Assessor Internacional da cidade de São Paulo fala das ações da SRI em tempos de pandemia

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Francisco Pereira é mestre em Políticas Públicas e Relações Internacionais e doutorando em Ciências da Integração pelo Programa de Integração da América Latina da Universidade de São Paulo (PROLAM/USP). Atualmente é assessor internacional da Secretaria de Relações Internacionais da Cidade de São Paulo. Também é membro da Associação Nacional dos Profissionais de Relações Internacionais (ANAPRI) e de internacionalista no Comitê de Imprensa da Associação Nacional dos Profissionais de Privacidade de Dados (ANPPD). 

Desde março de 2020 que a Secretaria de Relações Internacionais da cidade de São Paulo vem publicando um material virtual intitulado “Mapeamento Internacional de Ações Realizadas para Enfrentamento ao Covid-19”, você poderia nos contar como surgiu essa ideia e como tem sido a elaboração desse material? 

Francisco: Desde o dia 11 de março, quando a COVID-19 foi declarada pela OMS uma pandemia mundial, a gestão do Prefeito Bruno Covas, através da Secretaria de Relações Internacionais, teve essa preocupação: realizar um mapeamento de como boa parte do mundo – cidades, estados e países -, principalmente os países que foram mais atingidos pela pandemia, estavam lidando com os diversos temas. Nós elencamos assuntos que foram afetados na vida em sociedade, desde saúde a proteção aos mais vulneráveis, medidas de contenção, isolamento social, medidas de restrição no transporte público, temas que são prioritários para se pensar a vida em sociedade estando em uma pandemia. 

Primeiramente, pensamos em fazer um mapeamento desses países para que pudéssemos ter subsídios aqui na Cidade de São Paulo. E assim, mostrar às equipes, principalmente de saúde, e às secretarias “fins”, pois somos secretaria “meio” – ou seja, nós intermediamos as demandas internacionais junto às secretarias “fins” -, a possibilidade de uma troca de experiências com uma política pública específica implementada em outros países. No primeiro momento a intenção era termos um panorama de como o mundo estava lidando com pandemia. A iniciativa foi crescendo e, de repente, o material já estava sendo difundido em prefeituras de outras cidades do Brasil e também de outros países. Então fizemos um mapeamento dessas medidas e enviamos para consulados e embaixadas aqui no Brasil, bem como para os contatos que nós temos de outras cidades, principalmente das que acompanhamos no mapeamento. 

Para entendermos melhor a dinâmica, nos dividimos por equipes: equipes de missões e projetos especiais; equipe bilateral – a qual eu faço parte – que está mais à frente do mapeamento, uma vez que cuidamos do contato bilateral com cidades, países e consulados; e a equipe multilateral, que é a equipe das redes de cidades e organismos internacionais. O projeto foi crescendo e fomos compartilhando diversas experiências, muitas das quais serviram de subsídio para o Estado de São Paulo também e para outras prefeituras, como a de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Ficamos muito felizes com isso, até porque o objetivo do mapeamento é a análise do que as principais cidades do mundo estão fazendo e quais as lições que podemos aprender, já que o vírus chegou aqui depois e tivemos um time a mais do que a Europa, China, Japão e Estados Unidos tiveram, para que possamos trocar experiências. 

As medidas de São Paulo também servem para outros países, principalmente os vizinhos, e a troca de experiências de políticas públicas é um dos objetivos da paradiplomacia para saber onde se pode implementar uma política efetiva em algum lugar, de acordo com as características daquele  local. 

Que resultados esse mapeamento trouxe para a cidade de São Paulo até o momento? De que forma a prefeitura tem se relacionado com entidades estrangeiras nesse momento de combate ao COVID-19?

Francisco: Nós trouxemos essa realidade dos resultados das cidades que implementaram sistemas de reabertura para pensar o que seria interessante. Como a Cidade do México, com a ideia dos semáforos. Aqui no Estado de São Paulo foi implementado o sistema de semáforos por regiões do Estado, onde você tem as regiões mais críticas em vermelho e as mais estáveis em verde – apesar de não haver cidades no verde, apenas entre laranja e amarelo. 

