Antônio de Fátima Elizeu de Medeiros – Coordenador Geral
Graduado em Engenharia Civil.
Missão: exercer a função primordial de coordenar e supervisionar a execução de todas as atividades previstas no Programa, atuando também como principal interlocutor da Prefeitura Municipal com o BID.
O Programa de Desenvolvimento Urbano Integrado e Sustentável do município de João Pessoa foi criado para promover o desenvolvimento social, econômico e ambiental da cidade por meio da redução das desigualdades, da modernização dos instrumentos de planejamento urbano, da prestação de serviços e da administração pública e fiscal. (PREFEITURA MUNICIPAL DE JOÃO PESSOA, 2023)
O Programa conta com um investimento total estimado em US$ 200.000.000,00 sendo US$100.000.000,00 financiados pelo BID e US$ 100.000.000,00 em contrapartida da Prefeitura. (PREFEITURA MUNICIPAL DE JOÃO PESSOA, 2023)
Ademais, o João Pessoa Sustentável é uma aplicação da metodologia Iniciativa Cidades Emergentes e Sustentáveis (ICES) no território da capital paraibana. De acordo com Plano de Ação do Programa João Pessoa Sustentável (2014), a “Iniciativa Cidades Emergentes e Sustentáveis (ICES) nasceu no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em 2010 como um produto de conhecimento, e se apresenta como uma resposta aos cidadãos da América Latina e Caribe (ALC) diante dos enormes desafios de construir cidades melhores para se viver”, explica a Representante no Brasil do BID, Daniela Carrera-Marquis. Sendo assim, a implementação da metodologia ICES na capital paraibana ressalta o papel das Organizações Internacionais (OIs) na difusão de políticas públicas para entes subnacionais.
A seguir, confira na íntegra a entrevista do IDEF com o Coordenador Geral do Programa, Antônio Elizeu.
Sabemos que o JP Sustentável surgiu de uma parceria entre a Prefeitura de João Pessoa e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em 2018. O Programa surgiu com o objetivo de promover o desenvolvimento social, econômico e ambiental da cidade. Além disso, destaca-se que o JP Sustentável é uma aplicação da metodologia da Iniciativa Cidades Emergentes e Sustentáveis (ICES) do BID na cidade de João Pessoa. Você pode comentar de que forma a experiência de outras localidades no Brasil e na América Latina com a metodologia incentivaram a Prefeitura a aderir à ICES?
Primeiramente, muito obrigado pela pergunta e pela oportunidade da gente falar um pouco sobre esse programa. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) começou a se preocupar com as cidades que estavam chegando à marca de 1 milhão de habitantes. Existe como se fosse um saldo entre as cidades que tem até 1 milhão de habitantes e as cidades que ultrapassam esse número. Eles acham que, de acordo com estudos, elas têm a grande chance de se tornar uma cidade inteligente, cada vez mais humana, ou de se tornar uma cidade onde as coisas não irão acontecer de forma organizada. Se tornarão um problema muito sério para seus habitantes, para o próprio país e, por que não, para as questões ambientais do mundo. Hoje, uma das coisas mais importantes é a Governança Social e Ambiental que está em quase toda parte do mundo. Então, João Pessoa, por ser uma cidade que estava chegando dentro dessa marca de 1 milhão, desde 2016 vem trabalhando para ser classificada e para conseguir ser elegível para esse programa. Em 2018 conseguimos esse feito. Entretanto, durante o primeiro ano a cidade não conseguiu realizar muita coisa. Entre 2019 e 2020 tivemos a pandemia. Quando entramos no atual governo nós estávamos com um programa imenso, com grandes desafios, pois temos o lado social mas também há o lado ambiental e também a mobilidade da cidade. Ademais, tinha, também, a questão da gerência da cidade, que é a prefeitura. Como diminuir toda a burocracia, como agilizar os processos e se tornar uma smart city? Nós sabemos que quem é mais prejudicado com a burocracia é o pobre, pois ele paga mais caro, tem que pegar ônibus para ir até os postos de atendimento e, muitas vezes, perde um dia de trabalho para fazer isso, ou seja, são muitas complicações. Então, por quê não permitir ao cidadão ter a cidade na mão, literalmente? Seria possível entrar com todos os processos e acompanhar sem ter que ir na prefeitura. Mas, para isso, é necessário investimento e modernização. Nós precisamos de duas coisas: primeiro, para que essa modernização aconteça, nós precisamos das ferramentas. E quais são elas? Os computadores, os programas e um Data Center que conseguisse captar e organizar todas essas informações em um só lugar, para que com isso se possa, no smartphone, saber como está o processo. É o papel zero. O papel zero é ecologicamente melhor, já que quanto menos papel menos árvores serão destruídas, isso é um fato. Mas além disso, você evita o acúmulo de documentos e a necessidade de dar entrada em novos, já que você pode acompanhar todos os seus processos pelo computador. Ganhamos, também, em eficiência. Isso é importante, pois é possível observar quanto tempo está demorando em cada setor e em cada departamento. Assim, é possível acompanhar e cobrar que os prazos sejam cumpridos e isso faz com que todos se mobilizem para melhorar a qualidade no atendimento.
