Entrevista com Bárbara Pontes sobre difusão Internacional

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 Bárbara Pontes, Doutoranda em Ciências Política na UnB, e autora da dissertação de mestrado “POLÍTICAS QUE SE DIFUNDEM, IDEIAS QUE SE PROPAGAM: um estudo sobre os mecanismos de difusão de políticas públicas para o caso do RN Sustentável/Governo Cidadão”.

O seu trabalho foi o único do Nordeste, mapeado pelo IDeF, que abordou a temática da difusão internacional pela análise de um caso concreto. Em que momento você, enquanto pesquisadora se aproximou destas temáticas e chegou ao projeto RN Sustentável? Como você percebe que esta linha de pesquisa tem sido trabalhada na região?

Essa aproximação se deu por parte de um outro objeto de pesquisa. Quando eu comecei a me debruçar sobre o RN sustentável, percebi que basicamente tudo que existe no Rio Grande do Norte tem um pé no programa. Inclusive, o RN sustentável hoje tem um outro nome, se chama Governo Cidadão. Eu saí de casa hoje e vi uma viatura da polícia com o símbolo do programa e do grupo Banco Mundial, para vocês verem a capilaridade dessa política e como é uma coisa muito central dentro do estado.

Sobre a área de difusão em si, realmente foi um desafio.  Eu não conhecia a literatura então durante o mestrado me debrucei bastante sobre e percebi que existe uma concentração em quem estuda esses temas mais pelo Sudeste do Brasil. Apesar disso, o professor  Denilson Coêlho, que é meu orientador, fez o doutorado dele em ciência política na UFPE. Ele não trata especificamente sobre região nordeste, mas trabalha com difusão e é um trabalho de lá também para vocês verem. 

Então tem trabalhos sim feitos por pesquisadores no Nordeste. O Denilson em específico estuda o Bolsa Família, algo talvez não tenha entrado no radar de vocês pois ele estuda uma política nacional, e muitos dos casos são assim. Mas a gente está tendo alguma proliferação. Eu sei que lá no meu departamento uma orientanda da minha orientadora também está fazendo um trabalho similar ao meu sobre difusão, e eu acho que isso está se desenvolvendo mais. 

Eu acho que existe uma dificuldade das terminologias em si. A difusão ela se confunde com outros termos e isso vai dificultando um pouco os trabalhos. Nos estudos da difusão temos vários tipos de termos que são utilizados pela literatura: Policy Learning; Policy Transfer e o Policy Diffusion. Esses três termos muitas vezes se referem aos mesmos processos por que isso não é tão claro na literatura. 

Basicamente, a Diane Stone fala que quem trabalha com Transfer, a transferência de política, é mais a tradição européia. Então, de uma forma bem sintética pode se falar que os europeus trabalham de uma forma mais qualitativa, chamando de Policy Transfer. Já os americanos, a escola americana, trabalha com uma base mais quantitativa, adotando o termo Policy Diffusion

Talvez vocês encontrem trabalhos que falem de tranfer e diffusion. Vocês vão ver até na minha dissertação, boa parte da literatura é internacional, é uma literatura americana ou européia, então, o Brasil ainda está caminhando num ramo de difundir esses termos e tópicos. 

Eu sei que o professor Osmany Porto da UNIFESP tem um grupo forte disso, os trabalhos deles são alguns dos mais conhecidos. E o professor Denilson também é um dos expoentes da área. A maioria dos orientandos dele na  UnB trabalham com difusão. 

É assim que eu penso que está caminhando o processo. Lá na UFPE eu acho que talvez vocês ainda encontrem mais alguma coisa já que o Denílson foi de lá. Acho que o orientador dele foi o Marcos Melo.

Como se deu a construção do projeto RN Sustentável que você analisou na sua dissertação de mestrado? Quais são os elementos que permitem defini-lo como difusão de políticas públicas?

Então, eu venho da economia, mas a minha área de pesquisa sempre foi Política Pública. Na minha monografia, no meu TCC, eu estudei uma política específica aqui do meu estado, que é a Central de Comercialização da Agricultura familiar. A partir deste estudo, de como a Central foi construída, pude observar que existia dinheiro que vinha do Banco Mundial. Durante a minha banca de TCC, a professora que seria minha orientadora deu esse insight, de perguntar como o Banco Mundial estava se inserindo nesse ambiente de políticas no Rio Grande do Norte, que me serviu no desenho do projeto de mestrado. 

Na verdade, eu não ia usar difusão, mas o meu referencial teórico das redes de política pública. Porém, quando eu fui a campo – e parte da minha pesquisa foi de campo, com os atores dentro do Governo, da governadoria da equipe, eu percebi que não era um referencial teórico que se aplicava àquela realidade prática. Conversando com a minha orientadora e com a minha co-orientadora, fomos pesquisar outros potenciais arsenais teóricos que eu pudesse usar para analisar esse caso. 

