Cidades inteligentes: como a rede integrada de comunicação entre os líderes das grandes cidades tem influenciado a difusão de políticas públicas.

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Os avanços tecnológicos do final do século XX e do começo do século XXI levaram a uma revolução nas formas de comunicação, armazenamento de dados e informações que transformaram o mundo contemporâneo. As chamadas redes de informação e comunicação tecnológicas (ICT) se apresentaram, ainda, como uma alternativa de estratégia de crescimento sustentável para os grandes centros urbanos. Entre as cidades inteligentes, Barcelona, na Espanha, é considerada pioneira. Com mais de 2,5 milhões de habitantes, é uma das cidades mais desenvolvidas da Europa e um importante destino turístico. 

O processo de modernização e transformação de Barcelona começou ainda no século passado, na segunda metade da década de 1980, quando passou por uma grave crise econômica e de infraestrutura. Foi justamente nesse momento de vulnerabilidade que a elaboração de um novo planejamento urbano floresceu. As novas bases da reconstrução da cidade resultaram da colaboração entre políticos, empresários, instituições e organizações internacionais. Algumas mudanças foram sentidas já no início dos anos 1990, quando a cidade sediou os jogos olímpicos.   

Para Bakıcı, Almirall &  Wareham (2013) o projeto de transformar Barcelona em uma Smart City partia da necessidade de melhorar e não cometer as falhas contidas em planejamentos urbanos anteriores. Os autores identificam quatro pilares que são base para esta construção: economia inteligente, vida inteligente, governança inteligente e pessoas inteligentes. Um dos projetos mais ambiciosos da prefeitura de Barcelona foi a criação do Distrito de Inovação 22@ Barcelona, localizado no bairro do Poblenou, no início dos anos 2000. A criação do distrito nasceu da vontade de revitalizar a área portuária da cidade, criando um espaço físico de interação entre a prefeitura e as instituições e as grandes empresas.  

O modelo de cidade inteligente de Barcelona possui doze focos, os principais são: energia, água, mobilidade, dejetos, natureza, meio-ambiente, espaços públicos, governo aberto, tecnologia de informação e comunicação, domínio interno e fluxos de informações e serviços (CISCO, 2014). Para integrar todos esses pontos a prefeitura ampliou as redes de fibra óptica da cidade. Entre os diversos projetos cabe destacar a implementação da iluminação pública inteligente. Entre 2009 e 2010, um projeto piloto testou a eficiência do controle da iluminação comandada pela rede de ICT. Dessa forma, em 2012, a prefeitura de Barcelona colocou em ação em um plano de controle da iluminação pública que contava com a substituição das lâmpadas comuns para as de LED em mais de 1.000 postes da cidade (CISCO, 2014).  

Para apresentar experiências com a de Barcelona foi criado o Smart City Expo que se reúne todos os anos. Contando com a presença de gestores e administradores públicos, empresas e instituições, o evento tornou-se palco de uma extensa troca de ideias e difusão de  políticas públicas, inclusive para o Brasil.

A participação no evento foi um dos incentivos que levaram a implementação de um projeto que se desenvolveu no Nordeste brasileiro e se tornou referência nacional. O projeto em questão é o PPP (Parceria Público-Privado) da Iluminação Pública da cidade de Aracaju. O Idef teve a oportunidade de entrevistar o Antônio Sérgio Ferrari, responsável pela EMURB – Empresa Municipal de Obras e Urbanização da cidade de Aracaju, que foi responsável pela realização do projeto.  

Entrevista 

Todas as respostas aqui descritas foram obtidas por meio da entrevista concedida por Antônio Sérgio Ferrari, responsável pela EMURB – Empresa Municipal de Obras e Urbanização da cidade de Aracaju. 

Antônio Sérgio Ferrari, Secretário da Infraestrutura de Aracaju e Presidente da Empresa Municipal de Obras e Urbanização de Aracaju. Foto: arquivo pessoal.

A PPP da Iluminação Pública é um projeto de destaque da cidade de Aracaju, que levou a participação do Prefeito Edvaldo ao evento internacional do BRICS. Assim, a PPP da iluminação pública se tornou exemplo a ser seguido por outros municípios que anseiam o desenvolvimento da política. Nesse sentido, quais foram os fatores essenciais para elaboração e implementaçãodo projeto? Ele foi inspirado em alguma outra experiência?

