Pesquisadora da UFMG fala sobre a plataforma internacional PoliMap que agrega políticas de combate ao COVID-19

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Fernanda Cimini é professora e pesquisadora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG. Possui graduação em Ciências Sociais e em Relações Internacionais, mestrado em Relações Internacionais e doutorado em Sociologia. Trabalhou na área de negociações internacionais e comércio exterior do Governo do Estado de Minas Gerais no período de 2007-2015. Suas pesquisas ocorrem no âmbito da economia política internacional e políticas públicas, sobre temas como organizações internacionais, cooperação internacional para o desenvolvimento e América Latina. Atualmente é a coordenadora nacional da plataforma internacional de mapeamento de políticas públicas de combate ao coronavírus – PoliMap. 

A plataforma PoliMap tem como objetivo identificar as políticas de combate à COVID-19 em diversos países e conta com a participação de diversos pesquisadores do mundo. Explica pra gente um pouco sobre como funciona o PoliMap, como surgiu a ideia da plataforma e como você se envolveu no projeto.

Fernanda Cimini – O PoliMap, em síntese, é uma plataforma que mapeia e classifica de maneira taxonômica as ações nacionais e internacionais de combate à COVID-19. Eu não estive presente no momento do surgimento da ideia da plataforma. Porém, a plataforma advém de uma iniciativa de um pesquisador chileno que atualmente trabalha como pesquisador visitante no centro de estudos de saúde pública da Finlândia.

Em princípio, logo na primeira semana da quarentena, surgiu-me a ideia de criar um observatório de monitoramento das políticas internacionais comparando as respostas dos diferentes países. Assim, logo quando a gente começou a rodar o projeto, já haviam vários observatórios em andamento – o da CEPAL, o da Universidade de Oxford e o da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômica (OCDE) – em que constavam essas respostas políticas, objeto de monitoramento. Dessa forma, em vez de criar algo novo, eu decidi utilizar as informações que já estavam sendo construídas. Sendo assim, por meio de buscas, eu conheci o PoliMap, ainda se preparando para entrar no ar.

O que me chamou atenção nesse projeto específico foi o fato deste trabalhar com uma taxonomia de classificação das medidas, o que vai além de simplesmente mapear as ações implementadas. Ou seja, o PoliMap permite a organização dessas ações de acordo com categorias específicas.    

Como vem sendo feito o mapeamento no Brasil? 

Fernanda Cimini – Em princípio, nós observamos que as políticas implementadas em nível federal não davam conta da realidade do nosso país por causa do nosso próprio sistema federativo. Dessa forma, uma série de medidas relevantes como quarentena e “lockdown” começaram a ser implementadas em nível municipal e estadual. Por conta disso, nós realizamos o mapeamento de todas as capitais e em breve finalizaremos o mapeamento de todos os Estados.

Qual a relevância de construir uma plataforma como essa e que resultados se espera alcançar com o PoliMap, tanto nacionalmente quanto internacionalmente?

Fernanda Cimini – Bom, acho que a relevância em si, do esforço, já é interessante. Principalmente por ser uma plataforma colaborativa, ou seja, sem financiamento e voluntária. Também é multidisciplinar, já que há pessoas da área da saúde, que trabalham com saúde pública, e epidemiologistas, além de cientistas sociais, analistas internacionais e cientistas políticos trabalhando juntos. Isso traz uma perspectiva diferente para projetos que são apenas de uma área. Além disso, é uma iniciativa transnacional, no sentido de ter visões distintas, de diferentes países.

Eu acho que, pelo menos pra mim e para os alunos que acompanho mais de perto, têm sido um aprendizado. Cada um faz a sua parte para alimentar esse banco global e não deixa de ser uma plataforma de diálogo. É importante nacionalmente porque é fundamental para pensar na avaliação de políticas públicas e pensar, nesse caso mais do que nunca, nessa situação inédita. Como o próprio Secretário Geral da ONU disse, quando enquadraram essa situação como uma pandemia, que “estamos juntos nessa e teremos que resolver isso de forma junta, compartilhada”. Então é importante entendermos como os outros países estão lidando e fica cada vez mais claro, no caso do Brasil, o quanto estamos ficando para trás.