Coincidentemente, naquela época, minha co-orientadora estava fazendo um review do livro dos professores Denilson Coêlho e Carlos Faria, “Difusão de Políticas Públicas”. Ela perguntou se eu queria ler, tanto o livro como a review dela, e foi assim que eu percebi o quanto se encaixava. Se encaixa porque o Banco Mundial difunde políticas para o mundo inteiro, e nós temos uma literatura muito larga, que vai trabalhar como essas OIs passam a difundir ideias, políticas e instituições para o mundo inteiro. É a partir daí que eu vejo essa referência sendo trazido daqui e, principalmente, que o governo do estado do RN tem um tradição de puxar essas políticas que o Banco difunde. Então, desde que o Brasil assinou um acordo para criação do Banco Mundial, essa instituição tem influência nas políticas brasileiras. Isso é mais particular ainda no caso do Nordeste, porque temos uma linha de empréstimos que é toda focada no desenvolvimento da região. Então todas essas ideias que vão circular através do Banco Mundial funcionam como uma justificativa para entendê-lo como ator de difusão. 

Dentro da literatura ampla, a Diane Stone é uma das autoras que trabalha muito essa difusão em termos de OIs. Foi a partir desse arsenal que eu pude entender melhor quem era o Banco Mundial enquanto ator político e como ele age na difusão dessas ideias. Acredito que seja por ai.

O caso do Banco Mundial é particular porque ele não é somente uma instituição que difunde política, ele também cria. Então ele é também um think tank e possui todo um estudo que cria política pública. Não sei se vocês já deram uma olhada no site do Banco Mundial, mas eles tem diversos pesquisadores. Pode ser até uma carreira futura de vocês que são das relações internacionais. 

Eles criam essas políticas então isso é interessante pra gente. Eles analisam, têm uma área de pesquisa super larga e isso está sendo difundido tanto pro meio acadêmico, quanto para os policy makers. Então a gente pensa às vezes num meio muito academicista que esse tipo de pesquisa e relatórios que eles lançam só chegam pra gente, mas não. 

Os atores políticos estão constantemente buscando esse tipo de formação e no mundo que a gente vive extremamente globalizado a gente está o tempo todo sendo influenciado por essas ideias que vêm de outras pessoas, outros governos e dessas instituições. Quando eles atuam produzindo o tempo todo e disseminando é aí que a gente vê como esse processo se dá para esses governos em particular.

Condicionalidades em empréstimos, como no caso do Banco Mundial, muitas vezes podem ser entendidas como um fator de coerção. Pode-se dizer que houve coerção, ou outros mecanismos que induziram a adoção de políticas no caso do projeto RN Sustentável? 

Quando falamos de difusão, normalmente pegamos aqueles mecanismos mais clássicos, entre eles a coerção. E quando pensamos no Banco Mundial, esse raciocínio tende a ser automático. Parte da literatura de difusão ela acha que não há difusão quando há coerção. Isso porque parte do que se pensa sobre difusão é realmente esse processo que é natural, que não parte de uma força maior. Então a coerção passa a ser vista com cuidado pelos teóricos. Mas o que eu observei no meu estudo é que o Banco Mundial teve momentos ao longo do tempo, e a gente [Brasil] está em relação com o Banco por muito tempo, desde 1946. E aí dentro desses momentos existem aqueles em que o mecanismo usado é realmente a coerção, e principalmente estamos falando da crise da década de 1980. Dentro daquela conjuntura de reformas neo liberalizantes, que vem do Banco inclusive  – isso é um preceito do Banco – temos um momento mais coercitivo. Isso porque as nações do 3º Mundo não tinham condições de ter nenhum mecanismo de barganha nessa relação. Elas precisam dos empréstimos, logo elas se submetem às condicionalidades.

Já mais para a década de 1990, com a redemocratização no Brasil, a abertura dos mercados, temos um momento diferente. Especialmente com as mudanças de condicionalidade dos empréstimos, e com a tomada de empréstimos por parte dos governos subnacionais, ela também apresenta uma nova mudança: o Banco Mundial em si não precisa mais coagir à aceitação das condicionalidades. Isso passa a ser uma vontade dos tomadores de decisão. Eles querem entrar nesse tipo de política. E isso é importante porque às vezes a gente pensa no Banco, e ele tem sim um papel muito relevante, inclusive coercitivo mesmo, mas é importante a gente pensar que não estamos tratando de atores que não tem voz e que não tem vez. A gente tá falando de governos estaduais, de policy-makers, e eles tem sim uma atuação muito forte, inclusive dentro dessa tomada de empréstimos.

