O IDeF conversou com Carlos Eduardo Marinello, Chefe de Gabinete da Secretaria Nacional de Biodiversidade, Florestas e Direitos dos Animais (SBio/MMA) e coordenador do projeto Paisagens Sustentáveis da Amazônia – Brasil (ASL Brasil), e com representantes da Conservação Internacional Brasil (CI-Brasil) sobre o projeto o ASL Brasil. Parte de um programa pan-amazônico, a iniciativa discutida na entrevista é financiada pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), implementada pelo Banco Mundial e coordenada nacionalmente pelo por meio da SBio do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). O objetivo do projeto consiste em promover a gestão integrada da paisagem, a conservação da biodiversidade e o desenvolvimento de práticas agrícolas sustentáveis na região amazônica brasileira.

Carlos Eduardo Marinello – Chefe de Gabinete e Secretário Nacional substituto da Secretaria Nacional de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Biólogo pela PUC-SP (1998), mestre em Ciências Ambientais pela USP (2002), especialista (2007) em Conservação e Manejo de Recursos Naturais e Áreas Protegidas (UAY, México) e Doutor em Ecologia pela Universidade de Brasília (2016) desenvolvendo tese na área de cogestão adaptativa de áreas protegidas na Amazônia. Professor e orientador em cursos de graduação e pós-graduação nas áreas de Ecologia, Conservação e Gestão de Áreas Protegidas há 18 anos. Professor permanente do Mestrado Profissionalizante em Gestão de Áreas Protegidas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) desde 2010. Atua no desenvolvimento, implementação, monitoramento e avaliação de projetos e programas de conservação, manejo de recursos naturais, socioambientais e de gestão de áreas protegidas sob abordagem de indicadores. Foi analista ambiental e coordenador no Centro Estadual de Unidades de Conservação da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (2004-2008) e pesquisador sênior do Instituto Socioambiental (ISA) (2008-2011). Foi consultor independente durante 11 anos, onde coordenou 14 projetos em parceria com as principais organizações públicas e ONGs que atuam na gestão e conservação do meio ambiente na Amazônia. Em 22 anos de atuação nas áreas acadêmicas, de gestão pública, ONGs e no setor privado, acumula mais de 60 trabalhos científicos, com 20 publicações entre revistas, periódicos (nacionais e internacionais) e capítulos de livro. É consultor ad-hoc da CAPES e revisor de 5 periódicos científicos.
IDeF: Primeiramente, o senhor poderia começar falando um pouco sobre o projeto, como foi o surgimento dele, quem foram as pessoas e outros atores responsáveis pela construção inicial?
Carlos Eduardo Marinello: Uma das pessoas mais importantes na construção desse projeto foi a Adriana Moreira. Hoje, ela faz parte da equipe do próprio GEF, o Global Environment Fund. Esse projeto surge numa perspectiva de compor um programa, que é pan-amazônico, ou seja, reúne os países da Amazônia internacional, com vistas a promover o desenvolvimento sustentável, conciliando três coisas: a conservação da biodiversidade, a manutenção de áreas protegidas, ou melhor dizendo, a gestão de áreas protegidas, e fazer com que esse conjunto de ações contribuam para as questões de mitigação e adaptação à mudança do clima. Então, de maneira geral, esses são os objetivos gerais sobre o projeto.
IDeF: E qual a relevância desse projeto dentro da região amazônica?
Carlos Eduardo Marinello: Ele é muito importante porque ele não nasce na perspectiva de um projeto, ele nasce na perspectiva de um programa. Esse programa, hoje, inclui sete países: Brasil, Colômbia, Peru, Equador, Bolívia, Suriname e Guiana. Ele é denominado Paisagens Sustentáveis da Amazônia, a sigla em inglês é Amazon Sustainable Landscapes, por isso ASL. O ASL tem a fase 1, a fase 2 e a fase 3. No Brasil, a gente já tem a fase 1 e 2 rodando ao mesmo tempo e, no ano que vem, a gente inicia a fase 3.
A relevância dele dentro da região amazônica é enorme. O projeto no Brasil tem um recurso considerável de U$88 milhões de dólares. Na área de meio-ambiente, especificamente, esse é o maior projeto que já foi desenvolvido. E, no caso da Conservação Internacional, que é uma instituição internacional com décadas de atuação, esse é o maior montante que a organização já administrou em florestas tropicais de qualquer lugar do mundo. Desses U$88 milhões de dólares, o que está com a Conservação Internacional é cerca de U$30 milhões. Então, é um projeto grande, robusto, com objetivos e metas importantes.
