“Existem gestores que entendem que os objetivos globais podem representar oportunidades para o âmbito local”, diz Eduardo Gresse

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Eduardo Gonçalves Gresse é doutorando e membro do Centre for Globalisation and Governance (CGG) da Faculdade de Ciências Econômicas e Sociais da Universidade de Hamburgo. Dentre suas áreas de interesse, trabalha com desenvolvimento sustentável desde 2014, inicialmente estudando o conceito de Segurança Humana e posteriormente a Agenda 2030 da ONU. Eduardo também trabalha com os ODS no Instituto Terroá, uma ONG que tem facilitado o desenvolvimento territorial sustentável de comunidades na região Amazônica e no interior de São Paulo.

O IDeF entrevistou Eduardo Gresse, que abordou os desafios e as perspectivas para a implementação da Agenda 2030 no âmbito local, destacando também a importância da atuação dos atores não-estatais.

A partir da sua experiência e da sua pesquisa, gostaríamos de saber como os prefeitos e os gestores das cidades brasileiras são atraídos por essa agenda e pelos ODS? E como eles têm lidado com os ODS?

Tanto por conta da minha pesquisa quanto pelo trabalho no Terroá, eu tive contato com muita gente interessante engajada com os ODS. Eu estive recentemente no Brasil pesquisando a difusão da Agenda 2030 por atores não-estatais. Na verdade, eu tive pouco contato com atores governamentais, então não tenho como generalizar e retratar detalhadamente a forma com que prefeitos e gestores locais têm lidado com o ODS nas cidades brasileiras. Porém, de forma geral, eu acredito que existem ao menos dois tipos de abordagens. A primeira é a do gestor que olha para a Agenda 2030 e os ODS como um fardo. Muitos mal conseguem dar conta de administrar as prioridades e os problemas urgentes que eles têm que resolver no plano local. Portanto, se alguém chega com uma agenda nova, “de fora”, e sem recursos para implementá-la, e se as autoridades locais não enxergarem nesta agenda vantagens concretas, não adianta esperar que eles a considerem. O que não deixa de fazer sentido também. Afinal, para as pessoas que estão lá no “front”, é complicado. Entre tantas coisas, governar é eleger prioridades. Se não houver recursos nem apoio político, é difícil que esta agenda seja implementada.

A segunda abordagem é a daqueles que olham para agenda como uma oportunidade em termos de reputação e captação de recursos. Há gestores que acreditam que, a partir do engajamento com essa agenda, eles poderão disseminar as suas práticas, chamar atenção do público e das organizações e, com isso, ter mais possibilidades para captar recursos. De fato, existem gestores que entendem que objetivos globais podem representar oportunidades para o âmbito local. Inclusive na época dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), o Brasil ganhou destaque na ONU. Pombal/PB, por exemplo, foi até a ONU representar o Brasil como exemplo de implementação desta agenda. Isso tem um significado muito importante para os gestores públicos. No caso dos ODS, há municípios trabalhando para alinhar o seu planejamento estratégico e disseminar suas iniciativas. Ou seja, eles então alinhados à essa segunda abordagem. Enfim, por conta do meu foco em atores não-estatais, eu não tenho generalizar. Mas a impressão que eu tenho é que existem sim gestores públicos que olham para essa agenda como uma oportunidade para a melhorar a reputação, o seu planejamento estratégico e para a captação de recursos; e existem aqueles que olham para os ODS como um fardo, ou seja, uma “tarefa a mais” que, sem recursos e apoio político, estará longe de ser prioridade. Eu acredito que há gestores que implementam essa agenda de forma legítima no sentido de tentar realmente olhar para as políticas públicas, mas a impressão que eu tenho é que raramente se faz o trabalho de transformar o compromisso com a Agenda 2030 em políticas públicas e projetos de lei coerentes com os objetivos, metas e indicadores da agenda global. Então, isso é uma coisa que falta ainda para os governos brasileiros em todos os âmbitos. No caso dos atores não-estatais, existem muito mais razões pelas quais eles se engajam com os ODS. Desde projetos de pesquisa e extensão, como é o caso do IDeF; de projetos para formulação de políticas públicas, como tem o Núcleo na UFPB; até iniciativas de advocacy, como o Programa Cidades Sustentáveis. Enfim, existe uma ampla gama de motivações, que inclui monitoramento e avaliação de dados, participação social, melhoria na gestão pública; e existem também motivações por questões de imagem, reputação e captação de recursos, o que é normal. Mas a perspectiva dos ODS como um fardo não é tão comum entre os atores não-estatais.