O projeto foi amplamente debatido antes de sua implementação. Quando o prefeito Edvaldo Nogueira ganhou as eleições em 2017, ele já tinha imaginado debater sobre a PPP da iluminação pública. Naquela época, tinhamos alguns projetos em mente, principalmente o de Belo Horizonte, que já estava em andamento. Existiam relatos muito positivos em relação a PPP. Logo no começo nós começamos a trabalhar com o BNDES, o banco lançou uma linha de financiamento de pesquisas para fazer testes de PPP. Nós chegamos a nos escrever no BNDES e participamos de reuniões no Rio de Janeiro para discutir, mas achamos que na época, nós em Aracaju ainda não estávamos com muita maturidade para levar para frente o projeto, então acabamos declinando esse financiamento do BNDES. Um ano depois a Caixa juntamente com o Ministério do Desenvolvimento Regional e com apoio do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) lançou um edital para saber quem teria interesse em participar do projeto. Nesse momento já tínhamos certeza, porque Aracaju é uma cidade, que na época, tinha pouca iluminação com LED, era uma cidade mal iluminada. Evidentemente, um dos principais fatores da insegurança da cidade é a iluminação pública, existe uma relação quase que direta entre a violência noturna e a iluminação pública, o local mais mal iluminado normalmente é mais propenso a ter violência. Então, tínhamos a maturidade que queríamos, já tínhamos discutido o assunto com várias pessoas que estavam trabalhando no projeto e acreditava-se que teríamos um efeito positivo com a política. Então nós nos candidatamos na primeira seleção que a Caixa Econồmica fez para as primeiras cidades que estavam com interesse de estudar as possibilidades de implementação de um projeto PPP. Fomos na época a última cidade a ser selecionada, mas temos a satisfação de sermos a primeira a terminar o projeto. Isso porque nós tínhamos um banco de dados muito bem feito em Aracaju, tínhamos um conhecimento muito completo de qual era nosso estado da iluminação pública, isso ajudou muito. A empresa que fez o estudo, que foi contratada pela Caixa Econômica e pelo FEP, já tinha um banco de dados importante para começar a discutir. Então, as informações econômicas já estavam bem detalhadas. Isso facilitou o estudo econômico e, trabalhando com uma equipe formada apenas por funcionários da prefeitura, dedicada a trabalhar especificamente com isso, acabamos finalizando rápido o estudo. Na época foi um sucesso na bolsa de valores. Imaginamos que teríamos 60 a 70% do valor estimado e o desconto que a empresa prometeu foi de quase 40%. Inclusive ficamos um pouco receosos, mas durante o andamento da negociação percebemos que a empresa é muito séria. O consórcio foi muito bem elaborado e eles estão cumprindo rigorosamente os prazos prometidos. Na realidade, se não fosse a COVID, o trabalho teria sido concluído mais rápido, porque no final do ano passado, quando começamos de fato a fazer a mobilização. Nós tivemos várias dificuldades, a empresa concessionária teve várias dificuldades de importação dos equipamentos, porque na época a China estava com os portos fechados. Se não fosse isso teríamos concluídos essa modernização já em setembro deste ano. 

As Parcerias Público Privada são apresentadas como uma alternativa para o financiamento de grandes projetos de infraestrutura, como a PPP da iluminação pública. O projeto da cidade de Aracaju foi um dos primeiros a ser realizado no Brasil, com apoio do Fundo de Apoio à Estruturação e Desenvolvimento de Parcerias Público-Privadas na União, no Distrito Federal, nos Estados e nos Municípios (FEP) e o suporte do Internacional Finance Corporation (IFC). A entrada de fundos internacionais de financiamentos em projetos como esse criam uma série de exigências que devem ser seguidas para que o projeto seja aprovado.Quais foram, no caso desta política pública, as principais exigências? Foram necessários ajustes para a administração da PPP da iluminação do município?

Eu tenho que esclarecer duas coisas: primeiro a PPP não parte do pedido de um financiamento para executar o projeto, pedimos o financiamento para fazer o estudo no município. Tanto o IFC quanto a Caixa e o fundo do governo são para o estudo, caso você faça o estudo e não execute a PPP, o município é obrigado a devolver o recurso, mas apenas o recurso para o projeto. O financiamento da PPP não tem nenhuma interferência da prefeitura; a prefeitura não entra no financiamento em si. O consórcio vencedor que vai buscar o financiamento, normalmente os consórcios são compostos de empresas financeiras que já têm conhecimento e grupos (próprios) que participam da parte de financiamento. Dois requisitos são importantes para a PPP da iluminação pública: primeiro  é preciso ter no município uma legislação que permita fazer PPP e essa legislação tem que estar de acordo com a legislação federal; segundo é preciso ter permissão para utilizar o recurso da PPP, este recurso é prioritário. É preciso saber quem vai financiar a PPP, no caso da cidade de Aracaju é a CONSIP (consórcio da prefeitura para a PPP). Quando a PPP começa a prefeitura autoriza a Caixa a destinar os primeiros recursos para pagar a primeira parcela da PPP. Apenas o recurso que sobrar dessa transação que volta para o município. Como a CONSIP é um recurso garantido, essa modalidade, do ponto de vista das PPPs do país, se torna atraente para os municípios, porque as cidades não correm o risco de não receber esse recurso . Uma das primeiras coisas do estudo da PPP são as várias análises feitas, uma análise econômica (quando você vai investir, qual o prazo de recuperação dos recursos e análise dos riscos de não receber esse recurso).

