Na busca por soluções inclusivas e sustentáveis para os desafios socioeconômicos contemporâneos, a Economia Social e Solidária emerge como uma alternativa promissora. Exploramos o tema e discutimos os desafios e oportunidades no Brasil, o papel das universidades nesse contexto e exemplos de políticas públicas internacionais. Para isso, entrevistamos o professor doutor Leandro Pereira Morais, um renomado economista, com doutorado em Economia Social e do Trabalho pela UNICAMP. Sua experiência abrange Economia Brasileira, Políticas Públicas e Desenvolvimento Territorial. Com passagens pelo CESIT/UNICAMP e consultorias para organizações como a OIT/ONU. Ele lidera o Grupo de Pesquisa NEPESC na UNESP, sendo reconhecido como uma autoridade no campo da Economia Solidária, Criativa e Cidadania. Esta conversa revelou como a Economia Solidária pode promover um futuro mais justo e sustentável.
Conte-nos sobre sua trajetória e qual a relevância da Economia Social e Solidária para o desenvolvimento das regiões?
Eu sou professor de economia, no departamento de economia, de uma importantíssima universidade, que é a UNESP, Universidade Estadual Paulista, de Araraquara. Bom, em quase todos os cursos de economia, a gente aprende lá no primeiro semestre, uma definição limitada – para não dizer equivocada de economia – que economia é ciência, que estuda a forma de maximização da produção e do lucro, por outro lado, do bem-estar e do consumo. Essa visão traz a ideia que você pode fazer tudo: usar trabalho infantil, trabalho precário, poluir o meio ambiente, para ter o desenvolvimento econômico.
No contexto atual temos avanços materiais importantes, como a revolução tecnológica, só que os produtos e os resultados desse processo não chegam à grande maioria das pessoas. A gente vive um contexto de concentração de riqueza, de muita desigualdade, de relações de trabalho bastante nocivas para a questão social e para a questão ambiental. Além disso, as relações de produção e de consumo estão levando a mudanças climáticas, que é fruto de uma relação desmesurada do homem com a natureza, que intensifica os problemas naturais.
Então a economia social e solidária aparece não como algo que vai salvar o mundo todo, mas como uma alternativa importante, já real e existente, de um modelo de produção e de consumo, e de relações de trabalho, de relações entre as pessoas, que coloca o tema da inclusão socioeconômica para além da geração de trabalho em renda, que coloca o tema da sustentabilidade ambiental para além da geração de valor econômico. Ou seja, ela é um elemento, uma ferramenta, um mecanismo de produzir riqueza de um lado, mas também de olhar de uma forma diferenciada para a questão social e ambiental.
É possível ver países com realidades de economia social e solidária diferenciadas. Cada região, cada país tem a sua definição, tem o seu olhar. No Canadá, França, países avançados, a economia social tem uma outra perspectiva, mas ela vai além da inserção de grupos desfavorecidos, é uma opção de um modelo de desenvolvimento, de produção, de consumo, etc.
Na sua visão, quais são os principais desafios enfrentados por essa economia solidária no contexto brasileiro, e quais são as oportunidades que podem ser exploradas para o fortalecimento desse movimento?
Atualmente, a economia solidária no Brasil vivencia um momento de reestruturação. De 2002 a 2013, tivemos um momento de efervescência da economia solidária no Brasil, que pôde vir das políticas públicas. Depois de 2014, teve uma decadência, do ponto de vista de orçamento, de olhar de importância para a política pública de economia solidária. Agora, o tema está num momento de reestruturação da Secretaria Nacional de Economia Solidária. Então, as oportunidades que se abrem, assim como os desafios que se colocam, são enormes.
Reestruturar uma política pública, aos moldes do que se tentou fazer e do que se deve fazer com a economia solidária, que deve ser transversal, ou seja, conversar com vários outros segmentos, que deve ser uma política institucional de Estado e não de governo, exige força política e exige também orçamento para isso. A realidade de hoje é a de reestruturação dessa política, redinamização das redes, dos movimentos sociais e populares que estão juntos nesse processo, o que abre oportunidades com necessidade de grande esforço.