E sobre as cidades pelo mundo? Você consegue nos dizer como elas têm lidado com a implementação dos ODS? Quais seriam as principais diferenças em relação às cidades brasileiras?

Minhas experiências nesse caso são basicamente as seguintes: já participei de eventos sobre a implementação da Agenda 2030 aqui em Hamburgo e tive contatos com experiências de outras cidades pelo mundo, sobretudo da Europa, durante um evento da ONU que se chama “Global Festival of Action”, no ano passado. Então, baseado nesses casos que eu consegui observar, acredito que a principal diferença é algo que não é novidade para ninguém: recurso. É esse o principal gargalo. As cidades europeias que eu pude acompanhar têm recurso e estrutura. Se não há recurso, você não consegue nem planejar a implementação da Agenda 2030, quanto mais colocar o planejamento em prática. É importante salientar, porém, que durante o evento só as cidades que se engajam com os ODS participaram. Não cheguei a conversar com representantes de cidades estrangeiras que não se engajam com os objetivos. Mas é de se esperar que exista a perspectiva dos ODS como “fardo” em outras cidades e países também. Outra coisa que é obviamente muito importante é vontade política, que depende muito da agenda do governo que está no poder e também da relação entre governos locais, estaduais e nacionais. Não adianta você ter um governo local que queira fazer as coisas, se engajar com políticas públilcas para o desenvolvimento sustentável, se o governo nacional não repassa recurso ou se há divergências polítícas; ou mesmo problemas na articulação política. A questão da governança, portanto, é complexa e acho que cada caso precisa ser analisado com atenção. Mas, de forma geral, a maior diferença entre as cidades que pude observar, no Brasil e no exterior, é a disponibilidade de recurso e, a partir daí, a intraestrutra, capacidade de implementação, etc. No Brasil, além dos problemas estruturais do passado, temos uma agenda política no governo que vai na contramão da Agenda 2030.

Na sua visão, quais são os pontos positivos e negativos dos ODS? Eles conseguem suprir as necessidades e interesses das cidades? Eles de fato podem ajudar os prefeitos e gestores municipais ou estaduais na governança local?

Na verdade, tudo depende do uso que se dá para os ODS. Você pode ter muitos pontos positivos e alguns negativos, ou muitos negativos e poucos positivos. O que acontece é que a Agenda 2030 é uma agenda global: depois de um amplo processo de negociação, que levou 3 anos e contou com a participação de atores estatais e não-estatais do mundo inteiro, 193 Estados entraram em um acordo sobre os 17 objetivos a serem alcançados até 2030. Portanto, para se chegar à uma agenda como esta, não há como ter algo muito detalhado. A Agenda 2030 é uma agenda que, já na concepção, é para ser adaptável para os diferentes contextos nacionais, regionais e locais, então tudo depende muito do uso que se dá para ela. Porém, mais objetivamente, eu acho que um ponto positivo que a Agenda 2030 e os ODS trouxeram é que eles ajudaram muita gente a entender o que é desenvolvimento sustentável. Até hoje, muita gente relaciona a sustentabilidade só com a questão ambiental. Os ODS, por sua vez, trouxeram uma perspectiva holística: para falar de desenvolvimento sustentável, temos que falar de pobreza, desigualdades, questões de gênero, instituições, corrupção, mudanças climáticas, etc. Além disso, a agenda tem servido como instrumento para a monitoramento e avaliação de políticas públicas e projetos, o que é outro ponto positivo importante.

