De maneira geral, como podemos entender o conceito de interseccionalidade entre raça, gênero e classe?
O conceito de interseccionalidade foi criada pela norte-americana Kimberlé Crenshaw e a imagem que mais utilizamos é a de uma encruzilhada, porque a ideia é que você está entrecruzando diferentes elementos das identidades das pessoas que são motivos para diferenciação. O exemplo clássico que podemos pensar é entre a raça e o gênero, assim como mulheres brancas são tratadas como inferiores aos homens brancos, as mulheres negras são vistas como inferiores aos homens negros. No entanto, simultaneamente, os homens negros são tratados como inferiores aos brancos e as mulheres negras inferiores às brancas, então a grande questão da interseccionalidade é que você não pode simplesmente somar essas condições, elas se cruzam e formam algo novo. Uma autora que trata disso muito bem é a Maria Lugones, já falecida, ela era uma argentina, mas que morava nos Estados Unidos e escreveu sobre a colonialidade de gênero. Nos seus estudos, ela trouxe à escola decolonial, inspirada no trabalho do Anibal Quijano, a questão de gênero. Ela indicou que a própria ideia de gênero foi criada a partir do encontro colonial, até porque a escola decolonial latino-americana tratava a conceituação da ideia de raça dessa mesma maneira. A partir do momento em que os europeus começaram a se entender como europeus e brancos, em oposição às alteridades, também se identificaram como seres humanos generificados – como homens e mulheres – enquanto as pessoas de pele de cor escura não tinham acesso à humanidade, não sendo considerados nem homens e nem mulheres, mas machos e fêmeas.
Então, interseccionar essas desigualdades nos faz entender porque a mulher negra era, nesse contexto colonial, entendida como uma fêmea, por exemplo. Podemos nos perguntar, mesmo a mulher branca tem acesso à humanidade? Tem, desde que ela cumpra seu papel social. Qual é esse papel na sociedade colonial? É o de reproduzir a raça e a civilização branca, significa reproduzir os filhos brancos e também a civilização branca e sua cultura. Então, se ela é submissa ao marido, um homem branco, consegue ter filhos e educá-los com seu trabalho de cuidado, ela tem acesso à humanidade com base nesse relacionamento com ele. Nesse sentido, é possível perceber que se trata também de uma questão de classe, porque ter acesso à determinada educação depende dessa condição. Nesse contexto, então, os únicos atores com a sua humanidade garantida são os homens brancos, e é possível adicionar que devem ser heterossexuais e de classe média. Dessa forma, mesmo sendo brancos, os homossexuais também eram vistos como algo fora da humanidade, colocados como um futuro que nunca deveria ser atingido por serem “degenerados”. É uma posição oposta à das pessoas de pele escura, que eram tidos como anteriores aos brancos, na compreensão da história como uma linha do tempo em que os brancos colonizadores são o ápice; então, também não tem acesso a essa humanidade ideal. O Quijano, inspirado nas linhas abissais que dividem o mundo, leva essa ideia a um nível simbólico, no qual tem um lado branco e masculino, visibilizado, e por outro, o lado escuro. Assim, os homens negros eram vistos, a exemplo do contexto da África austral, como inferiores, não humanos, mas bestiais. Mas ainda assim superiores às mulheres negras, pelo fato de elas serem mulheres. E aqui eu falo homens e mulheres, intencionalmente, mas naquele contexto eles seriam entendidos como não humanos, desumanizados.
