Paradiplomacia: Entre Relações Federativas e Internacionais

-

 O Professor Doutor Cairo Gabriel Junqueira (DRI\UFS), fundador e orientador do Grupo de Pesquisa Sobre Política Internacional e Sul-Americana (GP-SUL), em parceria ao Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (UNESP), realizou a apresentação ‘’Paradiplomacia-Entre Relações Federativas e Internacionais’’ como atividade de pesquisa dos grupos. O debate ocorreu dia 06 de setembro de 2022 e destacou o fenômeno da paradiplomacia em sua própria dinâmica, além de evidenciar seu aparato histórico conceitual e sua prática na esfera doméstica e na esfera internacional. 

 A apresentação ‘’Paradiplomacia-Entre Relações Federativas e Internacionais’’, ministrada pelo Professor Cairo por meio remoto, se debruçou sobre a paradiplomacia como objeto de debate e, em especial, o caso do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste, Consócio Nordeste, no contexto de chegada ao poder do presidente Bolsonaro, momento no qual houve um visível desentendimento entre governadores e o governo central. Dessa forma, também é objeto de análise a relação entre o Consórcio Nordeste e a criação de políticas públicas, com especial enfoque de combate à crise sanitária de COVID-19, a criação de secretarias estaduais e municipais de relações internacionais e o “empoderamento” de novos atores capazes de estabelecer políticas em relação às próprias dinâmicas internas se fazendo da paradiplomacia como instrumento. 

Professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sergipe (DRI/UFS). Doutor em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) com período de pesquisas junto à Facultad de Ciencias Sociales de la Universidad de Buenos Aires (UBA) – PPCP/Mercosul/CAPES. Mestre em Relações Internacionais, com ênfase em Política Internacional e Comparada, pela Universidade de Brasília – Instituto de Relações Internacionais (UnB/IREL). Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Franca (UNESP/FCHS). É membro do Grupo de Reflexión sobre Integración y Desarrollo en América Latina y Europa (GRIDALE), Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPPs) e Fórum Universitário Mercosul (FoMerco), além de ser colaborador do Projeto de Extensão Internacionalização Descentralizada em Foco (IDeF). Também é coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Política Internacional e Sul-Americana (GP-SUL) com as seguintes linhas de interesse: Instituições Internacionais, Integração Regional, Regionalismo e Paradiplomacia. Atualmente realiza pós-doutorado em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e é coordenador do Observatório de Regionalismo (ODR).

A paradiplomacia como a ascensão de atores subnacionais, propõe o fenômeno de internacionalização de municípios e cidades, atividade realizada, majoritariamente, pelas instâncias do executivo. Nesse aspecto, uma ação paradiplomática pode representar uma nova dinâmica entre governos subnacionais diante da esfera internacional?

Para alcançar o conceito de paradiplomacia, é preciso abordar o conceito de subnacional. Quando falamos em governo nacional, nos tratamos do governo do Estado-Nação, então o subnacional se refere a governos não nacionais. Nas Relações Internacionais, o subnacional é correspondente a entidades que são infranacionais, internas ao Estado, o caso brasileiro como respaldado pela Constituição de 1988, é uma república federativa composta pela União, governos estaduais e municípios, sendo os dois últimos o âmbito subnacional. Quando eles implementam relações internacionais, para além do próprio Brasil, esses governos subnacionais passam a ser atores subnacionais e, nas Relações Internacionais, ser um ator internacional infere um senso de pertencimento e empoderamento para determinadas instâncias e entidades. Quando falamos, por exemplo, que o governo de Franca é um governo subnacional, uma conotação é atribuída, mas quando destacamos que a cidade é um ator subnacional, já faz com que adquira outra dimensão que, para a área de paradiplomacia e Relações Internacionais, aponta um peso mais importante.  Então governos subnacionais se referem ao âmbito nacional interno, enquanto ator já é vinculado a um processo de internacionalização. E quando esses governos se tornam atores, é nomeado a esse processo de paradiplomacia, um conceito das Relações Internacionais que justamente explica essa atividade de internacionalização subnacional.

‘’Quando um governo subnacional se torna um ator internacional, significa que é uma unidade internacional com capacidade de mobilizar recurso, influência e relativa autonomia.’’

Apesar da paradiplomacia ser um conceito relativamente novo no cenário brasileiro, é um processo já pesquisado desde os anos 70. Como a paradiplomacia, enquanto estudo, se desenvolveu e de que forma ela foi fortalecida neste período de tempo?

