Cooperação climática para cidades resilientes: as ações da Semana do Clima da América Latina e Caribe (LACCW)

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O aluno Guilherme Lima participou da Semana do Clima da América Latina e Caribe (LACCW), realizada na cidade de Salvador/BA entre os dias 19 e 23 de agosto de 2019, e que contou com a participação de diversos governos locais e regionais. Abaixo está sua análise sobre as discussões ocorridas no evento e os caminhos pensados para o incremento da cooperação internacional em questões climáticas.

Durante os dias 19 a 23 de Agosto de 2019, ocorreu em Salvador/BA a Semana do Clima da América Latina e Caribe (LACCW), evento organizado pelo Governo Federal e co-organizado pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Durante o evento estiveram presentes centenas de lideranças locais e organizações regionais para discutir as principais pautas relativas às mudanças climáticas, bem como traçar panoramas para a implementação do Acordo de Paris, da Agenda 2030 e promover horizontes de trabalho para a Cúpula sobre Ação Climática e Convenção sobre Mudança Climática das Nações Unidas (COP 25), que será realizada em novembro em Santiago (Chile).

​​Por meio de painéis de discussão de variadas temáticas no tocante ao desenvolvimento de políticas e gestão de projetos para enfrentamento das adversidades climáticas, o evento articulou desde os setores públicos e privados, a sociedade civil, a academia e as municipalidades para dialogar acerca das principais metas, vulnerabilidades e desafios que acometem os países latino-americanos e caribenhos, incentivando a troca de conhecimento e experiências no engajamento de iniciativas para a resiliência ecológica.

PAINEL DE ABERTURA

Ainda na cerimônia de abertura da Semana do Clima, com a presença do Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e do Prefeito de Salvador Antônio Carlos Magalhães Neto (ACM Neto) foi destacada a importância de se cobrar maturidade e compromisso das autoridades governamentais para com a discussão das mudanças climáticas nas cidades e para o estabelecimento de um modelo de produção sustentável aliado ao combate das desigualdades sociais, ressaltando que os governantes não podem fechar os olhos para as metas estipuladas pelo Acordo de Paris para que este, nas palavras do prefeito ACM Neto, “não seja só um papel assinado por um punhado de países”. Ademais, foi ressaltado pelo prefeito que a defesa das políticas de justiça climática é “uma luta global e local em que é preciso pensar localmente e agir globalmente e pensar globalmente para agir localmente” e que as verdadeiras forças transformadoras são essencialmente movidas pelo poder local, citando o exemplo de organizações e iniciativas que conectam as cidades, como é o caso da rede Local Governments for Sustainability (ICLEI), a rede C40 cidades e o a 100 Cidades Resilientes (100RC), que atuam junto das cidades para a promoção de políticas e projetos de desenvolvimento sustentável, resiliência ambiental e redução das emissões de carbono baseados na ação local.

Em sequência, com um breve discurso marcado por severas críticas e manifestações pelo público presente, o Ministro do Meio Ambiente declarou que as estratégias consideradas pelo Governo Federal possuem bases ecológicas e que muitas questões trazidas pelo evento como a proteção do clima e do meio ambiente são pautas em evolução para o país, declarando ainda que “a ponderação, o equilíbrio e a apresentação dessas temáticas são muito importantes e a reunião presente consolida a captação de investimentos e oportunidade para o Brasil de mostrar questões de sustentabilidade que já fazem bem e outras que precisam ser melhoradas”. O pronunciamento foi bastante esperado pelos espectadores, tendo em vista a recente pauta em destaque acerca das queimadas na Floresta Amazônica, que na mesma semana foi o principal assunto das mídias locais e internacionais.

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Semana do Clima da América Latina e Caribe (LACCW) em Salvador, Bahia.

