O IDeF entrevistou Anivaldo de Miranda Pinto, Presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, é alagoano, jornalista e ambientalista. Mestre em Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente, membro do Conselho Editorial da revista Política Democrática, editada pela Fundação Astrogildo Pereira, de Brasília (DF) e colaborador da revista Chico. É autor do livro “Alienação: a nova cara da informação”, lançado pela Editora da Universidade Federal de Alagoas (Edufal), em 1998. É responsável pelo texto “O rio que é a síntese do Brasil”, o primeiro de uma série de quatro que estão interligados por se tratarem de algo tão importante como a água. Em 2003, quando ocupava as funções de secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado de Alagoas, foi integrado ao colegiado do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). Com isso já são 19 anos de prazerosa e intensa convivência com a grande problemática das águas franciscanas, segundo ele mesmo relata.
IDeF – O senhor poderia começar falando um pouco da sua trajetória profissional? E como o senhor começou a atuar dentro da temática de meio ambiente e recursos hídricos?
ANIVALDO – Desde os tempos da adolescência comecei a escrever para jornais e assim defini minha trajetória profissional como jornalista. Cedo também me envolvi com a política estudantil e partidária. Durante a Ditadura Militar, implantada em 1964, fui obrigado a sair de Alagoas e depois a viver como exilado político na Dinamarca a partir de 1973. No exílio europeu, despertei para a questão ecológica atraído pelos movimentos que combatiam a ameaça da guerra nuclear, pregavam o fim dos armamentos nucleares e também o uso seguro da energia nuclear com fins pacíficos. Ao voltar para o Brasil, no pós-anistia de 1980, retomei as atividades do jornalismo no Rio de Janeiro e, logo depois, em Maceió, onde me restabeleci. Como jornalista, fui me interessando ainda mais pela temática ambiental local e nacional. A partir daí representei o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Alagoas no Conselho Estadual de Proteção Ambiental de Alagoas, participei da criação da ONG “Movimento Pela Vida”, pioneira em 1985 das denúncias dos perigos que envolviam a exploração e beneficiamento de cloro nos arredores do centro de Maceió e fui combinando jornalismo, atividade política e ambientalismo num mesmo pacote, digamos assim. Um dos resultados foi minha nomeação para titular da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos de Alagoas – SEMARH, em 2003, e ampliação do meu arco de ação em inúmeros colegiados, organizações e iniciativas, dentre elas o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF.
IDeF – Poderia explicar um pouco mais sobre o CBHSF? Como se deu sua entrada e as suas funções dentro do comitê.
ANIVALDO – Na qualidade de Secretário da SEMARH Alagoas me fiz representar na composição da primeira diretoria do CBHSF, também em 2003. De lá para cá, atuei alternadamente como membro do colegiado, representando seja o poder público ou a sociedade civil, até que fui eleito e depois reeleito presidente do próprio CBHSF – para cumprir três mandatos consecutivos. Hoje, como representante do segmento da sociedade civil, ocupo as funções de Coordenador da Câmara Consultiva do Baixo Rio São Francisco, uma das 4 instâncias regionais do CBHSF, o que me dá assento na Diretoria Colegiada da instituição.
IDeF – Como se deu a parceria entre a Universidade de Berlim e o Brasil na pesquisa sobre o rio São Francisco? Qual foi o papel da CBHSF nessa parceria
ANIVALDO – O projeto INNOVATE estendeu-se de janeiro de 2012 a dezembro de 2016 no Nordeste do Brasil, mais especificamente na área semiárida da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, sobretudo ali onde ocorrem as maiores interações com as vazões da calha central do rio. Surge como uma iniciativa vislumbrada pela Universidade Técnica de Berlim, com financiamento original do Ministério da Educação e Pesquisa da Alemanha – BMBF na sigla alemã – e objetivo central focado na situação de estiagem que assolou a região, objeto do estudo no período estudado, envolvendo 50 pesquisadores brasileiros e 50 pesquisadores alemães, com cofinanciamento do Ministério da Ciência e da Tecnologia do Brasil – MCTI, através do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), bem como da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Uma das metas principais estava voltada para melhorar a governança e o manejo dos recursos naturais, visando facilitar o uso sustentável, e o manejo do meio ambiente, aqui entendidos sobretudo as águas e os solos. A parceria com o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco se deu sobretudo como forma de acesso para compreender melhor e acompanhar de perto os desafios institucionais, políticos e práticos da gestão das águas da bacia através da ótica e da diversidade de ações de um grande comitê de bacia hidrográfica.
IDeF – Como se dá a participação do comitê dentro dos fóruns internacionais? E quais são os principais desafios enfrentados pelo comitê na construção e manutenção de relações com atores estrangeiros e quais estratégias estão sendo implementadas para superar essas dificuldades e fortalecer essas parcerias internacionais?
