Hugo Salomão França, Diretor de Relações Internacionais de Belo Horizonte, fala da atuação internacional do município em tempos de pandemia

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O IDeF entrevistou Hugo Salomão França, atual Diretor de Relações Internacionais da Prefeitura de Belo Horizonte e ex-assessor internacional do Governo de Minas Gerais. Na entrevista foram abordadas questões relativas à atuação internacional da prefeitura em tempos de pandemia e à produção do material “Repositório de Recomendações e Boas Práticas Internacionais em Resposta ao COVID-19”, que foi elaborado pela Diretoria de Relações Internacionais de Belo Horizonte e que já conta com oito edições e traduções em inglês, espanhol e francês. A prefeitura de Belo Horizonte, terceira maior metrópole brasileira e sétima da América Latina, produziu esses repositórios com o objetivo de subsidiar a administração municipal para a gestão atual de enfrentamento ao Covid-19, trazendo as principais diretrizes e recomendações de organizações internacionais especializadas, bem como experiências e referências de governos de todo o mundo.  

O documento apresenta ações, projetos, programas e políticas que podem ser adaptadas para a realidade local nas áreas de: Ações e Serviços Públicos, Assistência Social, Comunicação, Cultura, Turismo, Economia, Educação, Mobilidade e Saúde, além de avaliações qualitativas sobre as medidas apresentadas. Assim, com interesse em compreender melhor como funcionou a construção desse repositório e seus resultados, o IDeF preparou algumas perguntas. Todas as edições dos repositórios podem ser encontradas no seguinte link: https://prefeitura.pbh.gov.br/saude/coronavirus#

ENTREVISTA

Hugo Salomão – Antes de começar, eu gostaria de agradecer a toda a equipe do IDeF, a você, Mateus, e aos respectivos responsáveis, professores, coordenadores de Relações Internacionais na Universidade Federal da Paraíba como um todo. É uma satisfação muito grande participar dessa entrevista com vocês. Fiquei muito satisfeito quando soube que vocês chegaram a receber nosso documento, e esse documento tem sido uma referência para outros governos e instituições. É um prazer muito grande participar dessa reunião, contem conosco para o que for necessário. Estamos abertos a compartilhar ideias, informações e construir juntos essas agendas que são muito importantes principalmente neste momento de crise. 

Muito obrigado, Hugo. O prazer é todo nosso. Agora vamos à primeira pergunta. No final de março de 2020 a Diretoria de Relações Internacionais da Prefeitura de Belo Horizonte publicou um material virtual intitulado “Repositório de Recomendações e Boas Práticas Internacionais”, você poderia nos contar como surgiu essa ideia e como ocorreu a elaboração desse material? 

Hugo Salomão – Sim, como surgiu a ideia é até um pouco curioso. Eu estava na fila para fazer exame de Coronavírus porque eu era um potencial suspeito, pois nas noites anteriores, meados de março, eu participei ao lado de um vereador de um jantar oferecido pela Embaixada dos Estados Unidos com alguns representantes do governo americano e poucos dias depois esse vereador foi confirmado com Coronavírus. No dia 17 de março, eu fui ao Centro Especializado em COVID-19 da prefeitura aqui em Belo Horizonte, e foi um processo bastante demorado porque a demanda já era muito grande e os protocolos são rigorosos. Passei, basicamente, um dia inteiro nesse centro, e foi onde eu tive a ideia de inserir a Diretoria de Relações Internacionais nesse processo. Isso foi, salve engano, na semana seguinte à indicação da OMS de que o Coronavírus havia se tornado uma pandemia global. Na outra semana, a Prefeitura encerrou suas atividades presenciais gerais, tirando as de segurança, saúde, etc. 

Eu pensei que precisávamos desempenhar um papel, e necessariamente porque as relações internacionais são uma ferramenta/instrumento-chave transversal de desenvolvimento em qualquer cenário, seja ele positivo ou negativo, seja uma resposta à crise ou uma perspectiva de desenvolvimento. Pensei que deveríamos fazer, a princípio, o que seria um mapeamento de como os países mais afetados estão lidando com a situação para que pudéssemos subsidiar nossos gestores municipais nas suas respectivas tomadas de decisão. Então, dentro do hospital eu já passei mensagem para minha equipe falando “Pessoal, vamos direcionar nossos esforços para fazer uma pesquisa de iniciativas ao redor do mundo” e, assim, esse trabalho foi ganhando corpo e forma. 