Tem um exemplo muito interessante do começo do século XIX, no qual ocorreu os fenômenos chamados de pânicos sexuais, no Zimbábue (então Rodésia do Sul) e também na África do Sul. Eles foram examinados por um pesquisador inglês chamado Oliver Phillips. Existiam nesses locais o que ficou conhecido como perigo branco e o perigo negro. Eram a manifestação de ansiedades sociais, não porque estava acontecendo algo, mas pelos jornais estarem publicando muito sobre esses perigos. E o que eram esses perigos? O branco era aquele em que as mulheres brancas pudessem se deixar ou querer fazer sexo com homens negros e o perigo negro era dos homens negros (tentarem) estuprar e abusar mulheres brancas. Daí já se tem o entendimento de que, nesse contexto, uma mulher branca nunca ia querer nada com um homem negro, porque afinal, na lógica colonial eram inferiores e não eram considerados sequer humanos. Então o perigo negro é o do ataque de um homem negro contra uma mulher branca, e o branco é uma mulher branca ser desvirtuada ao ponto de ter algum interesse em relações sexuais com homens negros. E eram de fato pânicos sexuais, porque as pessoas estavam muito preocupadas com algo de que se tinha poucos registros. Seus efeitos são notáveis na legislação da Rodésia do Sul, o atual Zimbábue, por exemplo. Em 1903 a lei proibia relações sexuais inter-raciais e em 1916 surgiu uma nova legislação na qual detalhava, explicitamente, qualquer ato considerado indecente e criava até novos termos do que não era permitido. Então não era mais apenas o ato sexual proibido, mas se um homem negro visse o corpo de uma mulher branca nu já se constituiria um crime. Essa situação mostra o que estava passando naquela sociedade. Nos mostra as ansiedades daquelas pessoas e, subjacentes a elas, as hierarquias que eram vigentes ali. Temos ali os homens brancos como os dominantes, as mulheres brancas submissas a eles, e as pessoas negras, tanto homens como mulheres, subordinadas. E as últimas ainda empurradas para posições de inferioridade com relação aos homens de pele escura. Nesse ponto entra a interseccionalidade de raça e de gênero. Por que, por exemplo, não se tem o mesmo pânico com relações de intimidade entre homens brancos e mulheres negras? Por que o problema está entre homens negros e mulheres brancas? Porque existe uma ideia sexista de que na relação sexual, necessariamente, o homem domina e a mulher estará subordinada. Assim, quando há a relação sexual entre uma mulher branca e um homem negro, temos na lógica colonial o símbolo da civilização branca se subordinando a alguém visto como não humano. Isso promove a inversão total das relações de poder da sociedade colonial, de uma forma que uma relação sexual entre um homem branco e uma mulher negra não, porque o homem branco era aquele contexto, detentor da cidadania plena. O fato de ser plena indica que ele tem todos os direitos, tem os deveres, ele é responsável pelo gerenciamento da sociedade colonial. As mulheres brancas são cidadãs de segunda classe, elas têm uma série de direitos e deveres, mas os seus direitos são limitados, não têm, por exemplo, o pleno direito ao seu próprio corpo. E do outro lado, tem os que não são cidadãos, eles podem ser entendidos, talvez, como súditos, aqueles que têm os deveres, mas não têm os direitos. Então, o homem branco tem direito sobre todos os outros, e a mulher negra não tem nenhum, nem como mulher e nem como negra, ela é o último estrato da estrutura de poder. Com isso, a partir do momento que um homem branco e uma mulher negra fazem sexo, dentro da ideia sexista, indica a dominação do ápice da hierarquia sobre o fim dela. Isso é muito claro na legislação que surge na Rodésia do Sul que explicitamente proibiu apenas as relações sexuais entre homens negros e mulheres brancas. Isso gerou uma série de movimentos pedindo que também fosse explicitada a proibição de estupros no geral. Mas a legislação ficou restrita a estupros de mulheres brancas, mostrando que o interesse não é impedir estupros, mas proteger a reprodução da civilização branca. Este é um caso que nos apresenta de forma clara o que é a interseccionalidade e as formas como ela opera conectando raça, gênero e sexualidade.
De quais formas o conceito da interseccionalidade pode ganhar espaço nas discussões da sociedade civil não acadêmica?
