
A entrevistada é Gisele Onuki, doutora em comunicação e linguagens, professora da Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR e do Programa de Pós-graduação Mestrado Profissional em Artes da UNESPAR. Atualmente é Assessora de Relações Institucionais e Cooperação Internacional da Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Governo do Estado do Paraná – SETI. Gisele Onuki conversou com o IDeF sobre o convênio entre a empresa japonesa Sandai (que possui sede na província de Hyogo) e a Universidade Estadual de Londrina (UEL). O convênio prevê o desenvolvimento de tecnologia para a Rede Morangos do Brasil, que envolve pesquisadores e agricultores da cadeia produtiva, com o intuito de reduzir custos, aumentar a produtividade e a qualidade da fruta.
IDeF: Na reportagem é relatado que o convênio com a empresa Sandai teve origem no ano passado por meio do interesse manifestado por pesquisadores do Sistema de Ensino Superior do Paraná e o Consulado do Japão. Poderia começar contando um pouco mais sobre a trajetória do acordo e como foi o seu envolvimento no processo?
Gisele: Os primeiros contatos começaram antes do processo da pandemia, na realidade. Deixe-me fazer aqui um adendo, só para vocês entenderem um pouco do nosso contexto de estrutura governamental. Em 2019, na reestruturação da parte administrativa do governo, a SETI, que é a secretaria em que atuo hoje, à época ela foi alterada e se tornou uma superintendência geral de ciência, tecnologia e ensino superior. Numa ordem administrativa, o que isso quer dizer? Não sei se vocês estão habituados com essas nomenclaturas mas, ao menos no estado do Paraná, temos o governador com a Casa Civil e abaixo deles as secretarias de Estado. As superintendências podem ser vinculadas a alguma outra secretaria, como sendo um braço dela e, como no nosso caso, vinculadas diretamente à Casa Civil, ou seja, ao governador. Na atual gestão, essa reconfiguração administrativa fez com que a superintendência retornasse ao estado de Secretaria de Estado. Então, à época, enquanto superintendência geral, o Consulado Geral do Japão aqui em Curitiba junto com o escritório regional da América Latina da Província de Hyogo, no Japão, nos procuraram para auxiliar a fazer conexões mais acadêmicas e também no âmbito da pesquisa junto a essa empresa Sandai, que fica sediada na província de Hyogo.
Então, por conta desses primeiros contatos, iniciamos primeiro um diálogo interno à época da superintendência para compreender melhor o que se pretendia, afinal era uma empresa procurando essa base de cunho tecnológico e acadêmico e, compreendendo um pouco mais do que se tratava essa parceria, nós chegamos à Universidade Estadual de Londrina, porque o foco da empresa Sandai, além da produção de morangos especificamente, é a pesquisa para a produção e o manuseio de solos. Nesse contexto, havia sido recém criada a Rede de Morangos do Brasil, fazendo essa conexão entre Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Espírito Santo. Era uma rede constituída pelos morangueiros sendo, então, a Universidade Estadual de Londrina, através do seu pesquisador, um professor, o responsável à época pela coordenação. Fizemos essa interlocução com a universidade, conversamos com o professor. Por causa da pandemia, momento em que o Japão estava fechado para processos de viagens até o final do ano de 2022, e, dentro dos processos de parceria, os japoneses preferem estabelecer primeiro contatos pessoais, realizar as visitas técnicas, para depois partir para a formalização documental. Esse foi um dos principais motivos pelos quais o início das tratativas e a formalização acabaram demorando um pouco, porque estava previsto no plano de trabalho que haveria ao menos uma recepção dos empresários da empresa Sandai no estado do Paraná, na universidade, para que conhecessem um pouco melhor a rede de morangueiros do Brasil e, só então, iniciar os primeiros processos de tratativas.
Como isso não aconteceu e foi se postergando, conseguimos chegar no consenso da formalização dessa parceria, que aconteceu em 2022, de modo remoto, sem a presença do diretor presidente da Sandai, que não pôde comparecer presencialmente. Então, o nosso trabalho, enquanto secretaria, era muito focado nessa questão das conexões, e por que eu acabei me envolvendo nessa parceria? Porque, enquanto superintendência, nós não tínhamos a estrutura de um setor específico de cooperação internacional.
Sendo assim, a superintendência era dividida em coordenadoria de ensino superior, que lidava com as universidades estaduais, no que tange ao ensino, pesquisa e extensão, e a coordenadoria de ciência e tecnologia, vocacionada para os aspectos das pesquisas tecnológicas e para lidar com a parte empresarial dessas relações. Por conta disso, os assuntos vocacionados para pesquisa e ensino acabaram vindo para a coordenadoria que eu fazia parte para realizarmos essas articulações. Então, fizemos a entrada da UEL a partir de sua assessoria de relações internacionais e, por conta disso, toda essa rede foi mobilizada.
IDeF: Como surgiu a necessidade de um projeto de cooperação pensado especificamente para agricultura sustentável? Já era uma demanda existente há muito tempo?
