Águeda Muniz fala da parceria entre a Prefeitura de Fortaleza e o ICLEI na política ambiental da cidade.

-

Águeda Muniz, ex-Secretária de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza, fala sobre a parceria com o ICLEI em torno do Projeto Urban Leds. 

O IDeF entrevistou Águeda Muniz, que esteve à frente da Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza (2013-2020), durante as duas fases de implementação do Projeto Estratégias de Desenvolvimento Urbano de Baixo Carbono – Urban LEDS, na capital cearense. A parceria entre a Prefeitura Municipal e o ICLEI promoveu os primeiros inventários de Emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE), o Plano de Metas para o enfrentamento das mudanças climáticas e deu origem à Política de Desenvolvimento Urbano de Baixo Carbono de Fortaleza.

O Projeto Urban Leds-Estratégias de Desenvolvimento de Baixo Carbono implementado pelo ICLEI e pela ONU-Habitat escolheu Fortaleza como uma cidade modelo para a execução do projeto. Você pode comentar qual o papel da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente na gestão do projeto, tendo em vista a intersecção existente entre a SEUMA e os organismos internacionais? 

A prefeitura de Fortaleza, no final de 2012, já tinha um contato com o ICLEI mas ainda não era associada à organização. Em 2013 verificamos que havia um interesse maior nessa associação, porque o ICLEI representava uma forma de integrar e de fazer a articulação entre Fortaleza e outras cidades, no sentido de conhecer mais, aderir a projetos e estar inserido no contexto da sustentabilidade ambiental. Como eu estava no planejamento da gestão, logo em 2003 fizemos um planejamento estratégico da secretaria, onde tínhamos a finalidade de integrar o ambiente natural da cidade ao ambiente construído e a sociedade. Nós não podíamos fazer política ambiental ignorando o que estava construído e, o que iria ser construído, tudo precisa estar integrado ao ambiente natural. Então, todo o propósito da SEUMA visava essa integração. 

Então, quando o ICLEI chegou nos foi apresentado a possibilidade de Fortaleza, junto com outras cidades brasileiras, serem cidades modelo na questão da redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE), por meio da criação de políticas climáticas. O papel da Secretaria começou a priori pela associação, querendo ser uma cidade modelo e estar aberta a saber das críticas que seríamos submetidas para poder começar a fazer um projeto de desenvolvimento de carbono zero na capital. Após a associação, era preciso formar os técnicos para que eles pudessem elaborar o primeiro inventário das emissões de carbono, feito em 2014, com ano-base 2012. Com a capacitação desses técnicos conseguimos elaborar todos os inventários seguintes, onde a cada dois anos nós tínhamos uma revisão deste relatório de emissões da cidade. Além disso, com o apoio do ICLEI dentro do projeto Urban Leds, nós elaboramos a nossa política de desenvolvimento de baixo carbono, que existe desde 2016. Esse já era um dos produtos imaginados com a consultoria. E ao final de 2020, nós deixamos o plano de adaptação às mudanças climáticas pronto e formalizado. Então o papel da SEUMA foi no sentido de receber essas informações e promover as mudanças necessárias que deveriam acontecer na capital, e o ICLEI foi essencial nesse processo. 

A participação da cidade de Fortaleza no Projeto Urban Leds tornou-se apoio para a elaboração e implementação da Lei de Política de Desenvolvimento Urbano de Baixo Carbono de Fortaleza, e a partir disso a capital cearense implementou diversas soluções relacionadas à mobilidade urbana e resíduos sólidos. Nesse sentido, quais foram os fatores essenciais para a implementação da Lei? Ela foi inspirada em alguma experiência de outras localidades?

Ela não foi inspirada em nenhuma outra experiência, mas o ICLEI ajudou muito com a legislação já que dentro desse trabalho eles tinham um modelo, e o nosso trabalho foi adaptar para a nossa realidade a partir dos resultados dos primeiros inventários. O inventário de emissões na época dizia que 60% da nossa emissão vinha do veículo motorizado, 35% dos resíduos e 5% da energia e construção civil. A partir desses resultados, nós articulamos a implantação de ciclofaixas, que foi para mais de 500 km, aumentamos o número de ciclovias e implementamos as faixas exclusivas de ônibus e táxi. A implantação de ecopontos em cada bairro da cidade, onde a pessoa leva o papelão, vidro, metal e tem desconto na conta de energia, também foi decorrente da formulação do inventário. E a construção civil também vem buscando desenvolver padrões de sustentabilidade. Então a  política de serviços públicos e de desenvolvimento da cidade recebeu insumos e informes do inventário, o que ajudou na formulação e implementação da Lei em 2017. 