Uma forma, seguindo os exemplos eu dei, é estender o entendimento de que gênero e sexualidade estão em toda parte. Isso é expresso no conceito de cidadania sexual, que explicita como toda cidadania é necessariamente sexual. Isto é, ela é influenciada por gênero e sexualidade. O exemplo que falei da Rodésia do Sul mostra essa influência nas estruturas hierárquicas e isso continua assim até hoje, em todas as sociedades. E quando me refiro a gênero e sexualidade, não estou falando apenas de populações LGBTQIA+, mas também de mulheres cis, ao pensarmos, por exemplo, o controverso direito do aborto que demonstra como as mulheres não têm direito pleno sobre os próprios corpos. Naquele mesmo esquema que mencionei, nós mulheres cis somos cidadãs de segunda classe. O conceito de cidadania sexual mostra como existem gradações de cidadania. Por um lado, legalmente, podemos parecer iguais, mas substantivamente as questões de gênero e sexualidade nos tornam diferentes e nos inferioriza. Exemplo disso são as populações homossexuais na África do Sul legalizadas, mas, na prática, é o país onde existem muitos estupros coletivos. Aqui no Brasil, as populações LGBTQIA+ podem se casar, transgêneros têm o direito de usar o nome social, no entanto, ainda é o país onde mais pessoas trans são assassinadas no mundo. Nesse sentido, a cidadania formal é inclusiva, mas a cidadania substantiva não. A partir do momento que conseguimos trazer, então, exemplos, para mostrar que a nossa sociedade, apesar de na teoria indicar que somos todos iguais, na prática, é desigual, abrimos a possibilidade do reconhecimento da influência do nosso gênero e da nossa sexualidade no acesso a direitos e possibilidades da formação de alianças entre grupos desprivilegiados. Eu acredito que isso é um meio de trazer a discussão para a população, porque é um debate que já está ali, mas de outra forma, está encoberto e não há um conceito que exprima essas questões. Além disso, entender que há diferentes formas de ver a realidade, também é muito importante. Especialmente numa sociedade tão polarizada como a nossa. É preciso reconhecer que o outro tem um olhar diferente e tentar dialogar, tentar entender de onde vem a posição do outro. A exemplo da questão da ideologia de gênero. As ideologias são formas de ver o mundo. Existem pessoas que enxergam como natural os arranjos desiguais com base em gênero, em sexualidade. Entendem que a ordem cis/heteronormativa é a única possibilidade. Mas há também ideologias mais libertária e igualitárias, que identificam como as relações de poder são influenciadas por gênero e pela sexualidade e tentam deixá-las mais horizontais e democráticas. Então os dois lados estão promovendo ideologias, mas que tem objetivos políticos diferentes.
Na sua visão, qual a eficácia do ODS 5 para o combate da disparidade de gênero? Quais outras ações as organizações internacionais têm tomado?
A própria existência da Agenda e dessa meta já é uma vitória, não é tão bom quanto poderia ser, mas é uma vitória. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), por exemplo, foram criados nos anos 90 e inaugurados nos anos 2000, quando começou a ser promovida a ideia de que existia uma ideologia de gênero a ser combatida. Um dos atores principais que promoveu isso foi o Vaticano, que formou uma aliança curiosa de atores conservadores com países islâmicos, por exemplo, entre outros, também da direita ocidental, como os Estados Unidos. Então, o fato dos ODMs terem sido criados nesse contexto onde crescia esse movimento anti-gênero, já demonstra os esforços que foram necessários. E aí, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) trazem essa questão em maior detalhe, como no ODS 5. A existência desses objetivos estimulam políticas e trabalhos importantes.
Mas também há um limite que identifico no ODS 5 porque quando lemos as metas e os indicadores, eles estão falando de mulheres e meninas cis que são cidadãs de segunda classe e é preciso promover essa igualdade, porque ela não existe. Não tiro o mérito disso. No entanto, poderia haver mais, pessoas trans poderiam ser reconhecidas explicitamente. Podemos dizer que elas são implicitamente reconhecidas? É complicado porque, por exemplo, não é reconhecida a necessidade de cuidados médicos específicos de pessoas trans para aquelas que querem fazer a transição, como também não é mencionado a necessidade de reprodução assistida para mulheres lésbicas. Então, o ODS 5 é louvável, mas nós acadêmicas temos que ser críticas e mostrar como poderia ser melhor, para abrir novas possibilidades, novos horizontes. Mesmo sabendo que os ODS têm sido importantes, eu critico dessa forma para a gente não parar pensando: “já temos os ODS, que maravilha!”. Nós temos que tentar atingi-los mas também sermos críticas e pensar em quais são as próximas metas, como podemos melhorar essas metas e esses objetivos.