No início, a gente estava lançando uma edição a cada 2-3 dias porque, de fato, era algo muito novo. Novo no sentido em que, em grande medida, não se tem uma orientação geral sobre como agir nas áreas de gestão/trabalho, e muitas vezes, na administração pública é um caso sério, mas de modo geral, é difícil ter acesso a informações aprofundadas de qualidade em português porque elas são em grande parte documentos de trabalho e a grande maioria da administração pública tem acesso. Mas, por outro lado,

Não há um mecanismo para conseguir acessar essas informações de forma muito clara, porque isso requer pesquisa, muitas vezes em outra língua e naquele momento (meados de março), o foco ainda estava na China e se transferindo um pouco para a Europa, sendo um cenário muito mais limitado.

Os primeiros casos de Coronavírus no Brasil estavam registrados principalmente em São Paulo. Em Belo Horizonte a gente tinha pouquíssimos casos e nenhuma morte. Mas nós vimos que precisaríamos e deveríamos cumprir um papel-chave nesse sentido. Então, desde a semana do dia 18 de março, iniciamos esse processo de coleta de dados, informações, notícias e políticas em todos os continentes.

Hoje nós já temos mais de 1300 iniciativas e 150 países mapeados. Esse é um número bem significativo, como você mencionou, e eles são divididos em eixos que vão desde saúde e educação até mobilidade, desenvolvimento econômico, ações e serviços públicos, assistência social, etc. 

A ideia surgiu nesse contexto como uma oportunidade de posicionar as relações internacionais como um mecanismo transformador e de impacto em uma administração municipal. Assim, falando das relações internacionais subnacionais de modo geral, ainda hoje isso precisa ser compreendido, talvez a maior dificuldade das relações internacionais subnacionais seja compreensão: compreensão do seu valor, seu papel e da necessidade de ter uma área internacional em um governo local. Eu trouxe um dado assustador: logo depois da mudança de administração, houve uma redução de 80% do número das áreas internacionais, seja ela uma secretaria, assessoria ou diretoria na administração municipal nos últimos quatro anos no Brasil. Isso é muito. Obviamente, em alguma medida isso foi retomado, mas hoje, em média, existe apenas metade das estruturas internacionais que existiam há quatro anos atrás no Brasil. 

“a maior dificuldade das relações internacionais subnacionais seja compreensão: compreensão do seu valor, seu papel e da necessidade de ter uma área internacional em um governo local.”

Então, nas relações internacionais, principalmente participando de movimentos de redes como o Projeto AL-LAS e outros, discute-se sobre a irreversível internacionalização de governos locais. Mas, em alguma medida, é observado que com essa escalada de discursos mais nacionalistas, fechamento, e outros, as relações internacionais subnacionais não estão tão bem consolidadas assim e essa foi uma oportunidade em que tanto eu quanto a equipe de Relações Internacionais de BH, que é muito competente, identificamos que a gente poderia aproveitar para posicionar nosso trabalho e também contribuir de forma ampla e transversal com todas as áreas e setores da Prefeitura para a tomada de decisão e para subsidiar projetos, inclusive como uma referência para o prefeito. 

Que resultados essa publicação trouxe para a prefeitura até o momento? Tem ocorrido parcerias ou um diálogo ativo com entidades estrangeiras no combate ao COVID-19? 