Quais instituições você considera relevante para esse momento de construção de políticas públicas voltadas para a economia solidária? Que papel as instituições acadêmicas podem desempenhar nesse processo?
O ecossistema da economia solidária é formado pelas cooperativas, as associações, os bancos comunitários, os entes, os atores, que estão no território juntamente nesse processo. Também entram o setor público, o setor privado, os sindicatos, as associações representativas de classe e as universidades. Eles devem ser dinamizados, instigados, estimulados de forma unida.
O papel da universidade é fundamental em todos os seus entes. Já que os pilares da universidade são o ensino, a pesquisa e a extensão, o que possibilita o desenvolvimento da temática de Economia Social.
Eu tenho acompanhado colegas de várias universidades em todos os continentes trabalharem com esse tema. O ensino vem crescendo e o interesse vem crescendo. No campo da pesquisa, desde a iniciação científica até projetos de doutorado, estão trabalhando muito esses temas nas suas diferentes vertentes, com seus diferentes olhares e perspectivas. No campo da extensão, os projetos que envolvem economia social e solidária vão permitir um espaço muito amplo de atuação da universidade. Isso permite uma troca de saberes e de fazeres muito interessante, que vai permitir que a universidade contribua para o fortalecimento desses empreendimentos, fazendo ali serviços em âmbito das consultorias, assessorias econômicas, de gestão, de comercialização.
Além disso, a universidade vai ganhar muito em aprender, tanto a universidade, quanto os alunos extensionistas. A existência dessa realidade de práticas é extremamente interessante. Isso não é fácil de ser feito, mas abre oportunidades para grandes potencialidades.
Você tem um exemplo de algum governo que tenha usado essas iniciativas de extensão para poder levar a economia solidária para dentro de sua política?
Sim, na UNESP de Araraquara, eu coordeno, junto com outro professor da administração pública, o professor Sérgio Fonseca, o NEPESC, que é o Núcleo de Extensão Pesquisa em Economia Solidária, Criativa e Cidadania. Nós trabalhamos de forma direta com a Prefeitura Municipal de Araraquara. Então, existe uma reciprocidade muito grande entre o que eles fazem, e a gente faz o que a gente faz, que é apoiar, por exemplo, os empreendimentos de economia solidária de Araraquara e região.
Então, por exemplo, fruto de conversas, a Prefeitura e a Secretaria, ligada ao trabalho, renda e, por sua vez, a Coordenadoria de economia solidária criativa, criaram as incubadoras públicas de economia solidária de Araraquara. Existe uma retroalimentação entre a política pública que eles desenvolvem e as recomendações ou as sugestões que nós, ali, através dessa troca de saberes, também contribuímos.
Por exemplo, tem uma associação de mulheres que produzem muita coisa ligada à padaria, de um assentamento rural. Então, a gente faz ali formação com elas para atuarem nos conselhos da administração, conselho de economia solidária, conselho de educação, conselho da mulher, conselho do trabalho, e elas ali colocam as suas demandas de uma forma mais elaborada e isso vem apresentando resultados positivos. Ou seja, elas são protagonistas de um processo de formação da política pública também. É muito importante que essas ações não fiquem só no campo das ideias, mas que também vá para a parte real e prática.
A partir da sua experiência internacional, como a economia social é tratada dentro da agência global e como que o surgimento da UNTFSSE impactou essa temática internacionalmente?
A Organização Internacional do Trabalho, a OIT, é um braço da ONU, onde a gente realizava as Academias Internacionais de Economia Social e Solidária que permitiu criar uma rede global formada por pesquisadores, por praticantes e por representantes de governos de todos os países signatários da ONU e isso nos permitiu, no ano passado, que se aprovasse a primeira resolução sobre a economia social e solidária na história da ONU.