Há outra limitação do ODS 5 que quero mencionar, por exemplo, em relação à meta 5.3, onde eles criticam as práticas nocivas, como a mutilação genital feminina, que é algo terrível e eu não estou colocando em disputa. Mas, ao mesmo tempo, temos que pensar porque essa prática, que é associada a culturas não ocidentais, é explicitamente reconhecida, enquanto outras, talvez tão terríveis quanto, como a designação sexual de pessoas intersexuais, não são. Então, mantidas as especificidades, estamos tratando de dois tipos de mutilação genital que vão influenciar a pessoa pelo resto da vida. Por que o segundo caso não é explicitado? Esse é só mais um exemplo do limite. Por outro lado, na prática, tem muito trabalho legal sendo feito, como, por exemplo, o Relatório Luz sobre os ODS desenvolvido no Brasil pela sociedade civil. Dentre as diversas associações que estão assinando esse relatório e promovendo os ODS, tem a Gestos, um grupo que trabalha com soropositividade – uma área muito relacionada às minorias sexuais. Então, não é porque elas não estão explicitamente reconhecidas que elas não vêm contribuindo e usando os ODS para os seus benefícios. Isso é importante registrar. Em relação às ações das organizações internacionais, eu logo penso na ONU Mulheres, que possui uma série de iniciativas desse tipo que não são, às vezes, muito explícitas. Mas a campanha Livres e Iguais do Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas, foi explicitamente voltada à população LGBTI para promover os seus direitos. Além de órgãos e campanhas específicas, existem também movimentos ativistas, agentes da sociedade civil e dos próprios Estados que promovem as suas agendas em outras instâncias. A exemplo da Revisão Periódica Universal, um mecanismo do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, feita com base em relatórios dos estados, do Alto Comissariado de Direitos Humanos, mas também da sociedade civil de tal Estado, que apresentam as suas situações de direitos humanos. Havendo discrepâncias, os estados têm que explicar os problemas e muitas vezes adequar as suas políticas. E isso também promove mudanças, porque o fato de você abrir um fórum onde a sociedade civil pode apresentar os problemas existentes e aí os estados têm que responder sobre a situação indesejada. Esse meio foi utilizado recentemente no Zimbábue, que no ano passado, em resposta a esse tipo de processo nas Nações Unidas, o Estado apoiou a recomendação de que a integridade corporal da população intersex deveria ser protegida e que deveria haver mais esforços para lidar com violência com base em gênero e sexualidade. Então tem essas diversas formas, tanto a partir de organizações internacionais, quanto da sociedade civil nesse espaço internacional dado pelas organizações para levar suas demandas e pressionar os estados.
Em relação à sua tese de doutorado, de que modo foi possível observar a cooperação internacional como um instrumento para a gestão pública subnacional?
A minha tese foi sobre ativismos LGBTQ+ no Zimbábue, e demonstra como os ativistas zimbabuenses buscam uma cidadania sexual plena, porque legalmente todos são cidadãos do Zimbábue, mas, na prática, não. Por serem tratados como moralmente inferiores, são considerados outros, como se não fossem parte da comunidade. E podemos observar isso desde políticas homofóbicas que declaram não haver homossexuais no país, de que isso seria uma doença de brancos, até práticas diárias quando as pessoas escondem quem são para as suas famílias pelo risco de serem expulsas, ou de terem que deixar suas igrejas porque se outros souberem da sua sexualidade elas não serão mais bem-vindas. Até mesmo temos casos de pessoas trans presas, mesmo sem ter cometido crime, mas simplesmente porque usaram um banheiro que se diz ser do gênero errado. Então estudei tudo isso, como esses ativistas resistem e demandam a sua cidadania, uma cidadania plena.
Analisei um filme, chamado Because I Am, criado por ativistas de vários Estados africanos que se juntaram na Inglaterra, muitos dos quais eram refugiados fugindo de seus países devido à perseguição pela sua sexualidade e o seu gênero. Esse caso demonstra como eles põem em prática o que Jean François Bayart chama de extraversão. Isto é, pressionar os governantes de seu Estado a partir de políticas internacionais. Nesse caso, atores do Zimbábue, assim como de outros estados africanos, que estão na diáspora e de lá se juntam para fazer algo que vai voltar e influenciar o governo de seu Estado, executando algum tipo de pressão. Isso é também, uma forma de cooperação subnacional. É também uma aliança transnacional, porque tem atores do Zimbábue, de Uganda, da África do Sul, Camarões. Então podemos identificar uma aliança pan-africanista nesse caso, atuando para denunciar a negação dos direitos das minorias sexuais em seus países.