A região metropolitana de São Paulo ainda está nessa fase de reabertura de comércio, uma reabertura gradual, que não está estendida a parques, eventos, bares ou restaurantes, assim como em Madrid, na Espanha. A gente teve algumas experiências de reabertura com eles, o que serviu para que pudéssemos implementar essa política pública.

Estamos nos reunindo com as secretarias “fins”, como a Secretaria da Pessoa com Deficiência. Nestas reuniões há a preocupação em saber como estas pessoas nas cidades do mundo estão lidando com a pandemia, porque elas não podem sair, precisam de assistência em casa, possuem a mobilidade reduzida e não podem trabalhar. Então, a gente fez webinars com cidades de países vizinhos e com cidades europeias sobre temas específicos – como por exemplo,  pessoas com deficiência, idosos, combate à violência contra mulheres – que possuem campanhas de conscientização bem desenvolvidas, como Buenos Aires, Montevidéu, Madrid e Barcelona. Outra questão que está sendo bastante discutida é a reativação da economia e como será esse pós-pandemia.

Vimos no portal da Prefeitura que São Paulo recentemente recebeu doações de máscaras de cidades chinesas, e com uma delas, Xangai, São Paulo mantém uma relação de cidade-irmã. Qual a importância de uma cidade manter uma relação de irmanamento com outra cidade estrangeira? Como cidades-irmãs podem se beneficiar dessa relação?  

Francisco: Nós temos o programa “São Paulo Solidária”, que desde o início da pandemia reuniu universidades, empresas públicas e privadas, e pessoas físicas que têm doado, atingindo a marca de mais de R$ 50 milhões em doações. Conseguimos muita ajuda cestas básicas de alimentos e higiene pessoal para boa parte das pessoas que não conseguiram sacar o auxílio emergencial do Governo Federal, assim como para famílias de imigrantes que vivem na cidade. 

A gente já vinha numa crise nacional econômica e ela se agravou com a pandemia. Tem muita gente trabalhando na informalidade nas nossas capitais, ganhando o dinheiro para comer somente naquele dia. Pela agravação desse quadro que a Prefeitura criou esse programa de doações e nós da Secretaria de Relações Internacionais também colaboramos realizando parcerias com empresas transnacionais e representações internacionais presentes na cidade de São Paulo.  

Através da irmanação com a cidade de Xangai, recebemos 50 mil máscaras de proteção para profissionais de saúde do município.

A China, como país pioneiro na recuperação da pandemia, possui uma alta capacidade de colaborar com apoio técnico e material. Através da irmanação com a cidade de Xangai, recebemos 50 mil máscaras de proteção para profissionais de saúde do município. Foi um dos primeiros países que doou, e assim como ajudou São Paulo, também ajudou outras cidades brasileiras e latino-americanas, por que os esforços chineses foram direcionados para tentar auxiliar outros países no combate a COVID-19.

Na China, nós somos cidade-irmã de Xangai e de Macau, que é uma região autônoma de colonização portuguesa e pertencente à China desde 1999. Conceitualmente, as cidades irmãs têm uma aproximação, geralmente por fatores históricos e populacionais comuns, muito por  causa da imigração. Assim, nós temos muita proximidade com cidades chinesas, italianas, japonesas, portuguesas, espanholas e africanas. Sobre essas cidades-irmãs: a gente está em constante diálogo com a Comissão Extraordinária de Relações Internacionais na Câmara Municipal da cidade, criada em 2019, com a qual estamos em diálogo para dar maior visibilidade aos acordos de cooperação e irmanamentos entre cidades. 