Hugo Salomão –  A gente não tem mensurado exatamente o impacto na tomada de decisão, mas um indicador positivo é que esses documentos são encaminhados aos gestores principais, secretários, subsecretários, gabinete do prefeito e do vice-prefeito. Muitos agradecem e indicam que o documento foi útil para a tomada de decisão, mas muitos deles demandam novas procuras, iniciativas e mecanismos, que tem sido feito em determinadas áreas como na questão de enterros e velórios. A nossa Fundação Municipal de Parques perguntou e pediu para a gente fazer uma pesquisa específica sobre como as partes do mundo mais afetadas estavam lidando com a situação. Existe uma demanda contínua da estrutura municipal sobre o que o mundo tem feito nessa área e isso é muito positivo porque a gente consegue inserir a ideia da importância de ter uma interlocução internacional significativa e robusta para que possamos atender essas demandas e esses gargalos, e enfim conseguir solucionar em grande medida os problemas da cidade. 

“O documento foi útil para a tomada de decisão, mas muitos deles demandam novas procuras, iniciativas e mecanismos, que tem sido feito em determinadas áreas como na questão de enterros e velórios.”

Várias das medidas que foram trazidas no repositório foram implementadas. Por exemplo, a implantação de barreiras sanitárias nas principais vias de acesso dos outros municípios da região metropolitana até a cidade de Belo Horizonte. Essa foi uma medida que foi apresentada no nosso repositório e algumas semanas depois foi implementada para a entrada e saída de veículos. A gente consegue identificar que a pesquisa que está sendo entregue a esses gestores está sendo apropriada e implementada para se obter resultados que atendam melhor a população. Em relação às parcerias internacionais, Belo Horizonte participa de diversas redes internacionais como o Projeto AL-LAs, Mercocidades, Metrópoles, Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU), Governos Locais pela Sustentabilidade (ICLEI), Cidades Educadoras, Cidades Criativas da UNESCO, FAB City, Cities for Forest. São cerca de 15 redes internacionais que Belo Horizonte faz parte e desde o princípio houve uma indicação da nossa parte de que estávamos fazendo esse trabalho, mas que seria desejável que tivéssemos um trabalho em rede que pudesse facilitar a troca de informações, gestão de informações, realização de atividades e algumas medidas foram construídas como desdobramento disso. 

Uma dessas iniciativas é a Cities for Global Health, uma plataforma que foi criada também a partir da nossa mobilização por meio de algumas redes, que faz a compilação de iniciativas do mundo inteiro, e em alguma medida com o nosso repositório, mas todas sistematizadas em uma plataforma online. A gente tem trabalhado com outras instituições e governos, inclusive existe um grupo dos interlocutores de relações internacionais de governos locais no Brasil. 

Belo Horizonte e São Paulo compartilharam suas iniciativas basicamente juntas. A gente começou essa mobilização quase concomitantemente, então a mesma pesquisa que a gente faz aqui é compartilhada com outras cidades brasileiras e estrangeiras. Isso é uma proposta que desde a primeira edição a gente tem focado: mais do que nunca é momento de mostrar o valor da cooperação e da solidariedade internacional, então uma vez que a gente desenvolveu esse trabalho profundo e robusto de pesquisa, não faz sentido que apenas nós fiquemos com ele e responda com isso somente à crise de Belo Horizonte. A gente tem compartilhado isso com governos do Brasil todo, de forma geral, mas também traduzido todos esses documentos em inglês, espanhol e francês para que isso também possa contribuir com nossos parceiros estratégicos, cidades-irmãs e redes internacionais.

Acredito que hoje talvez mais ou menos uns 800 a 1000 governos estejam recebendo nosso documento.

Por exemplo, a rede 100 Resilient Cities, iniciativa de Cidades Resilientes da Rockfeller Foundation, compartilhou esses documentos com as 100 cidades deles no mundo inteiro, assim como o ICLEI, a Mercocidades e associações de municípios de outros países, como do Equador, indicaram que compartilharam isso com todos seus membros. A gente conseguiu ter um alcance bem significativo também com cidades europeias. Eu já dei entrevista para a deputação de Barcelona sobre esse documento e eles também estão fazendo a divulgação do repositório no site deles como uma referência internacional de boas práticas em resposta ao Coronavírus. A solidariedade da cooperação é chave nesse processo, e por isso tudo que a gente tem feito também nas outras línguas para que possamos acessar nossa região inteira, a América Latina, mas também parceiros na África, América do Norte, Europa, Ásia, e enfim, todas as partes.