ANIVALDO – Infelizmente, as relações de cooperação entre o CBHSF e atores estrangeiros até hoje estão restritas a simples troca de experiências e colaboração que não envolvam quaisquer aplicações de recursos públicos. Baseada no fato de que o comitê viabiliza a aplicação dos recursos oriundos da cobrança pelo uso das águas brutas do São Francisco, através da Agência Peixe Vivo, uma associação civil privada de gestão de águas sem fins lucrativos que, no entanto, é oficialmente delegatária das funções de agência pública de bacias hidrográficas.
“A Agência Nacional de Águas – ANA lidera um entendimento restritivo, respaldado por sua Auditoria Jurídica setorial, que veda aos comitês (que são colegiados, sem personalidade jurídica, embora criados por decreto presidencial) de exercer autonomia em nível maior de cooperação.“
Embora ela própria, a ANA, seja pródiga nesse tipo de cooperação internacional envolvendo parcerias e até contratos com ampla utilização de dinheiro público. Tal posicionamento polêmico e obsoleto da ANA inviabilizou, por exemplo, o projeto de cooperação técnica que o CBHSF pretendia fazer – com uso dos recursos sob o seu gerenciamento – através do Instituto Interamericano de Cooperação Agrícola – IICA, com o objetivo de viabilização de ampla capacitação de pequenos e médios irrigantes com vistas a uso mais racional da água. Todavia, excetuadas essas alternativas de natureza acima descrita, o CBHSF colabora, por exemplo, com estudos da Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE ou participa de grandes fóruns internacionais que debatem gestão e conflito de uso das águas em bacias internacionais, como foi o caso da Conferência para Cooperação Energética, Alimentar e Segurança Hídrica em Bacias Hidrográficas Transfronteiriças Sob Influência das Mudanças Climáticas, realizada em 2 e 3 de abril de 2014 na cidade de Ho Chi Minh, no Vietnam.
IDeF – Durante o seu período na secretaria de meio ambiente, houve alguma parceria com organizações internacionais relacionada às questões hídricas de Maceió?
ANIVALDO – Na área ambiental e dos recursos hídricos a cooperação do poder público – no caso específico de Alagoas – com instâncias e governos estrangeiros foi e continua absolutamente incipiente. Imagino que fatores como a grandeza territorial do Brasil e o relativo “isolamento” geográfico imposto por suas enormes fronteiras marítima e florestal amazônica, assentados em um longo período histórico colonial no qual o Império Português manteve o Brasil “escondido” da Europa, tenham mantido regiões brasileiras, como o Nordeste, por exemplo, mas não somente, pouco afeito ou experiente na busca por cooperação externa.
“Na minha passagem pela área ambiental e de gestão das águas não me recordo de ações de cooperação significativas, a não ser no contexto de mobilizações de grande escala nacional e internacional, como foi o caso, por exemplo, da construção da Agenda 21 que precedeu e sucedeu a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável em Johanesburgo, África do Sul, conhecida como “Rio + 10, em setembro de 2004.”
IDeF – Sobre esse desastre ambiental, climático e humano que estamos vivenciando no RS, como as gestões governamentais podem se preparar para evitar esses riscos? Como o senhor enxerga esses fenômenos de mudanças climáticas?
ANIVALDO – Considero que, além do perigo representado pelos arsenais de armas nucleares e seu possível uso massivo pelas maiores superpotências militares mundiais, o fenômeno do aquecimento global e a consequente emergência de nova era de extremos climáticos sejam, hoje, as maiores ameaças à sobrevivência ou até mesmo à existência da humanidade na face da Terra. A tragédia recentemente ocorrida no Rio Grande do Sul insere-se nesse contexto como mais uma expressão cumulativa dos efeitos causados e a serem causados pelos novos padrões do clima planetário, onde chuvas cada vez mais concentradas, massivas e pontuais, combinadas com fenômenos variados que vão de trombas d’água a furacões, irão se alternar com períodos de estiagens cada vez mais prolongados. O caso do Rio Grande do Sul foi apenas o mais traumático até agora, mas não o único. Basta lembrar que recentemente, apenas para ficar nos limites do Brasil, tivemos enchentes destrutivas no sul da Bahia; chuvas e deslocamento de encostas em grande escala em São Sebastião, litoral de São Paulo e na Zona Metropolitana do Recife; seca surpreendente no Amazonas e assim por diante.
“O grau de destruição causado por esses fenômenos denota, por sua escala crescente, que o Brasil e seu povo – aqui incluídos poder público, poder econômico e sociedade civil – ainda não entenderam, em sua real dimensão, o caráter dessa nova era climática. Denota também que, de um lado, não estamos produzindo e aplicando políticas públicas que tornem o país mais resiliente a esses fenômenos.”
e, de outro lado, que o reacionarismo do poder econômico, potencializado pela representação política que ele financia, continuam promovendo uma ofensiva insana de políticas setoriais, legislações e ações público-privadas que, através dos desmatamentos, destruição de biomas, queimadas de florestas, superexploração e contaminação das águas, perda de solos, poluição do ar, aumento da erosão e desertificação, destruição da biodiversidade e outros processos minam crescentemente os potenciais naturais estratégicos que o Brasil dispõe para assegurar o bem estar futuro de sua população.