No entanto, se é possível aprender alguma coisa nesse período, é que a nossa área da paradiplomacia tem uma expertise já muito consolidada, apesar de ser uma área jovem nas RIs, de que em momentos decisivos como este, de uma pandemia mundial, nós mostramos resultados, que somos um corpo técnico capacitado para trabalhar em diversas situações, para que possamos trocar experiências, aprender com outras cidades e poder ensinar também. Um resultado concreto disso são as doações. Nós conseguimos doações de representações chinesas, turcas e sul-coreanas, então a reativação desses contatos que estávamos tendo foi fundamental para ter essas ajudas agora no período que estamos vivendo.

Porém, há as cidades-irmãs e os acordos de cooperação bilateral, ou seja, existem duas coisas distintas: às vezes há a relação de cidades-irmãs, mas não há um plano de ação concreta. Muitos podem dizer que a diplomacia é em longo prazo, mas a gente difere da diplomacia nacional nesse sentido da concretização dos projetos, porque temos o cidadão mais perto da gente, cobrando mais políticas públicas no dia a dia, cobrança essa que não é tão intensa no âmbito nacional. É uma política pública que é bem perto do cidadão, e este é o diferencial da paradiplomacia.

Então, essas relações de cidades-irmãs estão sendo reativadas pela gestão atual, principalmente nas cidades que temos maior relação ao longo da existência da secretaria e iremos fazer novos irmanamentos quando tivermos a reciprocidade entre as autoridades municipais – dos dois lados – e tivermos um plano de ação com temas em comum. Ou seja, temos que procurar temas em comum com estas cidades e fazer um plano de trabalho em cima desses temas, pois se isso não ocorrer, os resultados concretos não saem e a gente acaba sendo mais cobrado pela população. Nós precisamos mostrar resultados nas políticas públicas, até porque nosso salário é pago com a arrecadação de impostos da população.

Você poderia falar um pouco do impacto dessa pandemia na rotina da Secretaria de Relações Internacionais? As atividades internacionais da Prefeitura permanecem na mesma intensidade ou outras áreas têm sido priorizadas no momento, como a área da saúde? 

Francisco: Desde março nós estamos trabalhando “home office”. Fazemos boa parte dos processos por meio eletrônico, até porque as representações e outras cidades com as quais trabalhamos também estão nesse sistema. É diferente, nunca passamos por isso antes e temos que aprender a cada dia como trabalhar de casa e eletronicamente. Na realidade, nós antecipamos um fator que era inevitável… Eu também participo de uma organização de proteção de dados, a ANPPD. Há uma lei de proteção de dados e nós vamos ter uma autoridade nacional de proteção de dados, vinculada ao Governo Federal, a ser implementada ainda esse ano ou no próximo. Fazendo um link com o que você perguntou, inevitavelmente vamos ter, em um futuro próximo, nossos processos praticamente 100% eletrônicos. E a administração pública vai ser perguntar “por que uma cidade como São Paulo, uma megalópole, (tem que) ficar duas horas para ir e duas horas para voltar do trabalho, se você pode fazer boa parte do trabalho em casa, via home office?”. Aí você vai gerar infraestrutura eletrônica, de internet e de sistemas mais robustas do que as que temos hoje. E oferecer serviços melhores de internet, já que sabemos que o Brasil é um país ainda muito desigual digitalmente se comparado aos nossos vizinhos.

Na cidade do México, por exemplo, a reabertura está ocorrendo em um sistema quatro por dez, ou seja, quatro dias de trabalho fora e dez dias de trabalho em casa. Isso porque o vírus tem um período de dez dias da incubação até a manifestação dos sintomas, então se você pegar a doença no quarto dia de trabalho, você em casa não irá transmitir para o outro. Pensando em um futuro próximo, a gente vai ter essa realidade no serviço público, no trabalho em geral. Vamos ter que pensar em outros temas de qualidade de vida além do transporte público e trabalho. Isso vai ligando outros serviços como a saúde. As pessoas ficam doentes, desenvolvem problemas psicológicos… Então repensar a sociedade nesse período de pandemia é necessário. Estamos tentando fazer esse exercício no nosso trabalho e temos aprendido com isso, como funcionam os processos, como se trabalha eletronicamente. Os sistemas às vezes não entram e precisamos reiniciar, mas não é só a gente, é o mundo inteiro. Então é por isso que estamos aprendendo uns com os outros e tentando ajudar as demais secretarias da melhor maneira possível. Como falei no início, somos uma secretaria “meio”, então recebemos a demanda pública e repassamos para as demais secretarias.