O senhor trabalhou também como assessor internacional no Governo do Estado de Minas Gerais, você poderia nos contar sobre essa experiência e como ela difere da atuação no âmbito municipal? 

Hugo Salomão – Essa é uma pergunta interessante. Na verdade, eu comecei minha carreira ainda como estagiário na prefeitura, passei pelas Nações Unidas, depois para o Governo do Estado e agora estou de volta ao âmbito municipal. É interessante a gente ter uma visão sistêmica. Nas Nações Unidas trabalhei junto ao Governo Federal, então passei aí nos três níveis de governo. Falando especificamente sobre essa diferença entre o governo do estado e a prefeitura, o maior diferencial é a escala. Trabalhar Minas Gerais é pensar um território que é maior do que a França, por exemplo, com mais de 20 milhões de habitantes, e que poderia ser perfeitamente um país, até porque é maior que a grande maioria dos países. O estado de Minas Gerais pode ser considerado uma síntese do Brasil por fazer fronteira com o Rio de Janeiro e com São Paulo, experimentar as perspectivas de desenvolvimento ali da região sul de Minas com uma agenda de agronegócio muito forte, ter também o Triângulo Mineiro, e em contraste ainda ter o norte do estado ainda pouco desenvolvido com mazelas como fome, miséria e pobreza, que necessitam de uma atenção muito importante.

Em Minas Gerais, com uma Assessoria de Relações Internacionais, a gente consegue ter acesso a realidades muito distintas e uma necessidade de pensar políticas de forma abrangente para esse estado tão diverso, tão amplo, e ainda pouco internacionalizado. 

Obviamente, quando se fala em Rio de Janeiro ou São Paulo, em qualquer parte do mundo essas regiões vão ser identificadas, mas Minas Gerais talvez menos e o mesmo com Belo Horizonte. Porém, por Minas Gerais ser um estado com grande potencialidades e grandes desafios, posicionar isso e conseguir identificar parceiros e atores que possam contribuir com esse processo é fundamental. Além disso, outro aspecto importante é a necessidade de conseguir não fazer uma política pública apenas para o centro administrativo do estado, mas também pensar nos seus territórios. Por exemplo: como eu consigo levar internacionalização para o norte de Minas? Ou para o Triângulo Mineiro? Ou para o sul, que têm agendas completamente diferentes? Como eu consigo pensar uma estratégia de posicionamento internacional, internacionalização, desenvolvimento a partir das realidades locais? Minas Gerais é o estado com o maior número de patrimônios culturais da Unesco, são quatro, salve engano. Como que a gente consegue explorar isso? Como que os territórios conseguem se apropriar dos seus potenciais internacionais como um mecanismo de desenvolvimento e internacionalização? O norte de Minas tem a capital mundial da cachaça, mas ela não é conhecida no mundo por esse nome, então a gente precisa fazer um trabalho para posicionar, por um lado, a bebida que tem um regionalismo que faz parte da nossa cultura, mas também conseguir desenvolver os territórios e construir melhores políticas públicas de maneira transversal, facilitando o trabalho e potencializando as agendas das diversas outras secretarias. Mas, enfim, pensando na maior diferença eu diria escala de atuação. 

Agora falando sobre a cidade, o prefeito de Berlim há alguns anos em uma conferência internacional falou que “As cidades são sexy”. Trabalhar com cidade é muito interessante, principalmente para quem já trabalhou com o estado ou com o nível federal. É quase como um micro-território onde há a possibilidade de observar todas as nuances, tudo que está acontecendo, ou, principalmente, a maior parte dos resultados da sua política. Há uma maior sensibilidade sobre o que está acontecendo e se sente mais os resultados daquilo que está sendo promovido. Eu acho que a proximidade é um atrativo e algo que facilita esse trabalho internacional, tanto que no governo do estado, grande parte da nossa agenda era ficar rodando: ir para Montes Claros, como um dos principais pontos do norte do estado, e ir para as regiões onde não se pensava que essas agendas poderiam ser trabalhadas. Na escala municipal a gente vê e consegue implementar essas iniciativas de forma mais clara, facilitada e consegue acompanhar os resultados e seu desenvolvimento com uma proximidade maior. É muito bom trabalhar com o município, é um desafio muito interessante e dá gosto de ver as agendas acontecendo, senti-las no seu entorno mais facilmente do que no governo do estado, onde elas costumam estar pulverizadas nos territórios, mas obviamente também com um significado muito importante.