O mesmo tipo de mobilização a gente também consegue identificar de outras formas, por exemplo, naquela linha que mencionei de uma série de organizações que usam o âmbito das Nações Unidas para formar suas agendas, a gente também tem no continente africano aquelas que usam a Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos. Nesse órgão houve uma abertura para a atuação de associações de minorias sexuais na figura da Coalition of African Lesbians (CAL) que atuou por um tempo como membro observador. Infelizmente, esse status foi depois retirado. Os ativistas estão usando muito o internacional. Mas o caso também demonstra que não é porque existem alguns avanços que nada vai retroceder. Como o caso dessa associação, que primeiro foi admitida na União Africana para observar essa Comissão de Direitos Humanos, e depois foi retirada. Assim como a questão dos direitos trans, que estão muito sob ataque nos países ditos desenvolvidos, por exemplo, na Inglaterra, onde pude ver em primeira mão como movimentos feministas radicais estão mobilizados contra a população trans. Tem um exemplo, um caso muito controverso, em que recentemente Isla Bryson, uma mulher trans, condenada por ser uma estupradora, não foi permitida ser presa num presídio feminino e foi mandada para um masculino. E temos que lembrar que mesmo que a pessoa seja uma estupradora, temos que retornar seus direitos humanos. Em comparação, em 2019 Jade September, mulher trans sul-africana que se encontrava encarcerada ganhou na justiça o direito de expressar sua identidade de gênero e ser transferida para uma prisão feminina. Isso mostra como a distribuição de direitos de minorias sexuais não é feita de acordo com perspectivas eurocêntricas que legitimam hierarquias internacionais que colocam o Ocidente como o ápice do desenvolvimento humano. Também mostra como não há só avanços, tem também retrocessos, e por isso temos que continuar lutando e buscando sempre o respeito dos direitos humanos de todos.
O uso do internacional e a formação de alianças internacionais é benéfica, porque consegue fazer pressão sobre o governo, também quando a gente pensa em movimentos com poucos recursos, como normalmente é o caso de países africanos, com parcerias com atores do norte desenvolvidos. Como a Hivos, uma organização que apoia muito esses atores subnacionais com a promoção da agenda das minorias sexuais, sendo apenas um exemplo dentre várias que contribuem para essa situação, através até do financiamento, por exemplo. Há também agências de cooperação governamentais que contribuem com isso, e são importantes, pois oferecem recursos necessários. No entanto, essas alianças às vezes são um problema, porque quando pensamos no contexto africano, onde existe o discurso de que a homossexualidade é algo de brancos, trazido para o continente com a colonização, a partir do momento que existem essas alianças, isso pode ser usado nos discursos de atores homofóbicos para dizer: “Está vendo? Eu avisei! Isso tudo é parte de uma conspiração neoimperialista, eles estão tentando trazer esse modo de vida para cá para destruir a gente.”
O aspecto internacional das políticas sexuais tem uma série de dimensões interessantes, como as discussões de religião, por exemplo. Em Uganda houve uma influência muito forte dos conservadores norte-americanos na promoção dessa agenda de homofobia e transfobia. No entanto, ao mesmo tempo que existe essa pressão de igrejas de países ricos com seus recursos, também há um movimento de abertura dessas igrejas, como as posições do Papa Francisco tem promovido, que são extremamente progressistas dentro dos limites da igreja católica. A igreja anglicana também está num momento com tensões muito fortes, de um lado para o reconhecimento de unidades homoafetivas e, por outro lado, para que isso não ocorra. E com base nisso, tem um movimento forte de igrejas em vários estados africanos que identificam o sul global como o epicentro a moral cristã atualmente. Seguindo a que coloca o homossexual como o símbolo da degeneração afirmam que as igrejas que estão se abrindo para as minorias sexuais estão se degenerando. Nesse sentido, temos elites pós-coloniais que chamam para si o papel de oferecerem um norte moral. Esse é um debate interessantíssimo, de como essas igrejas são atores que também estão fazendo política internacional. E demonstra como, de uma forma perversa, a partir da intersecção de políticas sexuais e da colonialidade, podem surgir discursos que, por um lado, buscam uma sociedade internacional mais equitativa porque são contra a dominação imperial. Mas, ao mesmo tempo, usam discursos anticoloniais para reprimir suas populações e muitas vezes reafirmar ideais que foram inicialmente promovidos por políticas coloniais como seus. É um caso que mostra como as diferenças não apenas se cruzam, elas são emaranhadas.