Quando eu vejo o que acontece com o Banco Mundial, eu vejo muito mais como uma vontade dos atores subnacionais. O meu trabalho de mestrado lida muito com percepção. Então não é necessariamente uma verdade sobre o que aconteceu, mas a percepção dos atores envolvidos. E todos os atores que eu entrevistei são muito claros em dizer que o governo do estado do RN queria esse empréstimo. E não só o Governo queria, quando a gente vai vendo a forma como o empréstimo se desenrola e da efetivação da política, a gente vê que tem muita mudança: ou seja, mesmo as condicionalidades do Banco são passíveis de alteração. Muitos dos atores que eu entrevistei falaram também que eles gostam de acordos com o Banco justamente porque o Banco tem essas condicionalidades e às vezes isso auxilia na organização. Ele cria novas estruturas organizacionais para o corpo do governo e isso é importante para os burocratas com quem eu falei. Mas ao mesmo tempo a gente vê que tem muita mudança. Por exemplo, quando o Banco vem ele vem, uma das condicionalidades é “fazer os projetos X, Y e Z”. No ano eleitoral, o governador mudou todos, ou acelerou os processos. 

Então passamos a notar que a perspectiva é importante para a gente, em ver como os atores subnacionais agem, e que não estamos falando de atores que não tem vez e que não tem voz. Estamos falando de atores que estão ali e eles tem um poder de agência alto, especialmente por terem burocracias fortes – que é o caso brasileiro -. Quando temos burocracias fortes e organizadas, e essa é uma das conclusões do meu trabalho, o poder de atuação do Banco em coagir diminui muito. A força das burocracias é capaz de fazer essas alterações na política, como foi o caso do RN Sustentável.

Embora sua análise não tenha como foco os resultados do projeto RN Sustentável, é possível identificar os mais relevantes e de maior impacto social?

Um dos problemas que eu identifico com o caso do Banco, especialmente de acordo de empréstimo RN sustentável, e se vocês quiserem mudar o nome porque o nome atual do projeto é Governo Cidadão. Aliás, uma coisa interessante: o acordo de empréstimo é chamado de acordo de empréstimo “X, Y e Z” e é colocado um nome para chamar atenção. 

O projeto foi aprovado como RN Sustentável num governo e quando outro governador entrou tinha que mudar o nome, pois o projeto agora deve ser dele, não é? Não pode ficar vinculado à gestão passada. Isso é mais uma coisa pra gente entender como o cenário político importa para a tomada de decisão e para a forma como a política é implementada e acordada.

Hoje ele é chamado de Governo Cidadão. Quando eu fiz a minha pesquisa eu ainda chamava ele de RN Sustentável apesar de já ter mudado de nome, porque até as instalações físicas tinham o nome antigo e ninguém chamava de governo cidadão. Hoje já se chama de Governo Cidadão. 

O principal problema que eu vejo é que é um montante de recurso muito alto, mas que também é muito pulverizado. Nunca no estado do RN se teve um projeto dessa magnitude e no caso do Banco do Mundial, todas as subsecretarias de estado que estiveram envolvidas. 

Primeiro que isso organizacionalmente é um desafio imenso pois você está lidando com muita gente de diferentes ramos, mas ao mesmo tempo isso também é muito dinheiro dividido. Então você tem ali para a frente de agricultura, para a segurança pública, educação, saúde e isso impacta em tudo. Eu lembro que quando eu estava no mestrado até um projeto de uma feira na UFRN foi patrocinado pelo Banco Mundial. Então você vê que como esses recursos são muito pulverizados é muito difícil você conseguir impactos muito grandes. É uma das críticas maiores que foram feitas ao projeto.

Ao mesmo tempo, tem uma fala de um ator com quem eu conversei que me disse uma coisa muito interessante quando fiz a mesma pergunta durante a pesquisa: “é tudo muito pulverizado e a gente tem dinheiro para tudo e não tem dinheiro para nada. Ao mesmo tempo, chegou pela primeira vez uma cisterna num local onde eu trabalho, e essas pessoas vão ter água pela primeira vez na vida, então eu não posso dizer que isso não impactou as pessoas”.

Isso foi uma frase que me marcou muito, pois é muito difícil a gente mensurar principalmente se eu não estou avaliando os impactos na minha pesquisa. É a dimensão, e eu acho que a dimensão foi muito pouca pois é muito pulverizado. O estado do RN tem uma tradição de empréstimo como o Banco, mas que é muito setorizada. 

