Entrevista com Gilson Santos, diretor-presidente da Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (COMEC)

-

A discussão sobre a qualidade de vida nas cidades é um assunto em pauta atualmente. Em relação à mobilidade urbana, principalmente na região metropolitana, quais projetos vêm sendo desenvolvidos no estado do Paraná que podem inspirar outros centros urbanos?

Gilson: O grande desafio atualmente são as ligações que existem entre as cidades metropolitanas porque elas têm um papel muito relevante em relação a vida da metrópole. Aqui, por exemplo, a capital e metrópole é Curitiba e nós temos no entorno as cidades do primeiro anel, do segundo anel e do terceiro anel, então é uma região metropolitana muito complexa porque ela pega municípios dos mais diferentes tamanhos e estruturas. Existem municípios desenvolvidos e municípios pequenos que estão desenvolvendo suas estruturas e precisam ter receita própria para poder oferecer à sua população uma qualidade de vida, principalmente no primeiro anel, que são as cidades que estão conurbadas com com a capital, elas exigem do poder público uma atenção especial em relação à questão da mobilidade, até porque essas cidades são as que fornecem a mão-de-obra para a metrópole.

“Suas estruturas e precisam ter receita própria para poder oferecer à sua população uma qualidade de vida”.

No horário de pico ou do rush, há uma grande movimentação de pessoas e o transporte público passa a ser muito exigido. O sentimento do governo do estado e principalmente dessa gestão é priorizar o coletivo.  Então, nós estamos trabalhando para dar prioridade ao transporte público através da implementação de faixas exclusivas. Curitiba tem uma realidade muito expressiva em relação às canaletas exclusivas do BRT. Nós estamos com um projeto hoje para estender essas canaletas para as cidades da região metropolitana, uma vez que elas existem somente na capital e o projeto visa estendê-las  para a cidade de Pinhais e Fazenda Rio Grande que são as duas maiores cidades do entorno que fornecem mão-de-obra para a capital.

aerial view photography of group of people walking on gray and white pedestrian lane
Photo by Ryoji Iwata on Unsplash

Nós entendemos que já existe uma malha viária e que há a necessidade de implementação de novas conexões viárias neste primeiro e segundo anel, embora seja ainda muito complexo. A ideia é que elas possam fazer ligações metropolitanas sem passar pela capital, ou seja, que as cidades possam ter ligações próprias umas com as outras, assim a gente ganha maior mobilidade e cria integrações com o transporte público envolvendo essas cidades do primeiro anel até para incentivar que essas cidades possam ter mercado de trabalho próprio e que se ganhe mais mobilidade envolvendo as cidades da região metropolitana. 

Então basicamente é preciso investimento forte em infraestrutura. Temos vários projetos acontecendo agora na região metropolitana. Nós temos a linha que é um eixo norte-sul que liga a região metropolitana, a ampliação do sistema viário e paralelo a isso as conexões do transporte público entre as cidades metropolitanas. Fazendo essa ligação, nós utilizamos a Tarifa Única, pela qual o usuário pode se deslocar de uma cidade metropolitana para outra.  Embora, por vezes, seja preciso fazer o transbordo na capital, não há necessidade de pagamento de uma segunda tarifa. Isso facilita de alguma forma o deslocamento e é uma maior economia para as pessoas que mais dependem do transporte público.

Em julho deste ano, o governador do Paraná, Carlos Massa Ratinho Júnior, visitou a Cidade do México e observou algumas políticas de transporte, dentre elas, o teleférico. A partir dessa experiência, é possível a implantação de linhas teleféricas na capital paranaense? Existe algum projeto atualmente que contemple este modal? 

Gilson: A visita à Cidade do México, da qual eu tive a satisfação de participar da comitiva com o governador, foi justamente ir em uma das maiores cidades do mundo, que conta com uma população em torno de 12 milhões de habitantes e se somar toda a região metropolitana chega a quase 25 milhões. Então é uma das maiores cidades populacionais, com um contraste muito grande dividida em áreas planas e montanhosas, mas com diversos modais, como o metrô, o ônibus, o BRT, as vans e com um investimento muito forte na questão das bicicletas que é outra coisa que a gente está incentivando bastante aqui. Nós estamos fazendo um trabalho muito bacana incentivando o uso da bicicleta como meio de transporte para última milha nos terminais de ônibus das cidades da região metropolitana. Foram colocadas bicicletas para uso gratuito em dois terminais das cidades da região metropolitana, onde as pessoas chegam, fazem um cadastro simples com uma foto tirada no celular, pegam a bicicleta e podem devolvê-la em até 18 horas. Esse é o Programa Bicicleta Honesta, que por enquanto tem funcionado, e está sendo uma experiência maravilhosa que nós queremos incentivar mais.O uso dessa bicicleta pode ser feito por aquele morador que precisa ir até o terminal central da cidade dele para depois ir até a metrópole e por vezes esse deslocamento do bairro até o terminal central leva mais tempo do que da cidade dele para a metrópole, ou seja, se ele utilizar a bicicleta é possível que chegue mais rápido ao terminal central tanto se estiver indo ou vindo. Às vezes o cidadão chega lá e tem que esperar até 20 minutos para pegar o transporte que vai levá-lo até o bairro e se ele estiver com a bicicleta, pode fazer essa última perna ganhando tempo e de certa forma praticando atividade. 