Ele tem metas de restauração de floresta, de criação e melhoria da gestão de unidades de conservação, de regularização ambiental de propriedades privadas, e metas relacionadas à implementação de políticas públicas e de acordos internacionais dos quais o Brasil faz parte. Ele tem objetivos importantes ligados ao fortalecimento da governança de territórios. O projeto visa a gestão integrada da paisagem. Isso significa entender que uma paisagem em escala ampla, mesmo na Amazônia, não é composta só por floresta. Ela tem florestas, sedes municipais, unidades de conservação de proteção integral e de uso sustentável, territórios indígenas, áreas de assentamento e de território quilombola. Então quando se olha de cima, o que se vê no chão é um território composto por muitas coisas, onde uma tem que apoiar a outra.
Não adianta considerar só as unidades de conservação e de proteção integral, porque tem pessoas vivendo da floresta e produzindo; é a bioeconomia pulsando. Também não adianta ter só a área de produção, porque a gente também precisa manter a floresta. E não adianta não considerar as propriedades privadas, porque ainda que a Amazônia seja uma exceção, a maior parte do território brasileiro é composta por áreas privadas e na Amazônia também tem muita área privada.
É um projeto super importante porque ele permite colocar em prática políticas públicas que vêm de políticas nacionais, do Governo Federal, dos governos estaduais, mas sempre plugadas nos acordos internacionais que o Brasil participa, vinculado às diferentes COPs. O Brasil é signatário da grande maioria das COPs que existem, das convenções internacionais e um projeto como esse contribui para colocar essas políticas em prática. E, como os projetos têm começo, meio e fim, ele permite deixar uma herança para o território, para que as coisas continuem acontecendo depois. Você implementa políticas públicas, gera modelos dessa implementação e, com base numa avaliação e nas lições aprendidas, você faz replicações, estende e aprimora essas iniciativas.
IDeF: Nós entendemos que há diversos atores envolvidos na execução do ASL Brasil, como mencionado na notícia no site da CI-Brasil. Quais são os papéis e responsabilidades dos entes federativos (como o governo de Rondônia e os visitados) e os dos outros atores na execução do Projeto ASL Brasil?
Carlos Eduardo Marinello: Um projeto desse tamanho, não adianta dizer que o Governo Federal vai executar sozinho. O Governo Federal tem o papel de coordenar o projeto. Ele coordena o processo de debate e toma as decisões sobre como os recursos vão ser investidos, faz toda a negociação internacional e constrói as parcerias com aqueles que vão ser os executores. Os executores são os mais diversos possíveis: o próprio Ministério do Meio Ambiente, o ICMBio, o Serviço Florestal Brasileiro, para falar de órgãos públicos federais. Temos ainda quatro governos estaduais: Amazonas, Pará, Acre e Rondônia.
Temos também as instituições com papel no gerenciamento do projeto. Todo projeto GEF tem uma agência implementadora. Nesse caso, é o Banco Mundial, que gerencia a implementação de projetos no mundo inteiro. E tem a agência executora, que, uma vez recebendo o recurso do Banco Mundial, já em reais (moeda brasileira), faz o gerenciamento das ações para que o projeto ande. Então é a Conservação Internacional que repassa o recurso para os estados, para o Serviço Florestal, para o ICMBio e para as diferentes secretarias do MMA que executam o projeto.
Além disso, o projeto tem os seus co-executores e parceiros estratégicos, que são as organizações que estão na ponta e atuam diretamente na execução. Estamos falando sobre redes que existem nos territórios, fóruns, às vezes conselhos regionais, às vezes conselhos estaduais, às vezes conselhos municipais. É um projeto que envolve diferentes setores e segmentos da sociedade, cada um com um papel diferente, e que se envolve na integração desses esforços.
IDeF: E como ocorre a articulação entre os órgãos estaduais e municipais com instituições internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Global para o Meio Ambiente?
