Luiza Debrassi (Prefeitura de São Paulo) fala sobre o Projeto “Redução das Desigualdades com Foco na Transversalização das Perspectivas de Território, Gênero e Raça/Etnia nas Políticas Públicas”

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Graduada em Relações Internacionais pela Universidade São Judas Tadeu (USJT – 2018/2021). Fundadora e Ex-Presidente do Comitê Estratégico de Relações Internacionais Paulista (CERI Paulista) da Universidade São Judas Tadeu. Atualmente, trabalha como Assessora na Secretaria Municipal de Relações Internacionais (SMRI) de São Paulo, participando ativamente na realização de eventos, busca ativa de oportunidades de internacionalização de estratégias, elaboração de políticas públicas e contato com organizações internacionais.

O projeto é uma iniciativa que veio no encontro da rede de Mercocidades, como uma parceria entre as prefeituras de São Paulo (SP), Niterói (RJ), La Paz (Bolívia) e Buenos Aires (Argentina). De onde partiu a ideia de tratar sobre a redução das desigualdades com foco em território, gênero e raça/etnia e quais ações foram desenvolvidas em seguida?

A rede Mercocidades tem uma grande atuação aqui na América do Sul, com cidades membros de países pertencentes ao Mercosul e Unasul. Todo ano, a rede abre uma convocatória para projetos de cooperação Sul-Sul, para que cidades elaborem propostas em conjunto e candidatem projetos de acordo com algumas temáticas, que são eleitas naquele ano. Caso sejam selecionadas, elas recebem um montante financeiro para realizar as atividades propostas.

Nos candidatamos e encabeçamos esse projeto e convidamos as demais cidades para participarem como cidades sócias e, naquele ano, a rede Mercocidades estava com uma temática voltada para o combate às desigualdades. A perspectiva que colocamos no projeto foi como criar políticas públicas que sejam realmente eficazes no combate às principais desigualdades que identificamos em nossa região, abarcando perspectivas não somente da cidade de São Paulo, mas que também fizessem sentido para as cidades de La Paz, Buenos Aires e Niterói.

A partir disso, pensamos muito nessas três perspectivas (território, gênero e raça/etnia). Pensamos em abranger essas temáticas de uma forma que outras cidades também se sentissem contempladas. A questão do racismo aqui no Brasil se diferencia bastante do racismo na Argentina, por exemplo, por isso que colocamos a questão de raça e etnia. 

A desigualdade tem uma relação muito forte com o território que aquela pessoa está inserida, o gênero que a pessoa se identifica e também a sua raça e a sua etnia. Então, percebemos uma coisa, que parece até muito simples, mas que é muito importante e às vezes as pessoas não fazem essa ligação, que é: política pública também é ciência. Logo, para conseguir produzir uma política pública que seja eficiente e que consiga apartar ou combater uma realidade, é preciso ter dados que traduzam o cenário daquilo que estou querendo combater. Então, se eu quero fazer alguma ação, por exemplo, voltada ao tema da saúde, eu tenho algum dado que me mostra qual é a realidade da população com acesso à saúde no território de Parelheiros? De Guaianases? Qual a realidade da população negra, da população preta que vai tentar acessar algum tipo de política pública? Eu preciso ter esses dados para conseguir elaborar uma política pública que consiga combater aquela realidade que identifico como desigual. Muitas vezes algumas cidades aqui na região da América do Sul não produzem esses dados e isso ficou ainda mais evidente durante a pandemia. Poucas regiões aqui da América do Sul, da América Latina, produziam dados desagregados nessas três perspectivas que possibilitassem ações de combate à pandemia mais eficientes. Muitas vezes, se você faz uma política pública que é muito generalizada, uma população ou uma porcentagem de cidadãos não vão ser impactados com essa política pública. Você precisa ter dados para ter embasamento na ação que quer elencar. Foi desse movimento que saiu a ideia do projeto. Foi num período muito oportuno, no sentido de que estávamos lidando com a pandemia durante a projeção desse projeto. Então, tudo muito virtual, mas também muito voltado para essa realidade que vivíamos. Um período em que as desigualdades estavam sendo ainda mais reforçadas por conta de uma pandemia global. 

Foi nesse contexto que o projeto foi sendo elaborado e as cidades que participaram tinham o know-how, possuíam conhecimentos voltados para a produção de dados desagregados em alguma das três perspectivas. Niterói, por exemplo, é muito avançada na questão de desenvolvimento de dados voltados a território; Buenos Aires tem políticas de produção de dados voltadas para o gênero feminino muito forte; e La Paz também tinha uma política pública de produção de dados muito institucionalizada e fortificada. Essas foram as cidades que nós queríamos trazer para fazer uma troca de conhecimentos entre todos.