Na Cidade do México nós fomos conhecer a integração dos modais, eles conseguiram em 2020 unificar todos os modais com um único cartão, que é outra coisa que estamos pensando em implementar, e mais recentemente avançaram para esse meio de transporte público que chega a ser inovador, porque o teleférico é visto muito em todo o mundo como um meio de transporte para turismo, lazer e não para transporte público de massa e a Cidade do México implantou duas linhas para atender determinada região da cidade e está funcionando maravilhosamente bem, pelo que pudemos perceber.

Aqui, nessa ligação de Curitiba com a Região Metropolitana, embora nós não tenhamos essa questão montanhosa como existe lá, nós temos algumas regiões na ligação metropolitana com rodovias saturadas, onde a gente tem um tráfego muito pesado, tanto de veículos de passeio como de transporte e não existe a possibilidade a médio prazo de se pensar numa faixa exclusiva de canaleta. Então, nós temos o transporte público disputando espaço com os demais veículos e por vezes qualquer evento extra nessa rodovia acaba paralisando todo o sistema de transporte dessa ligação. Por exemplo, um caminhão que tenha um problema e pare no meio da rodovia, automaticamente isso desencadeia um engarrafamento em toda a rodovia.

Além disso, nós temos uma cidade aqui na região metropolitana que é a cidade que mais cresce no sul do Brasil, a Fazenda Rio Grande, uma cidade nova de 29 anos que nasceu com 5 mil habitantes e hoje está com 150 mil habitantes. Ela acabou sendo uma cidade dormitório, fornecendo muita mão de obra para a capital e passou a enfrentar essa dificuldade em relação à questão da limitação do tráfego rodoviário para o transporte coletivo. Então, nós estamos estudando a implantação do modal de teleférico como transporte público fazendo conexão com os terminais da capital, mas estamos iniciando isso de forma madura, até para não gerar uma expectativa na sociedade. E, para não termos um projeto aqui que depois não se desenvolva, como aconteceu no Rio de Janeiro, onde existe um sistema de teleférico parado desde 2016. Nós sabemos, também, que a nossa população é muito exigente na questão do transporte público porque Curitiba acabou sendo referência nessa questão de mobilidade, então não podemos pensar em algo que não funcione. 

Nós contratamos agora a empresa LabTrans da Universidade Federal de Santa Catarina para fazer um estudo de Origem – Destino. Nesse estudo vamos ter uma ideia real de como está o novo cenário em relação ao transporte público pós-pandemia e para entendermos os gargalos que existem em relação ao deslocamento das pessoas, já que 70% dos nossos usuários utilizam a rede integrada, ou seja, usam mais de uma conexão para chegar a sua atividade profissional. A partir desse estudo de Origem – Destino nós vamos entender se esses ramais que a gente imagina que poderiam hoje receber um projeto de teleférico são realmente os trechos que cabem e que poderiam sustentar um projeto dessa natureza. Ou seja, nós temos ideia e achamos que é possível e que pode fazer um diferencial na vida das pessoas, mas queremos fazer isso com muita segurança. O teleférico tem uma diferença muito importante em relação ao convencional, a previsibilidade, que é o que mais o usuário quer hoje, ou seja, ele quer sair do ponto A  e chegar no ponto B num determinado horário que ele necessita. Hoje nas conexões metropolitanas que nós temos, isso não acontece por imprevistos que podem acontecer no deslocamento. Por teleférico, ele sabe que vai sair do ponto A e chegar no ponto B sem nenhum contratempo rodoviário que possa atrapalhar ou trazer prejuízo para o seu deslocamento. Estamos com a ideia, estamos trabalhando nisso, fizemos recentemente mais uma reunião com a Secretaria Nacional de Mobilidade da Cidade do México para pegar mais informações com eles, estamos vendo outros sistemas que já existem, como em La Paz, por exemplo, ou seja há um desenho para que a gente avance e a gente espera no futuro ter algo mais concreto, embora estejamos muito cautelosos.

Como o governo paranaense enxerga a contribuição da articulação internacional para a efetividade da implementação de políticas públicas relacionadas à mobilidade urbana? Existe algum projeto em trâmite com algum outro país ou outra cidade?

Gilson: De momento, seria esse com a Cidade do México, essa colaboração ou troca de informações que estamos promovendo. Mas, temos um outro trabalho de acompanhamento junto a prefeitura da capital com a agência francesa, um projeto de ampliação do BRT que vai remodelar as canaletas, vai ampliar a possibilidade do tráfego dos BRTs e recentemente estamos buscando dentro desse projeto a ampliação de canaletas, levando de Curitiba até a cidade de Pinhais. 