“O prefeito de Berlim há alguns anos em uma conferência internacional falou que “As cidades são sexy”. Trabalhar com cidade é muito interessante.”

Na sua opinião, qual é a relevância de se ter um órgão específico dedicado às relações internacionais dentro da estrutura administrativa de um governo? Isso tem feito a diferença nesse momento de pandemia?  

Hugo Salomão – A primeira questão é a profissionalização, que ainda é uma dificuldade e passa por aquilo que eu mencionei sobre a compreensão do valor, do papel e da necessidade de se ter uma estrutura internacional. Eu diria que a maior dificuldade de uma estrutura internacional subnacional é a compreensão, e assim, sem dúvidas, a profissionalização. No curso de Relações Internacionais, os internacionalistas se preparam e sabem quais são os atores, como os regimes funcionam, como as organizações internacionais operam, e se tem uma capacidade analítica, interpretativa e de solução de problemas que é multisetorial. A graduação em Relações Internacionais não forma especialistas, mas sim generalistas. São especialistas no âmbito internacional, mas na perspectiva temática, são generalistas em agenda econômica, Ciências Sociais, Ciências Políticas, Direito, Economia. A gente tem uma visão abrangente sobre regimes, tratados e convenções. 

Por exemplo, hoje, não existe mais perspectiva de desenvolvimento que não seja um desenvolvimento sustentável, é algo fundamental, e pelo menos os gestores civilizados se deram conta de que pensar no meio ambiente não é uma opção, mas uma necessidade. Para isso hoje existe o Acordo de Paris, que é o acordo resultante da XXI Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-21) que aconteceu em Paris, e da qual inclusive eu participei. Essa conferência trouxe as principais diretrizes que governos, empresa, sociedade civil, academia e instituições devem seguir para alcançar o desenvolvimento sustentável. Isto é, conseguir atender as demandas dessa geração sem comprometer o acesso às mesmas oportunidades ou serviços e produtos das gerações futuras promovendo uma série de compromissos, as MDC’s, compromissos nacionalmente determinados onde cada Estado se compromete a implementar medidas que vão reduzir as emissões de gases de efeito estufa nos seus respectivos países. Existe um regime muito significativo de desenvolvimento sustentável, desenvolvimento de baixo carbono, inclusão por meio das agendas verdes, por exemplo, a coleta seletiva, gestão de resíduos sólidos, aproveitamento energético. Muitas vezes quem trabalha com uma agenda específica como Direitos Humanos ou Meio Ambiente não sabe qual é a origem daquela demanda, daquela legislação, da necessidade do serviço que ela está prestando ou da razão pela qual tal ação está sendo implementada. Na grande maioria das vezes, ela vem de um regime internacional, de um tratado, ou de uma convenção como o Acordo de Paris, mas também como os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, a agenda urbana, o Marco de Sendai para redução do risco de desastres, etc. 

Ter uma estrutura internacional que conheça as relações internacionais ou como essa relações funcionam, é fundamental para que isso possa ser aproveitado da melhor forma por um município. Junto com isso vêm as oportunidades.