As atividades foram voltadas inicialmente para quatro etapas. A primeira etapa foi entender em que nível de conhecimento cada uma dessas cidades estava, para compreender qual era o estado da arte das cidades que nós estávamos lidando e qual era o status quo, porque não conseguiríamos fazer um projeto muito efetivo se não entendêssemos em que patamar cada cidade estava na temática. A primeira atividade focou em oficinas técnicas, onde as cidades tinham que responder pesquisas e perguntas que nós elaboramos em conjunto sobre quais eram os mecanismos de desagregação de dados que tinham, como eles foram implementados, quais eram as maiores dificuldades, as fortalezas e os principais interesses. Quando terminamos essa atividade de entender qual era a realidade de cada uma das cidades, nós conseguimos partir para outra etapa. 

A atividade número dois foi uma capacitação. Entendendo como era a realidade de cada uma das cidades, nós fizemos uma capacitação voltada para os servidores públicos que lidam com mecanismos de produção de dados em cada uma das cidades e, para isso, foi contratada uma consultoria através de termo de referência. A consultoria contratada foi a Logos e nós também contamos com a participação do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável) e também da Rede Nossa São Paulo. A capacitação foi muito voltada em apresentar perspectivas, experiências e programas de produção de dados voltados para a elaboração de políticas e programas mais efetivos no combate às desigualdades. Por exemplo, a Rede Nossa São Paulo tem um trabalho muito extenso com o Mapa da Desigualdade que eles produzem aqui no território de São Paulo, e eles trouxeram experiências de como essa produção de dados, a produção desse mapa de desigualdade, traz um embasamento para elaboração de ações mais efetivas nesses territórios. 

Essa capacitação trouxe bastante essa perspectiva de troca de experiências, de entender quais eram alguns programas que já trabalham com isso, como eles foram implementados, o que as cidades poderiam apreender e o que elas poderiam implementar com essas boas práticas. A partir disso, as cidades se mostraram muito interessadas em continuar esse compartilhamento de boas práticas e experiências, que levou a realização de missões virtuais. A ideia inicial era que elas seriam presenciais, para podermos ir nessas cidades e conhecer seus mecanismos, suas secretarias, esse desenvolvimento, mas por conta da pandemia, elas aconteceram de forma virtual.

Então, basicamente, cada cidade teve um tempo para apresentar seus principais mecanismos de produção de dados, colocar como eles foram implementados, quais foram suas principais políticas, como são desenvolvidos, como é o relacionamento da equipe responsável pela produção de dados com os demais setores das prefeituras e etc. Muitas vezes temos equipes específicas para a produção de dados e aí tem esse movimento de fazer a relação, pegar esses dados e enviar para as secretarias responsáveis pela elaboração das políticas, para que elas também tenham acesso e conhecimento dessas informações. Foi um momento muito rico de saber dentro do setor público como esses mecanismos funcionam e como essas relações podem funcionar. 

A última atividade foi o lançamento de uma publicação, onde compilamos todas as informações trocadas, todos os principais conhecimentos, os principais desafios identificados para os próximos anos. Colocamos todas essas informações em uma publicação para poder divulgar para outras cidades, para que aquele conhecimento, essa troca de experiências não ficasse fechado somente nas cidades que participaram do projeto e também não só para o setor público, podendo levar isso para a academia, para a sociedade civil, que são grandes parceiros das cidades. Então, basicamente foram essas as etapas e o processo. 

Como foi a sua atuação dentro do projeto?

O projeto durou em torno de um ano e meio e, no início do projeto, eu era estagiária, prestava auxílio para a assessora, na época, a Bruna Starling, que era o ponto focal dentro da Secretaria de Relações Internacionais para Mercocidades. Eu iniciei o projeto como estagiária, então minha participação era mais voltada para a produção de materiais, de apoio à assessora, que era quem estava tocando o projeto de forma mais próxima, e participando também de outras iniciativas para prestar o auxílio que fosse necessário. 

A Bruna saiu aqui da secretaria e aí, no meio do projeto, eu fui efetivada como assessora, assumindo como ponto focal da rede Mercocidades e também o projeto de cooperação Sul-Sul junto com meu colega de equipe, o Lucas Roberto. Foi um processo muito interessante, mas também muito desafiador, sair de estagiária, entrar como assessora e já ter que tocar um projeto como esse. Mas foi muito positivo porque, como eu já estava envolvida desde a candidatura, já estava ciente do que estava acontecendo, o que facilitou bastante essa transição. 

