursos mais importantes na Inglaterra, se tornando um dos principais nomes musicais do mundo. Numa das andanças, foi para a Venezuela e conheceu o fenômeno do El Sistema, projeto criado pelo maestro José Abreu na década de 70. Em 2005, Ricardo fez contato com o projeto e imaginou que seria adequado à Bahia, há população e contexto social semelhantes. Ele espalhava o modelo de política pública do El Sistema e uma das pessoas com quem comentou foi o diretor de teatro, Márcio Meirelles, que assumiu a Secretaria de Cultura no governo de Jaques Wagner, aceitando o cargo apenas pela possibilidade de implementar o que Ricardo Castro tinha mostrado a ele da experiência na Venezuela. Então, ele chama Ricardo e diz que só aceita se ele mesmo implementar a política, pois ele não entendia de música e orquestra. 

A partir de 2007, ano de implantação, até 2008 o NEOJIBA passa a receber adolescentes e crianças da cidade, do estado e de outros locais, sendo considerado como um projeto especial no âmbito do governo, apenas ligado a fundação cultural do Estado. Em 2009, a Secretaria de Cultura lançou a licitação do primeiro projeto da área cultural no modelo de Organização Social (OS), e devido a presença de Meirelles na gestão da secretaria, foi a primeira associação feita do NEOJIBA. Logo em 2014, depois de quatro anos, mudou de área, tendo em vista que é um programa que em sua missão e valores tem como objetivo a integração e desenvolvimento social. O NEOJIBA não é um programa propriamente musical,

é uma política pública de desenvolvimento social, a música não é um fim em si mesma, é um meio, e é por isso que migramos da secretaria de cultura para a de desenvolvimento social. Ensinar música é para viabilizar a experiência social de estar em um grupo musical, não queremos formar músicos, é um objetivo secundário. A estimativa é que em 15 anos de existência, entre dez a onze mil beneficiários já foram alcançados pelo NEOJIBA, mas ainda não temos essa captação de dados de forma mais concreta. Ao longo do projeto alguns arquivos se perderam, os primeiros anos até 2013 é bem difícil definir. O nosso orçamento era pequeno para contratar um software melhor, então trabalhamos com essa estimativa.

Como é feita a gestão do projeto, tendo em vista a intersecção existente entre o setor privado e público? Quais os processos de formalização nos trâmites do governo?

A premissa essencial é que o NEOJIBA é um programa estatal do governo da Bahia, que contrata o Instituto de Desenvolvimento Social para a Música (IDSM), o qual é uma instituição de terceiro setor sem fins lucrativos. A partir de um processo público chamado de Publicização de Políticas Públicas, que a partir de leis estaduais seleciona, em formato de Organização Social (OS), a gestão do projeto. 

Apesar de gerido por uma instituição de terceiro setor, o NEOJIBA é totalmente estatal e público em essência, iniciado na Secretaria de Cultura, mas que quatro anos depois migrou para a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS). O contrato é lançado a partir de uma licitação pública e tem duração de cinco anos, o primeiro foi em 2009 ainda no âmbito da Secretaria de Cultura, em 2014, já inserido na Secretaria de Desenvolvimento Social, hoje conhecida como SJDHDS, e em 2019 houve a terceira licitação em que o IDSM ganhou como candidato único, contrato ainda vigente. O termo publicização refere-se justamente a esse processo onde um programa ou órgão estatal passa a ser gerido por um instituto ou associação privada que é classificada como uma organização social de acordo com as leis estabelecidas pelo estado. Com esse processo, temos agilidade nas atividades, não dependendo do funcionalismo público a organização social tem agilidade própria da instituição privada, mas submetida a uma análise minuciosa por parte do Governo do Estado em todos os âmbitos dessa gestão. 

Há metas de desenvolvimento social, como atendimento às famílias, psicólogo e assistência social; há no âmbito de apresentações públicas e luteria, que é a manutenção aos instrumentos musicais; metas de satisfação e opinião pública. Um exemplo, é a meta de capacitação musical, temos que ter no trimestre no mínimo 1950 beneficiados, no próximo trimestre 2350; bolsas na área técnica tem que ter pelo menos 46 beneficiários, por exemplo. O governo diz “faça isso,

temos esse recurso, quem se candidata para gerir esses recursos para implantar essas metas?” e então abre a licitação pública para contratar a gestão.

 Em relação ao financeiro do projeto, como é disponibilizado os recursos por parte do Governo do Estado? Há alguma forma de captação permitida fora do âmbito estatal? 

