Em entrevista ao IDeF, Milan Adhikary (W-PLUS) fala sobre o acesso à água e saneamento no Nepal

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Dra. Milan Adhikary é PhD em Economia Agrícola. Possui mais de 25 anos de experiência em pesquisa e desenvolvimento, especificamente em agricultura, recursos naturais e questões transversais de gênero, trabalho infantil, mudanças climáticas, e água e saneamento. Trabalhou em agências internacionais e da ONU e, no momento, atua como consultora freelancer. É membro fundador da W-PLUS e está envolvida de forma voluntária desde sua criação. Desde 2021, atua como presidente da organização.

A participação da comunidade é essencial na solução de problemas enfrentados socialmente. No caso do acesso à água, a realidade não é diferente. Apesar da vasta disponibilidade de recursos hídricos, o Nepal sofre pela dificuldade que algumas regiões têm de conseguir acessar tais recursos. A mortalidade infantil é uma dura realidade, devido ao pouco acesso à água potável e saneamento básico. Sendo assim, a W-PLUS, em parceria com a sociedade civil local, por meio da Friends of Sankhu, entrou em contato com as pessoas da comunidade que enfrentam o problema.

O projeto articula diversos atores em prol do desenvolvimento local e foca na participação e liderança feminina em relação à água, saneamento e desenvolvimento sustentável. O W-PLUS é um dos membros parceiros da rede WfWP (Parceria Mulheres pela Água). A WfWP possui uma longa trajetória na comunidade internacional e busca posicionar as mulheres enquanto agentes de mudança sobre a água. A articulação entre W-PLUS e WfWP começou como um projeto sobre o acesso à água na vila de Sankhu, no Nepal, por meio da Friends of Sankhu, uma Organização Não Governamental (ONG) que trabalha desde 1998 com grupos de mulheres visando o empoderamento de comunidades. A associação promoveu a liderança comunitária no gerenciamento dos recursos hídricos e sanitários, desenvolvendo habilidades na população local para identificar os problemas e mobilizar a comunidade em torno dos mecanismos que levem à soluções.

O IDeF conversou com a Dra. Milan Adhikary, presidente da W-PLUS, para entender melhor as estratégias implementadas para combater o problema de acesso aos recursos hídricos em Sankhu e de que maneira a articulação local com organizações internacionais pode ajudar a promover caminhos mais eficientes para os desafios coletivos.

IDeF: Você pode começar falando um pouco sobre a parceria entre WfWP e a W-PLUS?

Milan Adhikary: A W-PLUS é uma associação de grupos de mulheres em diferentes disciplinas como agricultura, silvicultura, água e saneamento, incluindo outros trabalhos sociais. Começou em 1997, em Catmandu, como uma plataforma para jovens profissionais, graduando em áreas como o setor de agricultura e silvicultura. O crédito vai para a Winrock International, que deu a plataforma para esses jovens. Então, uma vez que eles terminam a universidade e conseguem o diploma, não possuem experiências. Geralmente, é muito difícil conseguir emprego sem experiências. Por meio de um estudo, a Winrock International veio com evidências de que a maioria dos formandos estavam desempregados. Percebendo isso, pensou em construir capacidades dos jovens graduados, para que fossem expostos à experiências, para ter maior instrução, e irem atrás de empregos.

O que eles fizeram foi estabelecer a W-PLUS como uma organização registrada, porque antes era um grupo mais solto, providenciando espaço e apoio em seu escritório para criar uma plataforma para a troca de experiências entre os jovens graduados. Para começar, a Winrock International nos deu recurso inicial para ser usado para a construção de capacidades ou fazer mais coisas de maneira voluntária. A W-PLUS se estabeleceu dessa forma e depois cresceu com mais e mais estudantes chegando, e de fato forneceu experiências a eles, tornando a busca por emprego bem mais fácil. Então, o que nós passamos a pensar foi sobre a geração de recursos como capital inicial. Devíamos fazer algo, alguns projetos, para que continuássemos apoiando jovens meninas.

Foi assim que um de nossos membros nos conectou à Parceria Mulheres pela Água. Ela estava fazendo mestrado nos Países Baixos, no setor de irrigação, e então teve uma conferência em que ela nos contatou, para solicitar adesão à iniciativa. A WfWP nos ajudou providenciando um auxílio de €5.000 por um projeto sobre água, por ano. Assim, começamos os nossos projetos, como intercâmbio para aprender as boas práticas em água e saneamento por um programa de visitas de exposição ao Sri Lanka e ao Nepal. Junto com nossos membros, visitamos uma ONG membro da WfWP no Sri Lanka, a Net Water Partnership, que também veio ao Nepal. Tivemos a oportunidade de aprender boas práticas para resolver a escassez de água.

IDeF: Como o projeto começou, quais são os critérios para a seleção das cidades e como se deu o contato com gestores e a comunidade local?

Milan Adhikary: Na vila de Sankhu, as mulheres têm dificuldade de acesso à água, porque elas precisam viajar longas distâncias em que enfrentam vários riscos, como o de acidentes no caminho, porque fica nas colinas. No Nepal, são as mulheres e meninas que são responsáveis por buscar água. Na época de chuvas, forma-se uma estrada de barro, que fica escorregadia, em que elas podem cair e se machucar. E no pior caso, podem acontecer abusos ou coisas semelhantes.