Enfim, a gente tem adotado um tanto de medidas. Se você olhar as medidas do Brasil, elas são até melhores do que as dos outros países. O problema é que elas não têm um mecanismo de compliance, elas não têm abrangência territorial como nos outros países. Por isso precisamos ir além do Governo Federal porque os estados e municípios, como falei anteriormente, tem adotado estratégias diferentes. A gente está observando isso pela mídia, mas acompanhar isso do ponto de vista das políticas, dos decretos e das leis, nos dá uma dimensão melhor do desenho e da estratégia adotada por cada estado, como eles desenharam essas estratégias e as estão coordenando internamente. Então essas categorias do PoliMap nos permitem fazer esse tipo de análise.

A partir do levantamento feito até o momento, quais políticas você identifica como exitosas? Seria possível replicar essas experiências nas cidades brasileiras?

Fernanda Cimini – Bom, a gente tem olhado e notamos que as políticas se repetem muito. Não vimos nenhum tipo de política que um país adotou de forma única. Em geral, elas vão em quatro eixos. Um é a prevenção, e aí há uma coisa que o Brasil poderia ter adotado de forma mais enfática: as medidas de distanciamento social, adotadas no início da pandemia, o que, talvez, tivesse poupado a escalada que a gente está observando hoje, no número de casos e também no número de mortes.

Outro eixo é o aumento da capacidade (do sistema de saúde), e aí é um ponto que nós não avaliamos ainda detalhadamente, mas que o grupo da saúde vai avaliar, que é, por exemplo, o uso das unidades de atendimento à saúde básica e como elas são importantes nessa triagem dos casos.  Porque o que aconteceu com a pandemia foi que todo mundo passou a olhar para as UTIs, para os leitos e para aquisição de equipamentos (ventiladores etc.), o que foi comum em todos os países. No entanto, o que a gente tem que observar agora é se quem apostou mais nesse atendimento primário se deu melhor, e isso é algo que o tempo poderá nos dizer, mas é algo importante para olharmos.

Sobre as políticas de mitigação, o que me parece exitoso é aquele país que consegue implementar políticas de atenuação econômico-social concomitantes às políticas de distanciamento social e não tem um delay, isto é, não tem um atraso entre essas medidas porque essas ações econômicas também ajudam, reforçam e incentivam as pessoas a se comprometerem com o distanciamento, uma vez que elas sabem que não estão abandonadas e que tem ali um estado provedor de algum tipo de ajuda, podendo, de certa forma, compensar essas perdas.

E aí nós não entramos na análise dos municípios ainda, mas eu tenho certeza que isso também vai nos ajudar. Nós estamos trabalhando só com Belo Horizonte, porque BH tem sido considerada uma cidade exitosa, e vendo a importância, por exemplo, da política de cesta básica para complementar a política de renda básica do governo federal, que não só sofreu um grande atraso, mas também se mostram insuficientes para dar conta da proteção financeira das famílias.

Tendo em vista sua experiência como pesquisadora e gestora no Governo, como você avalia o papel da cooperação internacional e o desenvolvimento de estados e cidades brasileiras?  

Fernanda Cimini – Pensando especificamente no contexto da pandemia, nós ainda não conseguimos mapear essas ações, então fica aberto o convite para vocês do IDeF nos ajudar a pensar em formas de categorizar e classificar essa cooperação internacional. A nossa especialidade aqui no PoliMap é trabalhar no mapeamento de ações internacionais dos Estados e das organizações internacionais no contexto da pandemia. De forma ilustrativa, dificilmente a cooperação internacional vai atuar na questão do distanciamento social, pois isso diz respeito aos Estados em seus diferentes níveis. Porém, as prefeituras e governos estaduais buscam cooperação com a finalidade de facilitar a aquisição de equipamentos ou de cooperação técnica, como é o caso de alguns governos subnacionais brasileiros e a China. Contudo, eu não sei de cor as ações concretas que foram realizadas, mas em linhas gerais, acredito que o papel da cooperação internacional será responsável por definir, nos próximos meses, Estados que serão capazes de sair deste momento isolacionista que o Brasil se colocou. 

Ainda por cima, analistas de política internacional mostram que o Brasil está ficando no “fim da fila” no tocante ao combate ao vírus. Isso pode ser visto tanto pela nossa incapacidade de gerenciar essa crise, quanto pela nossa incapacidade de fazer um diálogo sério, baseado em fundamentos técnicos, etc. Dessa forma, os Municípios e Estados brasileiros têm de atuar contra a orientação da política externa brasileira e quem consegue fazer isso conseguirá, no meu ponto de vista, um papel de destaque em relação às demais cidades. De forma conjecturada, parece-me que isso está sendo a diretriz da paradiplomacia e da cooperação internacional descentralizada nessa pandemia.

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