O Banco Mundial é um dos principais financiadores dos projetos que envolvem as PPP. Ao pesquisar o projeto de PPP da iluminação pública da cidade de Aracaju é possível encontrar documentos de comunicação entre a organização e a gestão municipal. Como se deu os primeiros contatos com o Banco Mundial e quais foram os principais fatores que justificam o sucesso da financeirização do projeto?

O Banco Mundial trabalhou o tempo todo com a gente através do braço financeiro dele que é o IFC (Internacional Finance Corporation). O IFC acompanhou todo o desenrolar do projeto, a aprovação final do projeto também foi referendada pelo IFC. Só depois do aval da Caixa Econômica, do IFC e do Ministério do Desenvolvimento Regional que o projeto foi aprovado. Existem aspectos muito interessantes que o Banco Mundial coloca para promover a PPP nos municípios. Em primeiro lugar existe um ganho financeiro, porque há uma redução no valor da conta de luz; quando se substitui uma luz de vapor de sódio ou outro material por uma luz de LED que gera um consumo de energia de 40% a 50% menor. Então a primeira vantagem é pagar menos na conta de energia, essa economia gerada na conta de luz financia o projeto da PPP. Em segundo lugar, ambientalmente as condições se tornam muito melhores. Observa-se taxas menores de transmissão de radiação, esse é um dos aspectos que o Banco Mundial mais leva em consideração, o banco está muito envolvido com a questão ambiental. Em terceiro lugar a PPP torna a cidade mais segura. Há na PPP uma situação que evidentemente é o que atrai os investidores: a PPP é feita na rede de iluminação pública da cidade; não tem em lugar nenhum do mundo nada tão amplo como a rede de postes. É uma rede existente na cidade toda. Existe então uma ampla oportunidade de uso dessa rede depois da implantação da rede de iluminação, você pode por exemplo colocar wi-fi, câmeras e vários outros produtos que no momento não estão disponíveis em uma rede que cobre toda a cidade. Quando se faz a PPP, o balizador da economia da PPP é a redução do custo da iluminação pública e o ganho de eficiência energética. Um dos assuntos debatidos com o Banco Mundial e com a Caixa foi caso a empresa (consórcio vencedor da PPP) queira implantar qualquer outra tecnologia é possível discutir a possibilidade apresentando a prefeitura e todo o rendimento decorrente dessa nova tecnologia terá uma parcela destinada à prefeitura. 

As PPP são vistas como parte da solução para o avanço de políticas de desenvolvimento sustentável em todo mundo. Para além da importância da substituição da iluminação comum para luzes de tecnologia LED, para a economia de energia, existem outros benefícios que a PPP da iluminação trouxe para a população do município? A aplicação dessa política em outros países/cidades já teve seus resultados mensurados?

A PPP da iluminação pública já é um assunto discutido em vários locais. O prefeito Edvaldo Nogueira, participa muito dos encontros da Smart City Expo em Barcelona, a cidade é um exemplo no mundo inteiro de cidade inteligente. A iluminação pública é um dos pontos chaves quando se fala de cidades inteligentes, principalmente por ser uma rede neural que cobre a cidade toda. Então a prefeitura já tinha conhecimento, já tinha frequentado várias essas reuniões da Smart City em Barcelona e tinha essa ideia da iluminação pública na cabeça. Quando começamos a discutir já tínhamos um ponto de partida de olhar. Na época, o Brasil tinha poucas cidades, talvez a cidade mais desenvolvida na época com a PPP era Belo Horizonte, conversamos algumas vezes com o pessoal de lá. Quando os responsáveis pela Caixa Econômica, o IFC e a empresa que fez o projeto começaram a discutir, tivemos reuniões com o pessoal de Belo Horizonte para ver os resultados que eles tinham alcançado lá. Depois da implantação do projeto em Aracaju a sensação que nós temos é que viramos referência no Brasil. O projeto foi muito sério e muito rápido, não só a definição do projeto, mas também a execução, mesmo durante a pandemia. Hoje em dia, toda vez que a Caixa assina novos contratos de PPP, eles marcam visitas com as pessoas responsáveis em Aracaju. Recentemente recebemos visita do pessoal de Ponta Grossa e na semana retrasada recebemos o pessoal de Olinda, que tinha acabado de assinar o contrato com a Caixa. É interessante porque toda vez que você assina a PPP existe nas administrações municipais um pouco de insegurança, fica o questionamento “isso vai dar certo?” “não vai dar certo”. A visita conosco ajuda o pessoal a fortalecer a confiança e, além disso, durante a execução da PPP ninguém consegue ser perfeito você vai descobrindo aos poucos algumas coisas que não estavam previstas no projeto. O que descobrimos em Aracaju foi corrigido e hoje os próprios consultores da Caixa estão mudando a forma de projetar a PPP, se baseando nos problemas encontrados por nós. Um exemplo de problema que a gente encontrou foi a questão da expansão, quando você faz uma PPP há uma determinada quantidade de postes na cidade, mas nenhuma cidade é estável, a cidade continua se desenvolvendo e, ao se desenvolver, é preciso prever que vai existir uma ampliação da cidade e, consequentemente, uma ampliação da iluminação pública, isso foi previsto.