Em consonância, durante o painel seguinte “Pathways to a Low-Carbon resilient future in Latin America and Caribbean Urban Areas and Settlements”, o Chefe do Escritório Regional para as Américas e Caribe do Escritório das Nações Unidas para Desastres e Redução de Riscos, Raul Salazar, destacou que no contexto atual em que estamos inseridos “os desastres naturais e impactos negativos não são mais surpresas” e que de acordo com dados do organismo em média “88% dos governos locais são completamente ou parcialmente os responsáveis por não realizarem análises de risco”, ressaltando que acima de qualquer expertise e orçamento é fundamental que as implementações de ações governamentais estejam atreladas à responsabilidade ética para a compreensão dos impactos ambientais

MUNICIPALIDADES, FINANCIAMENTO E PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

Ao longo dos dias de evento diversos painéis integraram profissionais e gestores de diferentes esferas de trabalho em palestras e debates que ocorriam em salas identificadas pelo ODS (Objetivo do Desenvolvimento Sustentável) relacionado à temática. Contudo, ainda que a semana do clima contasse com uma riqueza de abordagens a serem exploradas, de modo geral os debates trouxeram discursos pontuais de comprometimento com a causa climática e promoveram reflexões valiosas sobre como as entidades administrativas podem se articular na implementação de projetos ambientalmente responsáveis que garantam resultados em curto e longo prazo.

​Foi notório ainda, em diferentes discursos, a necessidade de atrelar as políticas dos governos locais com as metas estabelecidas pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, além de buscar soluções cada vez mais descentralizadas de atuação, engajar em agendas intergovernamentais e buscar meios alternativos de financiamento para superar as deficiências administrativas. A prefeita de Brasiléia (AC), Fernanda Hassen, afirmou que tanto o Brasil quanto o seu estado (Acre) possuem planejamentos ambientais voltados majoritariamente para os períodos e situações de calamidade, de modo a suprir o básico e o emergencial, mas que pouco é feito quando se trata de ações de longo prazo para os municípios. Enquanto existem projetos desenvolvidos pelas prefeituras, por parte do estado não há retornos efetivos para serem postos em prática ou o retorno não chega em tempo hábil.

​Em contrapartida, o Representante Regional para a América Latina do Banco Europeu de Investimento, Arnd Beck, que palestrou durante o painel “Sustainable cities trough mobility planning and zero emission Technologies: Enabling conditions, partnerships and financing”, afirmou que não é difícil encontrar corporações que ajudem a financiar projetos de mobilidade e de transformação sustentável para as cidades e que é o papel dos bancos de desenvolvimento financiarem e investirem nesses tipos de projetos.

Corroborando com este discurso, a Gerente de Mobilidade Urbana do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), Anie Amicci, enfatizou que o suporte às cidades é dado por meio das linhas tradicionais do BNDES de financiamento estrutural e que, por exemplo, para o New Development Bank (NDB) é uma prioridade a realização desse tipo de investimento, contudo, é necessária uma maior integração operacional e de cooperação dos municípios para a elaboração de projetos suficientemente maturos. Assim, a gerente ainda destacou que o banco oferece mais dinheiro se as taxas de risco do investimento são expostas desde o início, e o que é crucial quando se tem bons projetos é que estes sejam custeáveis e bem desenvolvidos. Dessa forma, “não é o dinheiro que está faltando e sim a eficiência dos sistemas em que o dinheiro está sendo aplicado

PAINEL COM OS PREFEITOS

Em um dos últimos painéis a serem apresentados na Semana do Clima, diversos prefeitos, em sua maioria de municípios brasileiros, foram reunidos para expor as ações implementadas e as planejadas por suas cidades para atender as demandas relacionadas à redução de emissão de carbono e de resiliência climática, ao enfrentamento de questões críticas, além do fortalecimento e alinhamento das perspectivas da Rede de Cidades da América Latina e Caribe rumo à COP25. Estiveram presentes o prefeito de Salvador (BA) ACM Neto, cidade membro da C40 e associada da rede ICLEI, o prefeito Jonas Donizette de Campinas (SP) e também o presidente da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), o prefeito Bruno Covas (São Paulo), cidade membro da C40 e associada ao ICLEI, o prefeito Rafael Greca de Curitiba (PR), cidade igualmente membro da C40 e associada ao ICLEI, a prefeita Lisa Morris-Julian, da cidade de Arima em Trinidad & Tobago, o prefeito Arthur Virgílio Neto da cidade de Manaus (AM) e o prefeito de Recife (PE), Geraldo Júlio Filho, presidente do Comitê Executivo Regional do ICLEI na América do Sul.