Claro que em um período de pandemia a Secretaria de Saúde é a que mais está trabalhando porque é a mais demandada. (Há) as representações consulares entrando em contato sobre onde seus nacionais podem realizar o teste para poder voltar ao seu país, aí entramos na questão da “regra básica” da pandemia em que o teste só está sendo feito em quem manifestou os sintomas já que há um número limitado de testes. Nós recebemos essa pergunta diariamente, então o Secretário de Saúde e a sua equipe são os mais demandados. 

Mas temos trabalhado bastante também com a assistência social, direitos humanos, imigrantes, a questão do trabalho e da renda, a população de rua, que é diretamente atingida pela pandemia em razão de que são pessoas suscetíveis a contrair o vírus. Então muitas vezes tem-se que reinventar uma política pública que não estava dando certo, criar novas políticas públicas, tentar ter um novo olhar sobre as políticas que estão sendo implementadas e seguir as recomendações de saúde para não se expor e expor outras pessoas ao vírus. A cooperação, solidariedade, é o mínimo que podemos fazer agora enquanto servidores públicos e pessoa humana.

Que sugestões você daria para os assessores internacionais de outras prefeituras brasileiras nessa atual conjuntura que estamos vivendo?

Francisco: Conversando com colegas de outras prefeituras, tem uma reclamação em comum de que às vezes as outras secretarias não sabem quem nós somos, o que nós fazemos e qual são a nossa finalidade na administração pública. Por mais que a gente saiba, precisamos ter inicialmente a consciência de que muitas vezes as pessoas realmente não sabem quem nós somos, e às vezes, por não saber sobre o nosso trabalho, se tornam pessoas indiferentes. Então por vezes você faz uma ligação para uma secretaria “fim” e a pessoa não te responde ou não tem em conta a sua demanda, e nós identificamos que isso é um reflexo do desconhecimento. Muitas vezes nós somos os desconhecidos da administração pública, todo mundo conhece quem é da saúde, da educação… Mas das relações internacionais você tem um desconhecimento, já que é uma área nova e está sendo implementada agora nas prefeituras.

Um conselho que eu dou baseado no que estamos vivendo atualmente é que se não vem dos outros, precisamos fazer um exercício nosso. Um exemplo, nesse período, é que possamos nos cercar mais das secretarias “fins”. Podemos fazer aquele contato que queríamos dialogar, já que hoje as pessoas estão mais próximas porque estamos na mesma realidade. Sabemos que normalmente ficamos mais isolados, tem a realidade da disputa por pautas na administração pública. Então, em um momento em que todos tem que trabalhar o mesmo tema, é a hora de podermos dialogar com outras secretarias do nosso nível para entendermos as necessidades deles e nos colocar à disposição. Dizer que temos um trabalho sério na área das relações internacionais municipais e que estamos aqui para fazer a política pública acontecer, porque o profissional de relações internacionais tem uma ânsia de informação e tem uma facilidade de aprendizado, então é um profissional que tem muita vontade de colaborar em diversos temas da administração pública.

“O profissional de relações internacionais tem uma ânsia de informação e tem uma facilidade de aprendizado, então é um profissional que tem muita vontade de colaborar em diversos temas da administração pública.”

Precisamos ser reconhecidos por isso, as pessoas das demais secretarias precisam nos ver como servidores públicos. Além disso, nós da área de relações internacionais também precisamos nos ver como servidores públicos assim como os outros… Temos que nos dar esse reconhecimento. Essa é a dica que eu sempre dou: manter uma comunicação com os colegas de outras secretarias e prefeituras, aprender com eles e também ensinar sempre o  que aprendemos na área e na prática com outras cidades e países.

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