Carlos Eduardo Marinello: Na verdade, os órgãos municipais não interagem diretamente com o GEF ou com o Banco Mundial. Quem interage diretamente com eles são as unidades operativas, que são os órgãos públicos federais e estaduais. Como o GEF está mais relacionado ao financiamento e o Banco Mundial ao gerenciamento, e quem coordena é o Ministério do Meio Ambiente, a interação deles é mais com o Ministério, mas o Banco Mundial também interage com os estados. Os municípios dialogam diretamente com os estados ou com o Ministério do Meio Ambiente, a partir das diretorias do Ministério que executam o projeto na ponta. Então, o envolvimento dos municípios é mais com as organizações que atuam diretamente na ponta, não com aquelas que trabalham mais na parte financeira do projeto.
IDeF: Dentro do eixo temático das práticas agrícolas sustentáveis, como são escolhidas as práticas e as técnicas que serão aplicadas na região amazônica para promover a agricultura sustentável? E como se dá a participação dos produtores e agricultores locais nessa aplicação?
Carlos Eduardo Marinello: Basicamente, a gente está falando daquelas técnicas e práticas que são convergentes com as políticas públicas federais e dos estados. Um projeto como este precisa cumprir no mínimo três coisas: primeiro, ajudar a cumprir o que o país se comprometeu nos acordos internacionais assinados nas COPs. Segundo, o país tem que fazer isso por meio da implementação de suas políticas públicas e, por consequência, essas políticas públicas não podem estar desvinculadas daquilo que foi acordado internacionalmente. E terceiro, como o projeto tem começo, meio e fim, ele precisa deixar uma herança. Então não pode ser um projeto que chega num território, numa região, sem saber o que já aconteceu lá e começa a ser executado sem nenhuma base de contextualização do que é a realidade local, do que já aconteceu lá, de dar continuidade ao que já aconteceu, porque, no final, esse projeto precisa deixar uma herança ali, ele precisa deixar algo que vai ter continuidade a longo prazo. Por isso, o ASL é um projeto muito comprometido com o desenvolvimento de instituições, com a formação de pessoas, com o engajamento da sociedade nas políticas públicas, com a construção de espaços mais democráticos de gestão, porque é preciso deixar uma herança, não pode acabar o projeto e acabar tudo isso.
A participação dos produtores e agricultores é direta. Eles recebem apoio, fomento e treinamento para executar essas atividades. No caso da regularização ambiental, por exemplo, há a regularização de seus imóveis. Só tendo o imóvel regularizado ambientalmente que você consegue recursos de financiamento para plantar, como o Plano Safra. E o projeto ajuda o agricultor a fazer essa regularização. A regularização ambiental é a porta de entrada para que o agricultor tenha acesso às demais políticas públicas, que têm como foco o agricultor. Às vezes é o apoio à restauração de áreas que foram desmatadas, ou o apoio a uma cooperativa que fornece alimentação para a merenda escolar. São várias pontas que são conectadas por esses projetos.
IDeF: Nós identificamos que a CI-Brasil e o ASL estão presentes em outros países pelos quais a paisagem amazônica se estende. Há trocas de experiências com governos de outros países amazônicos que participam do programa regional ASL? Se sim, como essas trocas acontecem?
Carlos Eduardo Marinello: Sim, essas trocas acontecem em alguns níveis. Elas acontecem numa escala macro e presencial a partir de reuniões anuais, onde diferentes atores envolvidos nos projetos de todos os países participam. Este ano, por exemplo, aconteceu na Guiana. Antes, foi no Peru; cada ano acontece em um país. Existem também reuniões trimestrais envolvendo o comitê executivo do programa com participação dos representantes de cada um dos países. A depender do tema, também existem grupos de trabalho que debatem constantemente. Por exemplo, há um grupo de trabalho de comunicação, um sobre conservação, um de bioeconomia, um de restauração, cada um coordenado por um país. Esses grupos têm dinâmicas próprias de reuniões e produção, e são oportunidades para os participantes dos diferentes projetos se integrarem em torno de temas comuns.
IDeF: O senhor acha que o Projeto ASL Brasil têm potencial para ser replicado por outros municípios e estados ou até mesmo outras paisagens brasileiras?