Além disso, todas as cidades, de 10 em 10 anos, precisam apresentar um novo plano diretor. No caso de João Pessoa, a cidade já estava há 12 anos sem um plano diretor. è nesse documento que dizemos “como eu vou morar nessa cidade? Como eu quero que minha cidade seja amanhã e daqui há 50 anos?”. O banco financiou e está sendo feito por várias mãos e em várias audiências o novo plano diretor de João Pessoa. O plano apresenta o que queremos para João Pessoa. Isso é muito importante, pois a população é ouvida, ajuda a tomar a decisão do que e onde será construído, onde não pode ter construção e onde não pode, onde é a zona rural, onde é que vai ser deixar de ser zona rural, etc. Então, tudo é estudado, debatido e levado à Câmara. Mas, é claro, há custos. O programa João Pessoa Sustentável na verdade é de 200 milhões de dólares. 100 milhões eram do Banco e 100 milhões da Prefeitura. Nós estamos fazendo uma mudança nesse orçamento e a parte da Prefeitura passará a ser 59 milhões ao invés de 100 milhões. É preciso lembrar que temos um lado mais pobre, o Banco é o lado muito mais rico.
Quanto ao lado social, a atuação, pelo programa cidade inteligente, será nas imediações do Rio Jaguaribe. Esse é um rio que corre no espaço urbano de João Pessoa e grupos de baixa renda passaram a ocupar suas margens. É como se a cidade tivesse dado as costas ao rio e as pessoas mais empobrecidas encontraram aí espaço para construir suas comunidades. O rio tem 15km de extensão. Ao longo desses 15 km nós temos um grande problema, pois aproximadamente 6.700 km desse rio é uma área muito densamente ocupada. Estamos trabalhando com 2,5 km primeiro. Nesse trecho existem 8 comunidades e já é possível perceber a poluição do rio. Não só pela falta de saneamento das comunidades, mas, também, pelos bairros do entorno que têm despejos diretamente no rio. O rio está morrendo, pois um rio morre quando fica poluído. Nós vamos tratar o rio para despolui-lo. Contudo, temos que ter a visão das pessoas que estão lá, em uma área de risco, de risco de vida. Com as mudanças climáticas, que afetam o mundo todo, ocorrem grandes enchentes e, as casas daquelas pessoas são inundadas. Há casas construídas precariamente que caem, provocam acidentes e as inundações trazem doenças. Então, pensamos nisso também. São 8 comunidades, com 2000 famílias. Dessas 2000 famílias, as que estão em área de risco são 830 famílias. Essas pessoas têm vida nesse local, moraram ali e cresceram ali. Como abordá-las e dizer que estão em uma área de risco? Não é fácil, pois estamos lidando com vidas. Então a prefeitura teve todo cuidado. Foram desapropriados terrenos na região, para não mudar drasticamente o habitat daqueles que vivem ali. Por exemplo, para que o filho que está em uma creche possa continuar na mesma creche. Na Beira Rio há três terrenos, onde serão construídas 740 unidades para essas famílias, atendendo suas situações particulares, seja uma família pequena ou uma família grande. Dessa forma é possível dar dignidade a essas pessoas, que vão sair de uma área de risco – uma área extremamente vulnerável – para uma nova residência sem custos. Elas terão a regularização fundiária, ou seja, sua escritura. Claro que há cuidados para não haver vendas e repasses,afinal esse investimento é com dinheiro de toda a sociedade. Mas não é apenas essa modalidade, há outros tipos como a compra assistida. Essa é uma modalidade que já deu certo, o Banco Mundial já usava isso. Existe também a possibilidade de construir dentro da própria comunidade, em áreas que não estão em risco. Nosso propósito