“Eu acho que um ponto positivo que a Agenda 2030 e os ODS trouxeram é que eles ajudaram muita gente a entender o que é desenvolvimento sustentável.”

O ponto negativo também tem a ver com o uso que se dá para ela. É que existem organizações, de diversos setores, que simplesmente fazem uso dos ODS para propagar ações que já fazem – tanto voluntariamente como ao cumprir suas obrigações legais e/ou organizacionais. Ou seja, são ações que não representam mudanças concretas. Os ODS deram margem para esse tipo de propaganda. No caso da gestão pública local, se houver um trabalho de utilizar os ODS como base para as políticas públicas e projetos de lei que orientem o município para o caminho do desenvolvimento sustentável, com certeza a agenda pode desempenhar um papel importante, positivo. Agora, se for para utilizar a agenda simplesmente como propaganda, ou seja, para dizer que se está contribuindo com os ODS sem ter implementado ações concretas e coerentes com a agenda, não adianta nada. Por isso é tão importante o trabalho da sociedade civil de acompanhar tanto a implementação de políticas públicas quanto a evolução dos números, dos dados socioeconômicos, ambientais, etc.

Quais seriam suas principais conclusões sobre a implementação dos ODS no Brasil?

Vamos fazer uma análise do que aconteceu no Brasil desde que a agenda foi ratificada na ONU em setembro de 2015. Naquele momento, o Governo Dilma já estava passando por uma série de crises. Ela não foi uma presidenta que olhou muito para as questões globais, pois estava mais (pre)ocupada com as crises domésticas. Em 2012, durante a Rio +20, foi lançada a ideia de se iniciar um processo intergovernamental e participativo para criar os objetivos de desenvolvimento sustentável, no âmbito da então denominada “Agenda Pós-2015”. Na época da Rio+20, o Brasil assistia um importante progresso em termos socioeconômicos e ambientais que, embora não tenha sido suficiente para resolver boa parte dos problemas estruturais do país, representou um avanço sem precedentes. Só aquele foi também um momento de virada: a começar pelo novo código florestal e Belo Monte. Em 2013 houve aquela série de protestos e um ano depois uma eleição presidencial muito acirrada. Logo depois que Dilma foi eleita, iniciou-se uma grande mobilização e articulação política que culminou na destituição da presidenta, agravou a instabilidade e a polarização política no país e levou o então vice-presidente Michel Temer ao poder. Temer assumiu o comando do país e colocou em prática uma agenda completamente diferente da anterior e que não tinha absolutamente nada a ver com desenvolvimento sustentável. Em todo caso, o Governo Temer foi um governo que, retoricamente e simbolicamente, manteve o compromisso do Brasil com a Agenda 2030 e criou a Comissão Nacional dos ODS, que conta com a participação de representantes da sociedade civil, dos setores privados e da academia. Agora, com o Governo Bolsonaro, houve uma grande ruptura.

Se a agenda já não era uma prioridade anteriormente e o compromisso era simbólico, agora não há compromisso algum.

Então, hoje em dia a implementação dos ODS é basicamente dependente dos atores não-estatais e dos atores locais e estaduais, porque há municípios e estados que não necessariamente estão alinhados com o governo nacional. Portanto, eu vejo a implementação dos ODS no Brasil muito prejudicada. Na verdade, não houve, desde 2015, nenhum momento favorável à implementação da Agenda 2030 no Brasil. Só que agora o momento é completamente desfavorável. Então eu acredito que não haverá nenhum esforço do governo federal em prol desta agenda. Muito pelo contrário.De qualquer forma, o engajamento da sociedade civil, do setor privado, da academia e de gestores públicos com a Agenda 2030 é muito importante. Caso bem articulado, ele poderá evitar mais retrocessos e ajudar a construir as bases para a futura implementação de um projeto nacional para desenvolvimento sustentável.

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