O município de Aracaju se encaminha para ser a primeira das capitais brasileiras a ter toda sua rede de iluminação pública com luzes de LED. A assinatura do projeto de iluminação pública foi divulgada em novembro de 2020, e hoje, quase dois anos depois, o projeto está quase em sua fase final, com 75% dos bairros da cidade já são beneficiados pelos pontos de iluminação em LED. O que explica um avanço tão significativo em apenas dois anos? 

Há vários fatores que explicam isso. O primeiro e o mais importante é que nós tínhamos um banco de dados muito bem feito, todo já referenciado. Assim, na primeira etapa que se começa a PPP é preciso fazer um mapeamento da cidade onde que são os pontos de iluminação pública, quantos postes tem, quantas luminárias tem em cada poste, qual que é a altura do poste e a partir dessas informações é possível começar a fazer o projeto. Como nós tínhamos um banco de dados muito bem feito isso diminuiu muito o tempo de uma atividade que estava prevista para seis meses nós fizemos em quatro. Segundo, a empresa que venceu o consórcio, venceu não só em Aracaju, mas também em Feira de Santana e no Rio de Janeiro, é uma empresa com origem espanhola, com um grande número de investidores e eles estão dispostos a investir no Brasil. Então assim, eles tiveram um profissionalismo muito grande, tivemos sorte com a empresa que venceu a licitação. Por último, tivemos uma equipe muito capaz que acompanhou e acompanha o projeto, uma série de engenheiros que estão diuturnamente e noturna acompanhando as obras e o desenvolvimento do projeto. Esses fatores explicam o sucesso na implantação do projeto. 

Quanto à finalização do projeto a ppp tem três fatores essenciais a serem cumpridos: primeiro a eficiência na iluminação, a troca das lâmpadas comuns pelas de LED. O segundo fator é iluminação cênica em locais turísticos, por exemplo nós temos uma igreja chamada Igreja de Santo Antônio, que fica em uma colina. Assim, não fazemos só a iluminação do lugar, mas uma iluminação em volta da igreja, em datas especiais como agora no Outubro Rosa, a igreja está toda iluminada de rosa. Então é possível alterar as cores e está junto de todos esses movimentos que existem. A previsão de entrega dos 13 pontos é também agora em dezembro. O terceiro componente da iluminação pública é trabalho de vistoria, temos um terço da rede de iluminação pública sendo contemplado não só com a luminária, mas também com controlador que vai informar online ao centro de controle caso essa lâmpada queime. No contrato na PPP a empresa tem um prazo de 48hrs para substituir uma lâmpada danificada, mas em algumas áreas, como nas que existem essa segurança, o prazo é bem menor. A conclusão dessa fase também está prevista para dezembro.  

REFERÊNCIAS 

BAKIRCI, Tuba; ALMIRALL, Esteve; WAREHAM, Jonathan. A smart city initiative: the case of Barcelona. Journal of the knowledge economy, v. 4, n. 2, p. 135-148, 2013.

CISCO. BCN SMART CITY, 2014. Disponível em: https://www.cisco.com/c/dam/m/pt_br/ioe/public_sector/pdfs/Jurisdictions/Barcelona_Jurisdiction_Profile_final.pdf

GADENS, Letícia Nerone; BEL, Joaquín Sabaté. Planejamento urbano flexível na cidade contemporânea: contribuições a partir da análise do Plano 22@ Barcelona. Revista Brasileira de Gestão Urbana [online]. 2018, v. 10, n. 3. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2175-3369.010.003.AO05. 

LEON, Nick. Attract and connect: The 22@ Barcelona innovation district and the internationalization of Barcelona business. Innovation, 2008.

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