não é retirar as pessoas da comunidade, mas salvar vidas de quem está em área de risco. Essas 850 pessoas vão escolher uma dessas modalidades. As pessoas que vão ficar, nós vamos reorganizar os bairros e as comunidades, prover saneamento básico, pavimentação, água e luz, para que isso dê dignidade a elas e evite a poluição do rio. Para isso, nós precisamos nos aproximar das comunidades. Para saber, também, quem não é da comunidade, mas está poluindo o rio. Não podemos pensar que só as comunidades estavam poluindo o rio. Primeiro, nós damos condições às pessoas que não têm condições. Depois, exigimos daquelas que têm condições que deixem de poluir o rio. Uma coisa é você dar condição à comunidade, outra coisa é você exigir daqueles que têm condição que parem de usar o rio como depósito de dejetos não tratados. Ao final, as 2000 mil famílias terão sua regularização fundiária. Eles vão ser donos, proprietários daquelas casas que eles já moravam ou das novas, mas, todos com melhores condições de vida. É algo muito bonito, estamos construindo com eles dignidade e cidadania. Depois de cuidar das pessoas, aí sim, poderemos cuidar do rio. O plano é fazer um parque no rio para dar qualidade de vida às pessoas e reviver o rio. Aquelas pessoas que estão ali na sua comunidade, e as pessoas de João Pessoa, que quiserem passear em um parque, poderão fazê-lo. E se indagarmos: “E quando chover?”. Sim, a água vai subir de novo, e depois volta para o leito do rio, porém não tem mais risco de vida, pois tudo que está na margem foi retirado. Vamos construir esse parque, mas há algumas pessoas que vamos precisar ter cuidado, no que diz respeito às suas condições de vida. Elas viviam de quê? A universidade está trabalhando junto conosco para criar condições de vida. Não adianta apenas dar a casa. Então, nesses conjuntos habitacionais algumas pessoas viviam de, por exemplo, cabeleireiros. Ele terá o seu estabelecimento. O mesmo vale para aquelas pessoas que vivem de reciclagem. Para elas teremos a formação da cooperativa. Uma costureira, por exemplo, também terá o cantinho dela. Isso dará dignidade e fará parte do programa. O programa não se preocupa apenas em melhorar a prefeitura, em dar condições da prefeitura ter agilidade e diminuir a burocracia, mas principalmente esse lado extremamente humano, um lado que precisamos ter muito mais cuidado, pois estamos falando de pessoas. Para isso, nós construímos meios de participação popular, em que a pessoa diz seu problema. São mais de 800 pessoas e cada uma é uma vida, cada uma tem uma história. Estamos tendo muito cuidado ao fazer isso. É bem difícil? Sim, estamos trabalhando com vidas.
Quanto ao parque, ele será um parque da cidade, mas o mais beneficiado será quem está na beira do rio, pois terá condição de criar seus filhos, eles vão poder brincar em um parque saudável, totalmente horizontal. Não será construído nada de prédio, pois o rio invadir quando chegar as enchentes máximas. O que você tira do rio, ele toma de volta quando vem as enchentes. Por isso precisamos despoluir o rio. A água limpa, saudável, e traz saúde. Estamos atuando, também, no antigo Lixão do Roger. Esse espaço tinha 330 hectares. Essa área estava há muitas décadas sem cuidado, era apenas um ambiente de lixo. Fizemos estudos para toda a área e ela não está poluída. Nesse local, também, será feito um grande parque,. A cidade de João Pessoa é uma cidade que tem muito esporte ao ar livre, então colocaremos trilhas lá dentro e vamos fazer campo de esporte. O Roger, que antes era um lixão, será um grande parque.