O entendimento inicial de paradiplomacia é referente a atividade internacional de governos subnacionais, mas existem uma série de terminologias e sinônimos que representam esse processo, como diplomacia subnacional, diplomacia das cidades, pós-diplomacia, política externa subnacional, diplomacia de múltiplas camadas, diplomacia federativa no Brasil cunhado pelo próprio Itamaraty, política externa federativa. Entretanto, o termo paradiplomacia parece, por vezes, o que brilha os olhos de quem quer iniciar os estudos sobre a área. Ademais, a paradiplomacia percorreu por fases, como dito no livro Teoria e Prática (KUZNETSOV, 2015), enquanto estudo, que iniciaram na década de 70 no Canadá, Estados Unidos, em menor medida, na Europa e foi, de fato, expandido para o Brasil nos anos de 2000. Inclusive, era um período incipiente com poucos trabalhos, lembro de um texto específico, A Dimensão Subnacional e as Relações Internacional (2004), organizado pelo Professor Tullo Vigevani (UNESP), que foi um dos primeiros livros a respeito do tema produzido no Brasil, para demonstrar que o conceito tem pouco menos de 20 anos de estudo na academia brasileira. Todavia, é um conceito novo que corresponde a um processo prático que já era vigente desde o final do Século XIX e início do Século XX e, de acordo com alguns autores, atividade realizada desde as cidades-Estados na Grécia Antiga. Outrossim, as dinâmicas que ocorreram nas décadas de 80 e 90 também foram plano de fundo para a paradiplomacia, como a globalização, a interdependência, o debate sobre o foco novos atores, não somente os subnacionais, mas também a mídia, os partidos políticos, os grupos terroristas, ONGs e sociedade civil organizada. Outro ponto interessante é em relação a urbanização, existem projeções que afirmam que até 75% da população irá viver em cidades até a década de 50, isso significa para o debate da paradiplomacia o surgimento de entidades que estão por trás dela e, consequentemente, maior foco no poder local. É importante ressaltar que nós, como estudantes de Relações Internacionais, geralmente focamos no âmbito sistêmico, no Sistema Internacional, mas as relações internacionais também podem ser realizadas no nível doméstico, no local em que estamos inclusos. Nesse caso, a cooperação também é um dos planos de fundo do acontecimento da paradiplomacia, ela vem angariando novas percepções de uma cooperação que acontecia entre Estados, mas, nesse período, se torna descentralizada, envolvendo prefeituras, câmaras e outras entidades, formando outras conexões entres os níveis de análise. 

‘’Para explicar os dias de hoje, é preciso se atentar não somente à ação do Estado, mas a determinadas entidades além dele, organizações internacionais e blocos regionais, e instâncias inseridas nele, os governos subnacionais. ‘’

Como explicado pelo Professor Cairo, a paradiplomacia permeia algumas abordagens e nuances das relações internacionais. Quais são as temáticas que a paradiplomacia pode ser objeto de estudo? E como ela se dá na prática?

Entre as abordagens que a paradiplomacia pode ser trabalhada, existe o debate sobre atores internacionais, análise de federações, redes de cidades e blocos regionais. É possível também observar a paradiplomacia no estudo de política externa e análise política externa, direito e marco jurídico da própria paradiplomacia para compreender a legitimidade da mesma internacionalmente, relações fronteiriças em cidades e estados de fronteira, políticas públicas e consórcios públicos. E, por fim, um debate mais atual sobre a partidarização da paradiplomacia, sobre como as inclinações políticas motivam ou não práticas de internacionalização. Em relação à segunda pergunta, a paradiplomacia pode ser observada em viagens internacionais realizadas pelos governos subnacionais, ingresso de um município em alguma rede internacional de cidades, o estabelecimento escritórios do exterior e na própria estrutura interna da prefeitura pela criação de secretarias, assessorias, gabinetes municipais. Esse último ponto é interessante por, além de existirem poucas unidades nos estados brasileiros, ainda é uma possibilidade de emprego para quem é da área. Por conseguinte, a assinatura de acordos, a representação do próprio estado em temas de sua competência, captação de recurso e investimento estrangeiro, cooperação fronteiriça e difusão de políticas públicas são outras atividades realizadas por atores subnacionais que são práticas paradiplomáticas. Essa atuação internacional pode ser baseada no deslocamento de pessoas e dinheiro, mas também do intercâmbio de ideias e percepções que também são aspetos da paradiplomacia. 