A ONU reconhece que tem uma ligação com o fortalecimento das organizações de economia social e solidária, já que essa é uma pauta ligada aos ODS, que é uma agenda global – agenda 2030. Hoje, podemos dizer que nós conseguimos um espaço de internacionalização institucional da economia social e solidária, e agora precisa sempre aprimorar, avançar, sensibilizar os países, os governos signatários que de fato coloquem nas suas agendas essa temática.
Existem iniciativas específicas que se destacam como eficientes e eficazes nesse desenvolvimento da economia social e solidária?
Bom, primeiro eu cito a Espanha, que tem como vice-presidente da Espanha uma ministra do Trabalho e da Economia Social e, por isso, ela coloca em pauta o fortalecimento da economia social e solidária.
Outro exemplo importante é a França, que criou o Ministério da Economia Solidária, sinalizando a importância que o tema tem para a política do governo. Muitas coisas estão acontecendo no país, do ponto de vista de criação, de institucionalização, de fundos e de apoio. Outro exemplo é a região do Quebec, no Canadá, que tem um apoio da economia solidária muito grande: 85% das pessoas nos negócios estão envolvidos com cooperativas. E outro caso muito legal, é o exemplo da Coreia do Sul. A Coreia do Sul vem avançando e vem investindo muito na política de economia social solidária, de empresas sociais, de forma muito séria e muito detalhada, atenciosa a este campo de ação e de realidades. Então, se fosse para olhar algumas experiências internacionais, eu olharia essas para se ter uma ideia da relevância que esses países, que são países desenvolvidos, estão dando para a economia social solidária.
A Assembleia Geral das Nações Unidas, ela aprovou uma resolução sobre a economia social solidária para o desenvolvimento sustentável em abril de 2023, ano passado, e aí eu queria escutar um pouquinho do que você pensa sobre essas resoluções e quais são as expectativas?
Bom, foi fruto de muito esforço político, diplomático, acadêmico, que envolveram várias pessoas. Essa aprovação foi positiva porque reconheceram a relevância deste tema. Ainda há desafios, porque não basta só existir uma resolução, é preciso encontrar fundos de apoio para que isso ocorra de fato, e isso tanto dentro do sistema ONU, quanto dentro dos países signatários. Então acho que vai por aí os grandes desafios, ampliar os fundos econômicos de apoio a estes empreendimentos, a estas políticas.
De que forma esse ambiente internacional, essas instituições, de forma geral, podem contribuir para auxiliar os governos locais, as prefeituras, no desenvolvimento da economia solidária em seus territórios?
Olha, de muitas formas. O primeiro é sensibilizar os que tomam o poder de fazer a decisão e fazer com que a economia solidária não seja algo pontual, mas sim conectada com a educação, com a saúde, com a alimentação, com o trabalho, com a cultura, porque ela tem esse poder de transversalizar.
Uma cooperativa, por exemplo, da agricultura familiar que produz produtos agroecológicos, além de vender esses produtos e ter um retorno financeiro, ela também está lidando com a questão ambiental, porque ela está usando técnicas de produção, de cultivo agroecológico. Ela também tem a ver com a saúde, porque são comidas mais saudáveis do que as que usam agrotóxicos, ela também tem a ver com a cultura, que é essa cultura do bem, essa cultura saudável, etc. Então esse poder de transversalidade deve ser muito fomentado quando se pensa nessa questão.
A outra questão é que a gente tem que avançar no sentido de quantificação dos resultados e, também, ter um mapa muito claro das fragilidades desse processo. É preciso detectá-las para poder agir no sentido de minimizá-las e enfrentá-las. É nesse ponto que o poder público tem que estar em constante relação com a universidade e vice-versa. A universidade também deve fomentar essa relação e, consequentemente, junto com os movimentos das pessoas ali participantes, os cooperados, os dirigentes de cooperativas, de associações, tenham voz ativa no processo de co-construção dessas políticas, porque são eles que mais entendem das demandas sociais, econômicas, culturais que o território apresenta. Ou seja, é preciso ter um olhar atento aos resultados de forma bem participativa.