Vamos, com esse parque, ganhar recursos porque o município começou a ter crédito de carbono. Assim, cada vez que tornamos a cidade mais verde, mais saúde teremos e vamos nos habilitar a ter financiamento externo dos créditos de carbono e preservamos a natureza. O mais importante é a saúde das pessoas, vamos viver em uma cidade mais saudável. Isso também está dentro do programa. O lado social e o lado ambiental estão muito conectados, atuando juntos. Outra coisa extremamente importante é que vamos criar digitalmente o centro de cooperação da cidade. Basicamente, todas as informações das secretarias, tudo será interligado em um único lugar. Disponibilizando, assim, dados da cidade. Quanto mais transparente for a cidade, mais independente é o cidadão. Na saúde, até os exames médicos, por exemplo, também poderão ser armazenados nessa base de dados e as avaliações dos usuários dos serviços de saúde para sabermos se o médico estará lá atendendo bem. Outra ação será a colocação de todas as sinalizações modernas dentro de João Pessoa, com câmeras e centralizadas na Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana (SEMOB) e interligadas aos setor da saúde, o setor educacional e o setor administrativo. Assim, por exemplo, se você pedir uma ambulância, ao sair o motorista já saberá para qual hospital deve se dirigir. Ele já se comunicou com o hospital e já sabe que o hospital tem vaga. Se for uma emergência, já comunica o sistema de trânsito e o sinal abre para a ambulância. Com isso, ganhamos tempo, e tempo nesses casos, é vida. Isso também está dentro do programa. O programa é vasto, tem vários outros aspectos, mas eu acho que as coisas mais importantes é esse lado de que todos nós vamos desfrutar independente da condição social.
O Programa JP Sustentável também tem realizado diversas parcerias no nível internacional para desenvolvimento de políticas públicas de combate à pobreza e desigualdade social na capital paraibana. Uma dessas experiências foi o recente financiamento da Espanha para a Urbanização e revitalização das margens do Rio Jaguaribe e a Reestruturação do transporte público e reabilitação da Região Central. Como se deu esse financiamento e qual a sua importância para o desenvolvimento do programa?
Vamos dividir essa pergunta em duas partes. Quanto ao Rio Jaguaribe, esse primeiro financiamento do BID, ia se preocupar com esses 2,5 km, que vai da Pedro II praticamente até a Beira Rio. Mas, nós temos mais 2km que estão entre a Beira Rio e a Ruy Carneiro, que não tem habitação. E, ainda, depois da Avenida Ruy Carneiro nós temos mais 2,7 km que tem a Comunidade São José, que já foi trabalhada, mas hoje também têm problemas. Nós apresentamos esse Programa [João Pessoa Sustentável] à Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECID). Entre todos os programas que concorriam para o financiamento, nós conseguimos ser eleitos com dois programas, entre eles, o programa de reabilitação do Rio Jaguaribe. No Brasil apenas João Pessoa foi premiada com o financiamento. A AECID vai financiar os projetos, mas também vai nos habilitar para conseguirmos outros financiamentos para a execução. Assim, estamos sendo capacitados para conseguir fazer o Projeto, para que esse projeto ganhe espaço e atraia outros investidores. Temos a experiência da cidade de Medellín (Colômbia), que vivenciava um grave problema social, mas hoje é um modelo de gestão, outros exemplos são da Guatemala e de Lima (Peru). O governo do estado já ia fazer dois grandes corredores de mobilidade aqui [em João Pessoa]. Na verdade, os corredores de João Pessoa são quatro, e dois já eram financiados pela Agência Francesa de Desenvolvimento por meio de empréstimo ao governo do estado. Mas nós precisávamos fazer os outros dois, ou não ficaria completo. O plano é chegar é ter quatro grandes corredores de mobilidade (Pedro II, Epitácio Pessoa, Cruz das Armas e Avenida Dois de Fevereiro). Assim, vamos chegar até o centro da cidade e modernizar o sistema de transporte. Os passageiros vão poder descer no centro da cidade e alugar uma bicicleta, para rodar na cidade. Além disso, as pessoas terão mais acessibilidade. No centro, teremos ruas sem carros e compartilhadas entre outros modais de transporte. A energia será toda embutida, teremos micro ônibus elétricos. Teremos corredores só para ônibus que serão muito mais ágeis. Ganharemos agilidade no transporte público e vamos diminuir a poluição e ter mais qualidade de vida. Vamos, assim, revitalizar o centro de João Pessoa.
Olhamos a experiência de Medellín (Colômbia), as experiências do Peru, do El Salvador, etc. São vários locais que estamos estudando e formando equipes de trabalho conjunto. Por fim, também daremos continuidade ao programa de revitalização do Rio Jaguaribe que já expliquei. Chegaremos até a Beira Rio e vamos partir desse ponto até o fim do curso do rio com o novo financiamento da AECID, buscando atrair investimento que pode ser do BID ou da AfD.