Gisele: A economia do Estado do Paraná já é vocacionada para a agricultura. Já estamos no segundo mandato do governador Ratinho Júnior e, desde a sua primeira gestão, a agricultura sempre foi um foco de política estadual. Então, nós, enquanto secretaria, agora na segunda gestão, já estávamos atuando dentro dessa linha prioritária do Estado. As universidades já vêm, há um certo tempo, lidando com essas temáticas de agricultura sustentável, agronegócios, todas as suas ramificações, aquilo que tangencia a tecnologia de alimentos, seja animal ou vegetal. Nesse aspecto, o pensamento voltado para a fruticultura dentro do recorte dos morangos vem, também, através de uma necessidade um pouco mais regional, porque a semente do morango produzido aqui no Brasil é importada, nós não temos, digamos assim, uma semente de morango nativa brasileira. Já o Japão é muito conhecido internacionalmente pela sua qualidade, não apenas da fruta, mas de todo o processo de como ela é produzida. Então, desde o manuseio do solo, de como a genética da semente é desenvolvida para diferentes regiões e climas do Japão e, é claro, dentro daquelas variedades, o morango branco, vermelho e outros. As características de qualidade do morango são muito atrativas e, ao menos as usadas no estado do Paraná, são importadas da Europa. Então elas vêm com um custo, com as relações de adaptabilidade, por conta do fato de a mesma semente não ser sempre utilizada nas diferentes regiões do Brasil, por sermos um país tropical, o clima, a altitude, todos esses aspectos influenciam muito.
Sendo assim, o que fez com que houvesse, de fato, uma aproximação com essa empresa foi o interesse em investigar para desenvolvermos, de fato, uma semente brasileira, que esteja adaptada aos nossos climas, aos nossos solos, às nossas condições, um processo que eles chamam de tropicalização dos materiais. Além disso, essa empresa também acabou tendo um “quê” a mais no processo, porque eles desenvolvem pesquisas relacionadas ao solo. Não é apenas a semente que importa, mas o ambiente em que essa semente vai ser cultivada e os modos de desenvolvimento tecnológico. Desde o aspecto químico e físico do ambiente, se o produto vai ser desenvolvido num processo orgânico, se vai ser plantado no solo, se vai ser desenvolvido em estufas. Toda essa complexidade relacionada ao morango foi muito bem abraçada na época, conforme os avanços dessas pesquisas e tecnologias, e esse contexto seria levado para outras frutas no estado do Paraná, mas, é claro que as redes e as conexões nos permitem desenvolver não somente um grau de comparatividade, mas compreender como, cientificamente, essas frutas podem ser aprimoradas, para trabalharmos com o processo de exportação – não apenas do plantio e do solo – mas também na qualificação dela para gerar produtos, seja ela a fruta para exportação ou seus derivados, como doces e outros.
IDeF: Quais seriam os impactos econômicos diretos da importação dessa tecnologia para produção de redes de morango do Brasil?
Gisele: Bem, inicialmente nós não tratamos diretamente sobre essa questão da importação de tecnologia. À época, nos interessava muito o desenvolvimento de uma tecnologia especializada para nós, a brasileira, vamos dizer assim. Então, é claro que, a importação ou desenvolvimento de uma tecnologia nova traz diversos benefícios, tanto econômicos quanto sociais. O primeiro aspecto é pensar que isso reduz custos, seja no aspecto de importação, devido a todas as taxações que são realizadas, aos câmbios, e à própria demora. Sendo assim, por vezes, a condição com a qual esse material sai do seu país de origem e chega ao nosso, conforme o acondicionamento, pode sofrer danificações e muitas perdas.
Dessa maneira, o desenvolvimento desses produtos, seja em termos de maquinários ou de produtos orgânicos, é algo que vem a médio prazo e não a longo prazo. Mas a médio prazo temos um retorno muito rápido, por ser um produto que se desenvolve rapidamente e que podemos colocar no mercado com maior agilidade. Aqui no estado do Paraná, temos um programa patrocinado pelo governo do estado, que se chama Paraná Mais Orgânico, que é um programa de orientação a agricultores familiares interessados em produzir alimentos de maneira orgânica. O programa visa também à certificação do produtor de alimento orgânico no Estado do Paraná. O que facilita muito é que a universidade, estando junto a esses pequenos produtores, nos permite certificá-los, e essa certificação auxilia a criação de um produto com um selo de qualidade, seja para uma exportação interna (da sua cidade para outros estados) ou até mesmo para exportações internacionais. Enfim, podem existir algumas outras variáveis, mas, nesse momento, isso é o que eu saberia dizer a vocês.
IDeF: Qual o papel que a secretaria teve na formação e desenvolvimento da parceria e do projeto em geral?
Gisele: Aqui no estado do Paraná, temos sete universidades que são, mantidas pelo governo do estado, as estaduais. Então, ele é um estado que tem uma vocação universitária até robusta, vamos dizer assim, porque nós temos cinco universidades federais e sete universidades estaduais, fora as universidades privadas. As universidades estaduais aqui no Paraná, elas surgem com a sua vocação para a interiorização do conhecimento. A Universidade Federal do Paraná, uma das mais antigas do Brasil, está localizada na capital, Curitiba, e ela foi crescendo aos poucos para o interior do estado.
