Projeto Sertões e a resiliência hídrica no Ceará

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As ações serão realizadas pela Funceme em parceria com o Centro Francês de Pesquisa Agrícola para o Desenvolvimento (Cirad), que está co-financiando o projeto (FOTO: Carlos Gibaja/Governo do Ceará)

“O Sertão vai virar mar, dá no coração”: Da chuva que cai levantando o cheiro de terra molhada e anunciando a prosperidade agrícola, ao rio que deságua no oceano para formar os mais belos deltas, até o refresco dos dias ensolarados, em que um mergulho em uma cachoeira, ou, um banho de bica revigora os ânimos. Em todas as suas formas e expressões, em  todos os tempos e lugares, a água foi e é a fonte primária da vida, inerente à existência e continuidade da fauna, flora e dos seres humanos. O acesso à água possibilitou, ao longo da história, o desenvolvimento de grandes impérios e sociedades. Na contramão, o uso inapropriado do recurso limitado e as mudanças climáticas são razão de aflição para projeções futuras, aflição existente na análise de quadros conjunturais de localidades em que o direito ao acesso de água potável e tratada não é garantido. 

“O Brasil é um dos países com maior disponibilidade de recursos hídricos do mundo,  contudo as condições climáticas exercem grande impacto no acesso real desses recursos”(Marengo, 2008).

A região Nordeste, caracterizada pelo Polígono das Secas, está submetida, majoritariamente, ao clima semi-árido, em que as chuvas concentram-se em um só período do ano. Os longos períodos de seca agravam-se pelas condições desiguais da sociedade, em que a contradição histórica entre classes discrimina o acesso aos recursos hídricos. Assim, as elites locais, descendentes da geração coronelista, são priorizadas em detrimento da classe trabalhadora, representada pela parcela da população com menor acesso à renda e aos direitos, enquanto indivíduos que compõem o Estado brasileiro (MST, 2017).

A iniquidade do acesso aos recursos hídricos propagam problemas sociais, econômicos e políticos, dessa forma, é fundamental a implementação de políticas públicas e programas que combatam a mudança climática, em especial, impactada pela ação antropofágica e que promovam mudanças nas estruturas desiguais. A mudança realizada exclusivamente na área ambiental é insuficiente para equalizar as problemáticas que observamos como estruturais. É necessária a implementação de um processo de justiça climática que possa incluir essas populações mais drasticamente afetadas, citadas acima.

O Estado do Ceará é um exemplo nas ações de aprimoramento do desenvolvimento sustentável da água. O Estado já se destacava pelo fortalecimento da governabilidade das bacias hidrográficas, dada a coordenação dos recursos de forma participativa, a exemplo da inclusão da sociedade civil em comitês deliberativos. No ano de 2020, o governo do Estado por meio da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), firmou um memorando de entendimento com a Agência Francesa de Desenvolvimento para a realização de um programa de estudos, contando com o Investimento de 950 mil euros (Ceará, 2020).

Os recursos se enquadram no programa elaborado durante o Acordo de Paris que estabeleceu a ferramenta “Facilité 2050” da AFD. A cooperação internacional configura-se como ferramenta fundamental para o desenvolvimento de pesquisas científicas dado o compartilhamento de informações e tecnologia e para  o avanço de  projetos de maior alcance, impulsionados pelos recursos financeiros necessários para a implementação de tais projetos. É fundamental destacarmos que os entes subnacionais – estados e municípios – possuem capacidade e recursos para firmar parcerias internacionais e consolidar uma rede ampla que ultrapasse os vínculos estabelecidos pelo executivo federal. Afinal, os estados e municípios apresentam demandas específicas e reconhecem os problemas locais com maior precisão, assim, a governabilidade local é essencial para o desenvolvimento, como à exemplo do Projeto Sertões (Funceme, 2024). 

Existe um esforço para que a construção do projeto seja horizontalizada, em que a governança dos recursos hídricos seja multissetorial e multinível, de forma que os atores da sociedade civil representados pelas comunidades locais se insiram no processo decisório. A oficina do Projeto, realizada nos dias 15 e 16 de fevereiro de 2024, foi um marco na tentativa de construção dialógica da resiliência hídrica. Além disso, na tentativa de promover a resiliência hídrica e o desenvolvimento territorial sustentável, a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos tem promovido campanhas de divulgação, reuniões periódicas e Diagnósticos Rurais Participativos (Sema Ceará, 2024). 

“O projeto conecta-se a outras iniciativas do governo cearense de combate a secas, escassez de água e redução de vulnerabilidade hídrica, como o Programa Águas do Sertão (PAS), que também conta com o investimento de captação internacional.”

O Programa Águas do Sertão tem como objetivo ampliar o acesso à água potável, promover o saneamento básico eficiente e garantir a proteção dos recursos hídricos. O programa, estruturado em quatro componentes, conta com créditos externos do  Banco de Desenvolvimento Alemão (KfW), do Latin American Investment Facility (LAIF) da União Europeia, totalizando o investimento de 62.500.000,00 de euros (Secretaria das Cidades, 2024). 

Observa-se que a internacionalização promovida pelos entes subnacionais para a implementação de projetos e programas, por meio da transferência de tecnologia, aprendizado e captação de recursos tem exercido fundamental importância na temática da resiliência hídrica. O Governo do Ceará apresenta-se como um expoente da governança hídrica, na tentativa de articular o desenvolvimento sustentável inclusivo por meio de recursos domésticos e internacionais, para que, dessa forma, possa combater os efeitos das mudanças climáticas e romper com as desigualdades estruturais que atingem de maneira distinta a população sertaneja.

Referências

FUNCEME. Parceria entre Ceará e França vai aprimorar desenvolvimento sustentável da água no Estado; pesquisas terão mais de R$ 6,25 mi em investimento. Disponível em: http://www.funceme.br/?p=8238. 19 jul. 2024.

MARENGO, José Antônio. Água e mudanças climáticas. Estudos avançados, 2008, 22. Jg., S. 83-96.

MST. Seca no Nordeste, um problema de desigualdade. Disponível em: https://mst.org.br/2017/02/08/seca-no-nordeste-um-problema-de-desigualdade/.Acesso em:19 jul. 2024.

Secretaria das Cidades. Programa Águas do Sertão. Disponível em: Programa Águas do Sertão. Acesso em: 19 jul. 2024.

SEMA CEARÁ. Sema participa da oficina Projeto Sertões. Disponível em: https://www.sema.ce.gov.br/2024/02/19/sema-participa-da-oficina-projeto-sertoes/. Acesso em: 19 Jul. 2024.

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