‘’Embora ser positivo, nem sempre a paradiplomacia pode ser para a captação de recurso, mas também para capacitação técnica’’

Uma das atuações de maior destaque nos últimos tempos, foi a atuação de consórcios públicos, em especial o Consórcio Nordeste. Por que houve uma maior atenção midiática para ele? E as atividades dele são legais perante a lei?

Embora não seja algo novo no Brasil, nós ainda falamos pouco sobre os Consórcios Públicos, uma entidade jurídica que entes federativos se unem para trocas de políticas públicas. A Constituição de 1988, Artigo 241 e Lei dos Consórcios Públicos, garantem a formação legal de consórcios na organização política brasileira que, inclusive, possui mais consórcios municipais do que consórcios estaduais. Nessas últimas dinâmicas, a ascensão do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste, o Consórcio Nordeste, por ser constituído apenas por estados brasileiros, os nove estados do Nordeste, e também pelo contexto em que foi criado, demonstrou uma novidade nas configurações dos consórcios públicos. O aspecto conjuntural especial em 2019, se deu pela aproximação dos governadores, simultaneamente, ao afastamento do governo federal, do governo Bolsonaro. É preciso ter cautela ao falar de movimentos políticos, porque, de fato, existe uma nuance de fomento de políticas públicas e um caráter estrutural de desenvolvimento da região Nordeste, mas também, por ter sido criada em meio ao Governo Bolsonaro, de convulsão política brasileira, pode ser entendido até como uma afronta ao Governo Central. Isso porque o Governo Bolsonaro pode ser considerado tumultuado, porém um caminho para a paradiplomacia brasileira, principalmente, pelo papel dos governadores pela busca por alternativas fora da esfera nacional. Pensando nas eleições de 2022, essa discordância entre o presidente Bolsonaro e os governos subnacionais, pode ser utilizada como base do discurso eleitoral do presidente, como foi dito na 75º Assembleia da ONU, atribuindo ‘’culpa’’ pelas medidas adotas da pandemia aos governadores e prefeitos no Brasil. Essa construção dos governadores como inimigos internos também é reiterada pelo presidente em discursos sobre a impossibilidade de exercer sua função por impedimento das entidades estaduais e municipais. Ou seja, uma queda de braço entre entes subnacionais e o presidente. Um caso interessante que representa bem essa situação é sobre o debate do aumento dos combustíveis e a retirada da taxa ICMS dos estados, como é também um tópico que se relaciona com o exterior devido a imagem brasileira nos fóruns internacionais após a posse de Bolsonaro e a ascensão de Ernesto Araújo nos cargos do executivo. 

‘’O Consórcio Público é uma pessoa jurídica criada por lei com a finalidade de executar a gestão associada de políticas públicas e de serviços públicos, em que os entes consorciados, que podem ser a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, no todo ou em parte, destinarão pessoal e bens essenciais à execução dos serviços transferidos. (CLEMENTINO, 2019)’’ 

 Como podem ser observados esses descompassos na estrutura interna e o que podem acarretar para o Brasil em si? E, em relação ao Consórcio Nordeste, como essa união pode trabalhar para o crescimento do Nordeste?

 Um caso interessante que representa bem essa situação é sobre o debate do aumento dos combustíveis e a retirada da taxa ICMS dos estados, como é também um tópico que se relaciona com o exterior devido a imagem brasileira nos fóruns internacionais após a posse de Bolsonaro e a ascensão de Ernesto Araújo nos cargos do executivo. Nas agendas internacionais dos governadores, as temáticas sobre China, meio ambiente e pandemia foram centrais para a atuação, enquanto o governo federal modificou o tom com os mesmos, um padrão mais ideológico que foi imputado à política externa brasileira pelo último presidente. Não que não exista um teor ideológico em decisões políticas, mas que elas não devem ser avessas às racionalidades e à configuração brasileira. O Consórcio Nordeste não irá conseguir solucionar, em poucos anos, determinados processos estruturais do Brasil, se analisarmos o produto interno bruto e a renda per capita da região nordeste e da região sudeste, veremos diferenças que advém de construções históricas, considerando o Brasil colônia. Recentemente, pesquisas sobre a insegurança alimentar no Brasil em que 33 milhões de pessoas vivem nessa situação e, uma parte significativa dessas pessoas, vivem no Nordeste. Em virtude dessa estrutura que coloca o Nordeste, por vezes, com indicadores econômicos e sociais mais debilitados, o Consórcio Nordeste também surge como uma possibilidade e iniciativa para reverter essas mazelas históricas brasileiras. O Consórcio está alcançando esse objetivo? Após passados três anos, eu ainda não consigo responder, porque é ainda pouco tempo de atividade para ser analisado, mas, do ponto de vista do Relatório de Gestão do Consórcio 2019, 2020 e 2021, várias questões foram levantadas para debater esses desafios em conjunto, um dos pontos mais importantes do Consórcio, ser um locus de diálogo entre os estados do nordeste. Outro êxito foi a criação do Comitê de Combate à Pandemia que, quando comparado ao governo federal, agiu de forma efetiva por levar em consideração a opinião de especialistas como o neurocientista Miguel Nicolelis. Por outro perspectiva, também existem críticas ao Consórcio, no estado de Sergipe, por exemplo, deputados queriam a retirada do estado do Consórcio alegando que era um gasto sem sentido.