Stuttgart public Transport train coming from underground driving into station in Germany
Photo by Christian Lue on Unsplash

Nós temos acompanhado muitas ações desenvolvidas nos mais diversos países, principalmente a questão da integração de modais na Alemanha, onde você utiliza o trilho da linha de carga para possibilitar  também o transporte de passageiros. Temos aqui uma linha férrea, que corta a cidade de Curitiba, unicamente para o transporte de carga e nós estamos em conversa com a empresa concessionária dessa linha, hoje a ALL, no sentido de entender a possibilidade de no futuro o governo estadual implantar, em conjunto com o governo federal um novo ramal tirando o tráfego pesado, ou seja, tirando o trem de dentro da cidade para que ele pudesse chegar até o porto, que é o seu destino final, por um novo traçado. Assim, ficaria essa linha férrea dentro da cidade para que ela pudesse ser aproveitada para a utilização de quem sabe um transporte público. Então, esse já é um sonho antigo de mobilidade em Curitiba e sua região metropolitana, por dois motivos: primeiro porque a população não gosta do trem de carga apitando e passando no meio da cidade, até por uma questão de segurança, porque a gente tem vários registros de incidentes. Em segundo, porque sem o trem de carga nós poderíamos estar utilizando essa linha férrea para o aumento de ciclovias ou até mesmo a substituição das linhas do trem por outro modal complementar ao transporte público convencional, como o BRT. Estamos trabalhando forte nisso e existe uma perspectiva de conseguirmos avançar nesse sentido. O que seria muito importante, pois nós poderíamos ligar várias cidades da região metropolitana com a capital através desses ramais de linha férrea que hoje são utilizados somente para o transporte de carga. Nós temos uma linha singela do trem indo de manhã e voltando a noite, e durante todo o dia a linha fica ociosa e a gente pretende dar uma melhor atividade para esse ramal até porque ele tem já um espaço concebido na cidade, já tem uma faixa de domínio e poderia ser muito bem aproveitado, então é um sonho que estamos percorrendo para que no futuro esse serviço a mais possa ser oferecido no sistema de mobilidade de Curitiba.

É uma valorização muito forte ao coletivo, a questão de priorizar esses novos anéis e de cada vez mais valorizar a integração do sistema que existe hoje aqui, que nós consideramos ser o único do Brasil. São 19 cidades integradas, ou seja, é um sistema de transporte integrado, no qual uma pessoa sai com uma mesma tarifa, pode percorrer toda a metrópole e ir para uma outra cidade pagando a mesma tarifa. Então, por exemplo, com uma tarifa de 4 ou 5 reais a pessoa pode andar de transporte público por até 90 km, isso, acho que é algo inimaginável em qualquer outro sistema. Óbvio que tem o subsídio do governo, é uma questão social muito relevante, mas que tem feito a diferença na vida das pessoas e cada vez mais a gente entende que é papel do estado está atendendo, até porque o transporte público é uma função pública de interesse comum. É um direito garantido pela constituição, então, há por parte desta gestão uma valorização muito forte no sentido de que a gente possa cada vez mais oferecer condições para que as pessoas possam utilizar o transporte público. 

O desafio, especialmente nesse momento de crise por causa da pandemia,  é resgatar o público que nós tínhamos e atrair novos usuários para o sistema.

O desafio, especialmente nesse momento de crise por causa da pandemia,  é resgatar o público que nós tínhamos e atrair novos usuários para o sistema. Além da questão das bicicletas que eu mencionei anteriormente, nós temos recentemente ampliado a questão das conexões temporais, ou seja, o cidadão poder descer do transporte público e ter até 1 hora para fazer alguma atividade, voltar e não ser cobrado outra tarifa. Estamos também fazendo experiências em algumas linhas do transporte público local com a Tarifa Diferenciada fora do horário de pico, na qual estamos diminuindo o valor da tarifa para que aquela pessoa que hoje está se deslocando de carro possa ver no transporte público algo atrativo e com ganhos de economia. Isso porque das 06:00 às 08:00 horas da manhã o transporte público fica bastante ocupado, mas quando dá 08:30, 50% da frota volta para a garagem porque não tem mais público. Então, nesse horário a ideia é que a gente possa oferecer uma tarifa mais atrativa para que algumas pessoas que não usam o transporte público hoje e que tenham a possibilidade de utilizar nesse horário com a tarifa diferenciada.

Então, essas são iniciativas no sentido de valorizar o transporte público para que a gente possa realmente fazer esse enfrentamento nesse momento difícil e garantir a manutenção desse serviço que é tão importante na vida das pessoas.

Leave A Reply

Please enter your comment!
Please enter your name here

Publicações relacionadas