A parceria em torno do Projeto Urban Leds proporcionou para a cidade a criação dos primeiros inventários de emissões de GEE, que são feitos com base no Programa Green Climate Cities (GCC). Você pode comentar quais foram os principais avanços e desafios do projeto durante as duas fases de execução? E como a utilização dessa metodologia orientou Fortaleza a adotar e incorporar uma trajetória para o desenvolvimento de baixo carbono?

Era uma metodologia muito fácil e nós tínhamos um apoio muito grande do ICLEI. O formato do documento tinha um ponto importante que era a criação do FORCLIMA, um fórum de discussão de mudanças climáticas, em que nós reunimos a câmara de dirigentes dos lojistas, o sindicato das construtoras, arquitetos, geógrafos, universidades e órgãos públicos. A metodologia documental foi fácil, o inventário já vinha com os parâmetros para a gente fazer toda a análise. E nós tivemos uma capacitação dos nossos colaboradores, então o ICLEI foi muito importante por trazer uma metodologia fácil de adaptar, de ter processos e rotinas fáceis e de articular, integrar e nos monitorar para fazer com que o FORCLIMA funcionasse. Então, o primeiro inventário das emissões talvez tenha sido o maior desafio, porque a equipe não estava formada ainda. E a princípio com o desconhecimento do Prefeito sobre a importância dessa parceria houve uma certa dificuldade, mas depois que o Prefeito entendeu a importância dessa associação as portas se abriram completamente e, até 2020 tivemos uma ótima relação entre o ICLEI e a prefeitura. Outro grande desafio que pontuo no desenvolvimento do plano de baixo carbono é assegurar que as metas de redução sejam atingidas, e acompanhar esse processo também é um grande desafio. 

Cidades-modelos no Brasil, Índia, Indonésia e África do Sul receberam suporte e orientação no Projeto Urban Leds. Outras oito cidades europeias compartilharam suas experiências e know-how, e também adquiriram novas ideias a partir dos intercâmbios Norte-Sul. Com a experiência adquirida e o acompanhamento dos impactos, Fortaleza demonstrou liderança por meio de ação mensurada, relatada e verificada. Nesse sentido, existiu algum tipo de cooperação internacional mais focado entre a capital cearense e outra cidade participante?

Na época de implementação do projeto  uma comitiva chegou a ir para outros 3 países, mas para fazer visitas de cooperação bem sucedidas. A relação era mais direta com o próprio ICLEI e com as próprias cidades brasileiras, a partir dos encontros com os secretários das capitais no Fórum de Secretários de Meio Ambiente – CB27, onde tínhamos uma cooperação técnica estabelecida e sempre estávamos compartilhando os planejamentos estratégicos, os projetos e depois o monitoramento das ações, principalmente nas áreas de arborização e licenciamento. Então a maior parte da cooperação existia entre as próprias capitais e mais diretamente como ICLEI.

 Na sua experiência como titular da SEUMA, quais as principais dificuldades que você enxerga para a promoção do desenvolvimento de projetos internacionais, como o Urban Leds?

Acredito que a primeira dificuldade seja o prefeito reconhecer a importância da associação ao projeto, a autoridade máxima do município precisa entender que é necessário e isso é o mais importante. A partir do momento que a ideia é aceita e comprada tudo flui muito bem, mas se ele não comprar a ideia não funciona. O segundo desafio, eu acho que todos nós encontramos, é a questão de você ter meios de financiar os projetos. Não adianta só você viajar e ver exemplos, é importante que a gente coloque em prática os projetos e para isso é preciso que haja um financiamento, assunto em relevante evidência no momento, um dos principais pontos abordados na COP27, ao final do ano de 2022. 

Leave A Reply

Please enter your comment!
Please enter your name here

Publicações relacionadas