Sendo assim, as universidades estaduais realmente abraçam desde o litoral até as nossas fronteiras com Foz do Iguaçu, Argentina. Hoje, nós temos o que chamamos de sistema estadual de ensino superior, ou seja, as sete universidades trabalham de uma maneira interligada sob orientação da nossa secretaria de estado. Em relação a isso, todas as universidades possuem sua autonomia universitária e nós, enquanto secretaria, trabalhamos muito como pontes, aqueles que desenvolvem os links dos agentes externos com as nossas universidades, criando, então, esses convênios ou essas parcerias com o nosso intermédio ou sendo partícipes também.
Especificamente nessa parceria da empresa Sandai com a UEL, nós apenas intermediamos a interlocução. Todos os acordos e o próprio termo de cooperação foram firmados diretamente entre eles, nós não entramos no convênio. Nos projetos e cooperações a qual a SETI faz parte, nós participamos fazendo parte da governança do projeto, acompanhamos, fazemos investimentos orçamentários também, mas os que são mais direcionados acabam tendo o seu processo de desenvolvimento mais autônomo.
A universidade traz consigo um um rol de responsabilidades como, por exemplo, o apoio institucional, não apenas para o pesquisador, mas para os órgãos colegiados que fazem parte da institucionalização, no sentido de que o departamento de agronomia, se houver a necessidade de algum apoio para uma missão internacional, uma visita técnica, desenvolver algum seminário, congresso, a universidade está a par e certamente estará apoiando essas relações. Londrina se localiza em uma região onde a imigração japonesa é muito latente também, então, essa é uma outra relação que faz com que essa parceria esteja dando certo, assim como várias outras, uma vez que o Estado do Paraná é irmão da província de Hyogo, no Japão.
Junto dessa parceria, nós temos, então, quatro cidades que são co-irmãs de cidades da província de Hyogo. Londrina, especificamente, é co-irmã da província de Nishinomiya. Assim, essa aproximação com a empresa Sandai se dá por várias vertentes de fortalecimento e de convergência. Dessa forma, o governo de Hyogo chega no estado do Paraná também por conta do processo de irmandade.
Então, a prefeitura da cidade de Londrina, as associações nipo-brasileiras que estão ali na região e boa parte dos produtores agrícolas, que são descendentes de japoneses, fortalecem essa relação, porque, inicialmente, foi até um pouco difícil estabelecer uma comunicação com eles por conta do idioma. Nesse sentido, nós trabalhamos muito com a Cristiane Ueta, que é a responsável internacional da província de Hyogo aqui na América Latina, ela nos auxiliou muito no processo de tradução. Trabalhamos num documento que foi trilíngue e isso também levou à demora, porque o nosso jurídico, o jurídico da empresa japonesa trabalharam com a versão em português, inglês e japonês e isso demandou articulação para que pudesse acontecer.
É certo que agora, com o desenvolvimento da parceria, a empresa também colocou outros pesquisadores vinculados a eles, sejam universitários ou pesquisadores da mesma empresa, para que o andamento e as sequências pudessem acontecer em inglês. Há também toda uma modificação e a universidade está ali para dar esse aporte, porque nem sempre a gente consegue uma comunicação em um idioma que seja linear de ambos os lados.
IDeF: Você acredita ser possível replicar esse tipo de iniciativa em outros estados brasileiros? Como você enxerga essa possibilidade de expansão?
Gisele: Com certeza. Eu acho que, tendo interesse de ambos os atores envolvidos, é uma parceria super possível, replicável também. Partimos muito do princípio do mútuo conhecimento, das trocas. Durante muito tempo, acredito, ficamos muito à mercê de tecnologias já prontas, de outras nacionalidades ou de outras empresas, mas penso que o Brasil hoje está no momento realmente de poder construir junto. Nós temos muitas tecnologias desenvolvidas, tecnologia em vários aspectos. Então, estendendo a compreensão de tecnologia não apenas para equipamentos ou hardwares, pois também temos muitos softwares.
A relação de conhecimento, e de como acabamos ampliando o nosso conhecimento no aspecto do território brasileiro, faz com que a gente tenha bases que são exclusivas e únicas nossas, que são possíveis de ser serem compartilhadas e de, quem sabe, produzirmos algumas linhas que sejam uma terceira vertente deste encontro de parcerias internacionais. Parcerias essas que são muito ricas, de modo que, a partir do momento que a gente encontra com a diversidade, um universo de possibilidades surge dessa proposta. Além disso, o Brasil também é muito grande geograficamente, climaticamente, enfim, em vários aspectos. Dessa forma, entender os processos em que nós podemos beneficiar as nossas comunidades do entorno é fundamental e, certamente, as tecnologias são amplamente replicáveis em qualquer âmbito, não apenas no da agricultura, especificamente dos morangos, mas em qualquer aspecto.