O financiamento é do governo, no contrato de gestão já estão estabelecidos os valores e as metas. Caso a gestão não cumpra alguma meta o recurso é descontado no próximo repasse, que é feito anualmente durante o contrato. Temos que prestar contas em um relatório minucioso e bastante detalhado de todas as metas e recursos de três em três meses, os quais só são repassados se o relatório for aprovado em todas as instâncias, inclusive no Tribunal de Contas e pelo Conselho de Gestão das Organizações Sociais. Uma das metas do contrato de gestão é que uma porcentagem mínima do valor do contrato seja captado com empresas privadas, as turnês internacionais por exemplo são financiadas com recursos que não são do contrato de gestão. Temos uma meta de intercâmbio também, frequentemente mandamos nossos integrantes para a Suíça, onde temos uma associação de amigos do NEOJIBA (ASANBA – Association Suisse des Amis de NEOJIBA) e também tem uma fundação NEOJIBA, tudo isso serve com suporte financeiro. Agora mesmo estamos recebendo Ucranianos, que contribuem dando aulas aqui, sendo tudo financiado por doações europeias, sem participação do governo. Uma das metas de captação externa era que fosse 10% a mais do repasse existente no contrato de gestão, se não consegue, é penalizado, mas geralmente conseguimos, pois como Organização Social (OS) podemos oferecer serviços e outras atividades que nos gera recursos que são revertidos diretamente no projeto com instrumentos, reformas no espaço, pagamento de transporte para levar a orquestra para algum concerto. Por ser uma Organização Social temos muita flexibilidade quanto a isso também, diferentemente se dependesse sempre de licitações do governo, que é uma forma de controle necessário mas que acaba atrasando os trâmites. Todos os relatórios estão disponíveis no site do NEOJIBA, gerimos com a agilidade da gestão privada, mas prestamos contas detalhadamente no relatório, fazendo com que continue existindo o mesmo rigor de controle fiscal do Estado.

 Como aconteceu o processo de Internacionalização da Política Pública já existente na Venezuela? Existe algum tipo de cooperação internacional entre o projeto do El Sistema e o NEOJIBA? 

Nós recebemos muito apoio e conselhos dos Venezuelanos, mais especificamente do maestro Abreu. Ricardo Castro, inspirado pelo projeto existente na Venezuela, foi diretamente a ele e pediu para conversar sobre a implementação

da política pública, desenvolvida pelo modelo venezuelano de orquestras juvenis do El Sistema, no estado da Bahia. O maestro deu total apoio e um dos conselhos foi que se usasse do programa do PNUD para contratação, com os recursos repassados pelo governo, de professores do exteriores a partir de diárias, com isso nós não tínhamos que fazer contratos com esses professores estrangeiros, eles vêm dentro do programa do PNUD, agilizando também o processo. A outra modalidade utilizada foi da compra de materiais, um contrato foi feito com um PNUD em 2016/2017 para comprar sem imposto de importação, era feita uma licitação internacional, a secretaria de justiça fez um contrato com o PNUD, disponibilizou a verba e o PNUD ficou encarregado dessa compra. Foi uma forma de garantir instrumentos de alta qualidade por um preço mais acessível. 

Recebemos também muitos venezuelanos aqui pelos primeiros quatro anos, o primeiro ensaio da orquestra foi feito com um venezuelano enviado por Abreu que ficou aqui por um mês, sempre vinham para ensinar no NEOJIBA. Seguimos e adotamos também os 5 princípios da política pública do El Sistema; o primeiro é que a excelência musical deve ser em conjunto com o desenvolvimento social e humano, o qual é estimulado a partir da qualidade musical. Assim, acreditamos que não é um dom divino, desenvolver a música depende da oportunidade de aprendizagem. O segundo princípio é que toda atividade é coletiva, criar uma experiência social de comunidade; o terceiro, a frequência, os meninos estão aqui de segunda à sexta, três horas por dia. O que queremos é que o NEOJIBA seja uma coletividade de fato, que criem laços, não nos destinamos a uma classe social ou outra, buscamos a integração social, num mesmo grupo pode ter gente da periferia mais carente junto com um menino da classe média, por exemplo, e esse configura o quarto princípio que aderimos do modelo do El Sistema. O último princípio é a interconexão, temos 13 núcleos no Estado da Bahia, os jovens podem transitar entre os núcleos para passar momentos breves e compartilhar ou ter aulas com outros professores. Foi dessa forma que houve uma cooperação entre o NEOJIBA e o El Sistema da Venezuela, com acesso a estrutura que seguiríamos a partir dos princípios e tendo contato para meios facilitadores do projeto.

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