Eu também tenho muitas críticas e existem vários trabalhos criticando. Os acordos de empréstimo do Banco com o Nordeste são extremamente criticados por gerar dependência. É um dinheiro que vem e às vezes não possui a melhor forma de aplicação.

Eu percebo muito isso com minha vivência no RN Sustentável. Você tem muito potencial, as ideias estão lá e são muito boas, mas você não vê sustentabilidade naquilo e quanto mais a gente difunde esse dinheiro eu acho que é mais difícil a gente focar em problemas. Tanto que, pelo que eu me lembre, a Central de Agricultura Familiar foi construída com dinheiro do banco, Hospital, uma Barragem que ainda está sendo construída, então, é muita coisa diferente, até viatura policial.

A gente tá tratando do estado, que é um estado pequeno, mas mesmo assim eu não sei e não parece que o impacto ao longo prazo consiga ser tão grande e que vá acabar. Desde 1997 a gente tem acordo de empréstimo com o Banco no RN, então parece que a gente só está seguindo o mesmo caminho. A gente se acostumou a tomar empréstimo e parece que é uma coisa que a gente vai corriqueiramente fazer e é o dinheiro que se tem disponível.

Na hora da tomada de empréstimo específico desse, o governo do estado estava numa situação muito delicada. Natal havia sido escolhida para ser sede da copa do mundo sem dinheiro para isso. O estado estava muito falido e a governadora era de oposição ao governo federal. Uma das saídas para isso é justamente você buscar outras fontes de empréstimo.

Quais são as principais vantagens e/ou desvantagens na tomada de empréstimos internacionais realizadas pela atuação direta de estados e municípios e OI’s em relação a projetos desenvolvidos diretamente pela União?

Acho que eu já me adiantei um pouco falando do contexto do RN sustentável, mas creio que seja isso. Dar um poder maior aos governos estaduais, você tem novas fontes de recursos estaduais e municipais. Isso não significa que o governador ou prefeito não precise ter um jogo de cintura muito grande, pelo contrário. O processo de aprovação é muito demorado e exige que você passe isso pelo governo federal, porque a união é a fiadora de todos os empréstimos.

No caso do acordo do banco mundial aqui do RN sustentável, a nossa governadora era ex senadora. Ela foi até o senado para conseguir que esse projeto fosse aprovado, então existe todo um processo em que além do financeiro, porque o banco exige uma organização financeira do estado para aprovar esse empréstimo, também existe política em termos nacionais.

Dá certa margem para os governos, pois eles pedem empréstimos de outros lugares além da união. Em termos de federalismo, particularmente entendo isso como interessante. Acho que os governos subnacionais precisam dessas particularidades e penso que também é uma das coisas que o mundo contemporâneo vem colocando não só para nós, Brasil, mas para outros países federalistas e outros países que têm sistemas de governança em muitos níveis.

A gente está trabalhando com unidades que são independentes e ao mesmo tempo dependentes e eu acho que esse tipo de acordo facilita isso. Além disso, acho importante dizer que não necessariamente isso é só uma escolha, é também uma estratégia do banco. O Banco Mundial tem estratégias ao longo do tempo e a gente tá num período em que  a estratégia é mais focalizada, o que faz sentido inclusive dentro dessa ótica.

A primeira fase dos nossos empréstimos com o banco ali na década de 1950 era focada mais na União, então se tinha aqueles megaprojetos. Depois, a gente passa para uma fase de projetos mais focados nas regiões. É quando surge a SUDENE por exemplo mais ou menos nessa época, então,  a gente está tratando de pólos de desenvolvimento.

O momento atual do Banco Mundial, inclusive dos empréstimos deles, se vocês olharem as cartilhas isso fica muito claro. O objetivo deles é trabalhar no micro. Eles querem trabalhar com comunidades para o desenvolvimento local. Faz parte da forma de atuação do banco. Temos esses movimentos, ao passo em que o mundo de hoje quer essas localidades mais independentes para tomada de decisão, o banco mundial também tem esse estilo de atuação. 

Mesmo os projetos em que ele atua em nível da União, são focados nas localidades. Para vocês terem noção, uma das coisas do RN Sustentável é lidar diretamente com as comunidades locais e cooperativas de agricultores, porque faz parte da estratégia de atuação deles.

Particularmente acho que em termos de federalismo faz muito sentido a gente ter essa    independência e se a gente pensar em nossa federação faz sentido que os governos estaduais possam atuar para o bem de seus estados. Acho que pensar essa lógica também é importante e penso que a literatura às vezes ainda não fala tanto sobre a atuação dos governos subnacionais. A gente tá muito focado nos governos federais e é importante a gente analisar essas dinâmicas e ver como elas estão ligadas às dinâmicas nacionais.

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