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Na imagem, o Prefeito Arthur Virgílio Neto (Manaus) assinando acordo “Call for action: Creating an Ocean Knowledge to Policy Dialogue” de proteção aos oceanos, durante o Painel com os Prefeitos. Além dos prefeitos a assinatura conta com a presença de Tomasz Chruszczow, Campeão de Alto Nível da Parceria de Marrakesh para Ação Climática Global (MPGCA) da Convenção Quadro das Nações Unidas para Mudança Climática (UNFCCC) e de Isabel Torres, Presidente da Associação para o Futuro dos Oceanos (FOA) / Foto: Guilherme Lima/IDeF

​O prefeito Antônio Carlos Magalhães Neto destacou em sua fala a relevância do papel desempenhado pelo poder local e o protagonismo das cidades na execução de políticas públicas para o clima, pedindo por uma maior sinergia entre as cidades do Brasil e do mundo na implementação de ações mensuráveis e pragmáticas para a execução das metas estabelecidas pelo Acordo de Paris, sobretudo acerca da manutenção do aumento da temperatura do planeta em até 1,5°C: “Os governos locais são protagonistas para a transformação de padrões de consumo e para induzir o desenvolvimento em centros urbanos

Das principais ações de cooperação apresentadas no painel se destacam nas cidades:

Curitiba: Investimento em novas energias, para a integração da energia solar em ação apoiada pela rede de cidades C40 no programa “Curitiba Mais Energia” e em parceria com a agência alemã GIZ na estruturação de placas fotovoltaicas, além do programa de carros elétricos compartilhados em parceria com a Renault para a disponibilização do aluguel de veículos movidos a energia limpa.

São Paulo: Proibição dos canudos de plástico como um dos primeiros passos do acordo da prefeitura com a ONU Meio Ambiente, em parceria com a fundação Ellen MacArthur para a redução do consumo de plástico e da quantidade de lixo enviado aos aterros, sendo esta a única cidade da América do Sul a assinar o acordo.

Campinas: Integração das prefeituras e regiões metropolitanas, reflexão de políticas públicas comuns e práticas complementares aliadas à parceria com o ICLEI para a realização de um inventário regional de emissões de gases de efeito estufa (GEE).

Recife: Parceria com o ICLEI na elaboração do inventario de emissões de GEE, elaboração do plano de redução de emissões e levantamento de áreas de risco.

Manaus: Parceria da Fundação Konrad Adenauer com o ICLEI para a reunião do 1° Forum de Cidades Amazônicas e o reconhecimento do BIRD e do Banco Mundial de Manaus como cidade mais resiliente.

Ainda no painel foi assinado pelas partes presentes um acordo de proteção dos oceanos, documento redigido com base nas discussões da Semana do Clima, contendo diversas diretrizes para garantir a salubridade do ecossistema marinho e integrar uma aliança global em defesa do futuro dos oceanos, documento que será levado para a COP25 no final deste ano.

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Foto de encerramento da Secção Ministerial contando com a presença de, respectivamente:
Martin Frick, Diretor Sênior de Políticas e Programas de Mudanças Climáticas da ONU; John Christensen, Diretor da Parceria UNEP DTU; Antônio Carlos Magalhães Neto, Prefeito de Salvador; Alfonso Alonzo, Ministro do Meio Ambiente e Recursos Naturais da Guatemala; Verónica Camino, Senadora do México; Gonzalo Muñoz, Campeão de Alto Nível para a COP25; Fanny Castillo, Ministra do Meio Ambiente e Recursos Naturais do Nicarágua; Tomasz Chruszczow, Campeão de Alto Nível do UNFCCC; Sergio Bergman, Ministro do Meio Ambiente da Argentina; Renato Nardello, Gerente de Operações no Banco Mundial

Por fim, as críticas e recomendações gerais dos prefeitos estiveram relacionadas com a concentração de recursos do Governo Federal e má realocação entre as municipalidades, ao passo que nas palavras do prefeito Geraldo Júlio, “o dinheiro está ficando cada vez mais em Brasília e menos com os municípios” e é necessário fazer com que a rede de cidades participem do debate na discussão global e acessem projetos e financiamentos para que os municípios possam fazer as suas partes, pois, só os governos nacionais e investimentos públicos não serão o suficiente para cumprir os compromissos internacionais. Neste sentido, o prefeito Bruno Covas destacou também que eventos como a Semana do Clima da América Latina e Caribe são fundamentais para aproximar fundos internacionais que tem vontade em investir em projetos ambientais de municípios, ONGs e entidades para incentivar projetos de sustentabilidade. Como também ressaltou a prefeita Lisa Morris-Julian, “os municípios devem liderar como exemplo”, demonstrando o que se pode fazer e como se pode fazer, inspirando outras municipalidades no estabelecimento de políticas verdes.

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