Carlos Eduardo Marinello: Sim, exatamente. Como os projetos têm essa perspectiva de implementar políticas públicas, eles têm que ser implementados de uma maneira que possibilite uma avaliação, para serem replicados ou estendidos, seja para outras regiões ou na mesma região com novas frentes. Então sim, isso é feito. Por exemplo, de 2023 para cá, o projeto ganhou dois desdobramentos nessa questão: uma é a capilarização das ações junto aos municípios, com as ações chegando por demanda do próprio município, de 2023 em diante a gente passou a fazer isso também, porque antes não acontecia. Outra é a replicação em outras paisagens brasileiras. Com base nas experiências do ASL, replicamos isso para vários outros projetos. Hoje, temos um projeto de gestão integrada de paisagem na Caatinga, estamos desenhando um para o Pantanal, já tem um que está para começar na Mata Atlântica e estamos discutindo um para o Cerrado, então sim.
IDeF: Finalmente, quais são os impactos já conhecidos do projeto na região para promover práticas agrícolas sustentáveis e a recuperação das paisagens amazônicas?
Carlos Eduardo Marinello: Para as práticas agrícolas sustentáveis, o principal impacto é que, uma vez que a propriedade está ambientalmente regulamentada, ela vira uma chave. O produtor passa a ter a porta aberta para pleitear fundos e crédito para produzir, então se tratando de prática agrícola, esse é o principal impacto. Independente do que o produtor produza, desde que seja uma produção sustentável, o projeto apoia essa regularização ambiental, porque sem ela, ele não tem crédito. E isso para o pequeno produtor e para o agricultor familiar é fundamental. O projeto também ajuda na restauração de áreas desmatadas e no fortalecimento das cadeias produtivas dos povos e comunidades tradicionais. Na Amazônia, o Código Florestal Brasileiro estabelece que é necessário manter 80% da área como Reserva Legal, só se pode produzir nos outros 20%. Se uma pessoa comprou um terreno que já tem mais de 20% da área desmatada, o projeto ajuda na restauração. Mesmo para o produtor que já possui os 80% de reserva, mas que ainda produz de maneira não sustentável, o projeto oferece auxílio em outras frentes, como no processo de comercialização e no fortalecimento das cadeias produtivas. E a gente não pode perder de vista que se tratando do público do projeto, agricultores familiares e pequenos produtores da Amazônia, dificilmente trabalham só com agricultura. Normalmente, essa população concilia a atividade agrícola com o extrativismo, o que torna iniciativas como essa superimportantes. Então, para as práticas agrícolas sustentáveis, esse é o principal impacto: abrir oportunidades de produção sustentável, principalmente por meio do acesso a crédito financeiro, com base na regularização ambiental das propriedades rurais. Mas também dando apoio ao fortalecimento das cadeias produtivas de povos e comunidades tradicionais da região, seja dentro ou fora de unidades de conservação, porque também tem territórios quilombolas e assentamentos.
E sobre a recuperação das paisagens, o projeto tem duas perspectivas sobre a recuperação de áreas degradadas: uma é a restauração, que pode ser baseada no plantio de mudas ou sementes, e a outra é a regeneração natural, que são medidas tomadas para que a vegetação se recupere mais rápido e o mais parecido possível com aquela que era a original. O principal objetivo da fase 1 do projeto foi a recuperação do principal instrumento da política nacional de floresta, o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg). Então, com isso, você passa a ter um plano atualizado que dita como a recuperação de áreas degradadas deve ser feita, onde ela pode ser feita, em quais casos, quais as prioridades e ações mais importantes, e assim por diante. A outra coisa é o apoio que o projeto dá aos programas de restauração dos estados ou municípios que fazem parte do projeto. É mais comum haver histórico e longo acúmulo de restauração na Mata Atlântica, em seguida, o Cerrado. A experiência de restauração na Amazônia é algo que, considerando o tempo de restauração, é a mais recente e, por isso, a mais curta, e cada bioma tem estratégias diferentes para a restauração por regeneração de vegetação nativa. Os tempos, as espécies, as maneiras de fazer são diferentes. Por exemplo, pensa na escala da Amazônia e considera que, em média, cada hectare de área a ser recuperada fica em torno de R$30.000 por ano, então imagina o esforço que é necessário para fazer a restauração. Por isso, é necessário estabelecer uma série de condições antes de começar a aplicar as práticas de restauração, como o estabelecimento de viveiros e o treinamento de pessoal, além de organizar todo um arranjo de governança, porque a restauração é uma cadeia produtiva, ela envolve uma produção, um preparo, um conjunto de atividades antes de fazer o plantio e depois é preciso continuar a monitorar, e são de 5 a 7 anos antes de saber se a restauração deu certo, dependendo do tipo da vegetação.