Ter uma estrutura internacional que conheça as relações internacionais ou como essa relações funcionam, como as estruturas, agências, e regimes estão organizados é fundamental para que isso possa ser aproveitado da melhor forma por um município. Junto com isso vêm as oportunidades. Na medida em que o sistema internacional traz essa série de princípios, diretrizes e convenções para serem implementados em alguma medida nos municípios, ele também traz mecanismos de financiamento, cooperação internacional e apoio ao desenvolvimento. Essas oportunidades na grande maioria são as mais valorizadas de maneira geral pelos gestores. Nesse momento, nós estamos participando de duas chamadas internacionais. Uma é do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), de aproximadamente 8 milhões de reais, e a outra é da Comissão Europeia, com 23 milhões de reais de subvenções, e as duas agendas também estão relacionadas ao Coronavírus, devido a Belo Horizonte ter sido muito afetada no início do ano com chuvas (as maiores da história) que destruíram grande parte da cidade. Essa chuva do começo do ano está vinculada à mudança do clima, e quem gere a mudança do clima é o Acordo de Paris. Existem essas oportunidades que o município pode aproveitar. Existem vínculos entre a chuva que está matando pessoas a um tratado internacional. Consegue-se muitas vezes criar soluções ou trazer as melhores práticas para que elas possam ser desenvolvidas no município, e tudo isso vem do contexto do ambiente internacional. O grande benefício disso tudo é que, na maioria das vezes, as relações internacionais permitem que a gente encurte caminhos. Por exemplo, às vezes alguém pode estar bem avançado na estruturação de uma política pública, enquanto em outra parte do mundo está no seu início, e o processo de conclusão da estruturação demora uns 10 anos. Por meio da cooperação internacional esses dois pontos se encontram e os dez anos que esse gestor demoraria para chegar em um certo ponto pode ser resolvido por meio de uma cooperação internacional de um ano ou seis meses. Isso é muito bonito, muito interessante, traz eficiência em grande escala, melhora as políticas e no final das contas, melhora a qualidade de vida do cidadão, que é o fim básico que as relações internacionais de um governo subnacional precisam se propor a fazer. 

“Na maioria das vezes, as relações internacionais permitem que a gente encurte caminhos. Por exemplo, às vezes alguém pode estar bem avançado na estruturação de uma política pública, enquanto em outra parte do mundo está no seu início.”

Que sugestões você daria para os assessores internacionais de outras prefeituras brasileiras nessa atual conjuntura que vivemos? 

Hugo Salomão – Essa é uma pergunta que nós mesmos na Diretoria temos nos feito e que temos conversado sobre com os gestores municipais de relações internacionais do Brasil porque esse é um momento-chave, um momento eleitoral. Não só para quem já trabalha com as relações internacionais de alguma maneira, mas também para os internacionalistas, analistas internacionais ainda em formação, ou também outras áreas. Eu sou uma pessoa que acredita muito no poder e no papel da sociedade civil. Na medida em que nós temos alguma vontade política em relação a agenda, essa agenda vai ser desenvolvida em alguma área. A gente consegue posicionar as relações internacionais como chave para o desenvolvimento e como um mecanismo fundamental para não apenas alcançar o desenvolvimento econômico, mas também melhorar a qualidade de vida. Trazendo alguns exemplos básicos, o SAMU é uma cooperação internacional apropriada do modelo francês de sistema de atendimento de ambulâncias. Além disso, nós também temos uma estrutura de escolas em Belo Horizonte chamadas EMEIs que foram premiadas mundialmente como um dos melhores sistemas municipais de escola no mundo, com o melhor ensino imaginável e uma estrutura fantástica, se tornando inclusive uma referência, que também foi desenvolvido por meio de cooperação internacional entre Belo Horizonte e uma cidade italiana. Outro exemplo é a política de segurança alimentar de Belo Horizonte que é muito internacionalizada e já foi referência para muitos países africanos e latino-americanos. (É preciso) Conseguir apresentar esses ganhos que as relações internacionais, de maneira geral, podem proporcionar e também cobrar dos nossos representantes eleitos que se tenha uma estrutura internacional profissional. Nesse ponto a Academia é chave. Ter um observatório, uma Diretoria de Relações Internacionais, ou até mesmo os estudantes se organizarem para fazer uma pressão positiva, uma cobrança e questioná-los “Quais são suas perspectivas?”. De maneira geral, nunca se vê qualquer perspectiva internacional em um plano de governo municipal ou até mesmo estadual. É difícil identificar essas variáveis. É justamente fazendo esse acompanhamento e essa cobrança positiva para que cada vez mais isso seja identificado como um mecanismo de desenvolvimento e com um potencial para que seu espaço seja aproveitado e seja cada vez melhor ocupado, mais ampliado, porque hoje em dia ele infelizmente ele ainda é muito limitado.

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