Identificamos essa área por meio de uma parceria com a organização local Friends of Sankhu, que compartilhou a questão de água e saneamento, e que verificamos por meio da revisão de uma base de dados do governo. Eles possuem o maior número de pessoas traficadas e de pessoas que migram em busca de trabalho. Então, pensamos em trabalhar com essa área, em parceria com a organização local Friends of Sankhu.

“Para alcançar as comunidades locais, é sempre melhor ter contato com as organizações locais que possuem um bom retorno lá. Com esse contato, identificamos o problema da escassez de água potável.”

Quando a WfWP pediu uma proposta, enviamos o projeto.

“Nós tomamos conhecimento de que construir um tanque de água na comunidade seria de grande ajuda. A água viria do riacho que desce da colina, e então seria coletada pelo tanque subterrâneo permanente.”

Com isso, começamos a construir as capacidades nos grupos de mulheres, e os que seriam usuários dessa água, conscientizando a importância de economizar água e torná-la saudável. Naquela época, guiamos eles com a preparação do plano de ação para manter a água e o saneamento. Começamos a construção do tanque em 2012.

IDeF: Quais foram as dificuldades enfrentadas na implementação? Relacionadas aos recursos hídricos, estrutura para saneamento, atuação conjunta com os gestores e a população local?

Milan Adhikary: Em 2015, tivemos um enorme terremoto que gerou muitos danos. Por algumas semanas, ficamos sem telefone, desconectados. Todos os postes e fios foram danificados. Depois de algum tempo, a WfWP demonstrou preocupação com a nossa situação e com o projeto que eles apoiavam. Conversamos com o pessoal da Friends of Sankhu e eles disseram que ninguém conseguia acessar a área, porque não havia estrada alguma, todas foram varridas. Nos disseram que poderiam fornecer mais informações quando voluntários ou a polícia fossem limpar a área.

Depois, soubemos que o tanque também estava danificado, havia vazamento devido a algumas rachaduras. Informamos a WfWP quando passou a ter uma forma fácil de acessar a área. Conversamos com a comunidade local para ver que tipo de apoio eles precisavam. A comunidade sugeriu que deveríamos reparar o tanque e então, nos informaram de que a água não estava vindo limpa. O motivo era porque a fonte de água estava suja, então havia um problema adicional. Então, desenvolvemos um novo ponto no plano de ação, para a limpeza regular da fonte de água como forma de proteger contra a poluição, porque haviam animais que acabavam sujando o local.

Cercamos a área e demos à comunidade tarefas sobre como cuidar dos recursos e mantê-los limpos. Demos um pequeno fundo para ajudar, para que eles trabalhassem por conta própria de forma voluntária, porque se trata da comunidade deles, então eles também deveriam contribuir. Depois de 2016, não mantivemos os projetos. Porém, ainda recebemos informação da Friends of Sankhu trabalhando lá.

IDeF: No Brasil, enfrentamos uma situação catastrófica similar no estado do Rio Grande do Sul, onde enchentes danificaram estruturas de saneamento e o acesso à água potável. Dessa forma, quais aspectos você considera terem sido essenciais para a recuperação de Sankhu?  Quais ações poderíamos replicar no Brasil?

Milan Adhikary: Eu diria que para situações como essa o envolvimento da comunidade local é um dos aspectos mais importantes, sobretudo para a sustentabilidade de projetos voltados para gestão dos recursos hídricos.

“Uma vez que você envolve a comunidade no gerenciamento e nas decisões sobre seus recursos, elas se tornam capazes de desenvolver ideias responsáveis pela sustentabilidade dos projetos. Por isso, é importante desenvolver um plano de ação e distribuir papéis de monitoramento,  liderança, envolvimento com os desafios mais urgentes e ações efetivas para resolver os problemas.”

Além disso, o contato frequente é um elemento essencial para entender o status do projeto, bem como garantir a implementação eficaz, podendo ser um encontro por semana apenas para discutir os desafios dos projetos e outro plano para colocar as atividades em ação. Esse aspecto possibilita a autonomia da comunidade para desenvolver medidas importantes para o acesso à água e manutenção do saneamento.

IDeF: A WfWP é uma ação internacional que apoia ações locais na gestão de recursos hídricos e empoderamento feminino. Como você acha que o apoio internacional contribui para o desenvolvimento local?

Milan Adhikary: A W-PLUS não é uma grande organização, temos recursos limitados e nosso alcance depende de financiamentos nacionais e internacionais. A priori, a WfWP fez repasses financeiros para as nossas iniciativas, contabilizando €5.000 para nossas iniciativas em água e saneamento, que nos ajudaram a apoiar a comunidade a construir capacidades para gerenciar os recursos hídricos. No entanto, não foi um financiamento contínuo e precisamos explorar outros doadores. Apesar disso, para além do apoio financeiro, a WfWP nos ofereceu outros tipos de suporte e acompanhou algumas ações ao longo dos últimos 7 anos. Quando havia recursos, participávamos de conferências internacionais sobre água e saneamento e da Assembleia Geral com outras organizações, em que tivemos a oportunidade de compartilhar boas práticas e “inputs” técnicos sobre gestão hídrica e sanitária.

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