Quais outras entidades além dos consórcios atuam na área de paradiplomacia? 

Há pessoas que entendem a paradiplomacia não somente realizada por governos subnacionais, mas também empresas pela paradiplomacia empresarial, ONGs, sindicatos realizam relações internacionais. Do ponto de vista mais estrito do debate e da discussão exposta, entendo a paradiplomacia como algo voltado à esfera pública. Quando me refiro a uma cidade, falo sobre o processo de internacionalização dessa cidade no âmbito da prefeitura e da câmara dos vereadores, e, quando me refiro ao governo estadual, seria exatamente o governo do estado, dos deputados estaduais e do próprio governador. Estabelecer a paradiplomacia em torno da máquina pública. Retomando a ideia do Consórcio Nordeste e dos governadores, essa internacionalização vai precisar do suporte de apoio de outros setores, por isso é importante haver uma secretaria de relações internacionais nas prefeituras dependendo da viabilidade interna de cada prefeitura. Mas a secretaria deve trabalhar levando em conta a realidade do próprio município, analisando os interesses dos atores e entidades ali presentes, empresas, ONGs, sindicatos e câmaras de comércio. Basicamente, uma sinergia entre as diferentes entidades e o processo de internacionalização, que não necessariamente depende só de um prefeito ou governador, mas em associação a redes de grupos de interesse, o jogo político.  Seguindo adiante, outras entidades que também são responsáveis, os consórcios podem ser plataforma para isso, como também Associação de Representação Municipal, a Associação Brasileira de Municípios, a Confederação Nacional de Municípios e a Frente Nacional de Prefeitos. No âmbito dos governadores, temos a iniciativa do Fórum de Governadores, espaços de articulação prévios ao próprio Consórcio Nordeste, que também gerem temáticas semelhantes e, por fim, outra entidade representativa e de internacionalização são as redes de cidades, existindo cerca de 150 redes pelo mundo contendo bastante potencial para a internacionalização. 

O consórcio nordeste está começando ainda ou já têm protagonismo no âmbito nacional? O consórcio acaba abrindo portas para outros consórcios estaduais? 

O Consórcio Nordeste ainda está no início, mas já detém protagonismo nacional, como mencionado, também pela sua contraposição ao Governo Bolsonaro, mas são três anos de trabalhos que, por vezes, não é possível realizar muitas coisas. Acredito que o Consórcio abra portas para outros consórcios estaduais, um movimento de cooperação para uma região do Brasil que necessita de políticas públicas e ainda mais importante por ser um movimento de contraposição a política do atual governo federal. Não somente por questões ideológicas, mas também pela falta de racionalidade e de determinados discursos que beiram ao caos, discursos racistas e preconceituosos, nesse sentido, a atuação do Consórcio Nordeste é bem importante. Por outro lado, não significa que por criticar o governo federal esteja, automaticamente, elogiando o Consórcio Nordeste, pois também há debilidades de efetivação de tentativas políticas. Ademais, a personalidade ser composto por figuras de projeção nacional significa que os governadores membros serão peças políticas importantes para as próximas eleições, como o governador Paulo Câmara de Pernambuco e atual presidente do Consórcio, o governador Rui Costa da Bahia, Flávio Dino do Maranhão. Nesse cenário, enquanto analistas, deve-se pensar no caráter prático da busca por implementação de políticas públicas, mas do jogo político em si. 

Leave A Reply

Please enter your comment!
Please enter your name here

Publicações relacionadas