Nosso papel gira em torno de conectar as oportunidades internacionais com a Prefeitura de São Paulo, como uma secretaria meio. Nosso papel é captar essas oportunidades internacionais, como, por exemplo, essa candidatura e convocatória da rede Mercocidades, identificar a temática e acionar a secretaria fim, a secretaria que tem a responsabilidade sobre o tema. Então, por exemplo, se a gente identifica uma oportunidade voltada para o tema de mudanças climáticas, nós vamos pegar essa oportunidade, produzir materiais informativos sobre isso e enviar para a Secretaria do Verde e Meio Ambiente e a Secretaria Executiva de Mudanças Climáticas, que são as secretarias que acompanham a pauta na ponta. Nós enviamos, eles fornecem os insumos, nós produzimos materiais e enviamos para a rede. Então, nosso papel é fazer a conexão entre a prefeitura e esses eventos e oportunidades internacionais. Dentro do projeto, o nosso papel foi bem parecido com esse, mas também de liderança na condução. 

Ao mesmo tempo que delimitávamos quais eram as ações, quais seriam as datas, fazíamos uma negociação com as demais cidades, produzíamos os materiais informativos e também contávamos com a participação de outras secretarias e outros representantes. 

Nosso papel foi ser a conexão entre a Mercocidades, as cidades sócias e os demais técnicos daqui da prefeitura, ao mesmo tempo que estávamos liderando as projeções e também atividades que o projeto trazia. Estamos seguindo o cronograma? O projeto está dentro do orçamento? Estamos fazendo as etapas de acordo com o que havíamos sugerido? Ah, não vai dar para fazer isso, então vamos modificar, vamos fazer uma nova proposta? O meu papel era muito de conexão e garantia de funcionamento do projeto. Obviamente, eu não conseguia tomar conta de tudo isso sozinha, então eu tinha o Lucas, que acompanhava todo o projeto comigo. 

Quais os resultados obtidos até o momento? Tiveram alguma aplicação prática para a redução das desigualdades? Poderia falar sobre projetos da cidade de São Paulo, dentro do escopo da Secretaria Municipal de Relações Internacionais (SMRI).

Bom, um dos primeiros resultados foi o lançamento da publicação, que permitiu que a divulgação desses conhecimentos para as demais cidades da rede Mercocidades.  Conseguimos, numa das missões internacionais que participamos, levar o material da publicação (digital) para distribuir para as outras cidades da rede, o que já permitiu um intercâmbio muito positivo. 

Outro insumo muito interessante foi que o Escritório das Nações Unidas para Cooperação Sul-Sul (UNOSSC) lançou um documento de boas práticas de cooperação Sul-Sul e Triangular para o desenvolvimento sustentável. Ano passado eles lançaram o quarto volume e nós candidatamos esse projeto e fomos uma das iniciativas selecionadas para compor esse material da UNOSSC. Agora também estamos trabalhando de forma mais direta com outras redes, que temos um contato muito bom, como o Centro Ibero-americano de Desenvolvimento Estratégico Urbano (CIDEU), para desenvolver esse tema de desagregação de dados e produção de sistemas de informações geográficas como ferramenta de planejamento. A nossa ideia é fortalecer essa conjuntura junto com o CIDEU, utilizando a experiência do projeto de cooperação Sul-Sul. Também tem toda a questão de intercâmbio de conhecimentos e boas práticas entre todas as cidades. Mesmo durante o próprio projeto, foi muito interessante ver as possibilidades que as cidades foram desenvolvendo de intercâmbio. Muitas vezes identificávamos que tínhamos um problema e que a cidade de La Paz já havia pensado numa solução que poderíamos implementar aqui na cidade de São Paulo, o mesmo aconteceu com Buenos Aires e Niterói. 

 Às vezes também era identificado que mais de uma cidade tinha o mesmo problema ou a mesma deficiência e, inclusive por isso, conseguimos inserir um conteúdo muito mais incisivo dentro da capacitação. Então, acho que esses são os principais insumos, os com os resultados mais diretos, mas existem também resultados que ocorrem de forma mais transversal, de intercâmbio de conhecimentos com as demais cidades e também captação de conhecimentos para a cidade de São Paulo que esses projetos acabam trazendo.

(IDeF): É até interessante porque envolve também outras áreas que não têm tanto conhecimento sobre o que é. Essa questão da cooperação internacional pode beneficiar a cidade. Eu percebo que aí em São Paulo isso é muito forte. Você até falou sobre a elaboração das políticas públicas, quando há de fato a formulação de alguma política pública, por exemplo, na área de sustentabilidade, vocês passam esse projeto para secretaria que é responsável pela área de sustentabilidade, para desenvolver a política pública? 

Luiza: Por exemplo, o que a gente faz… nós captamos essa oportunidade e solicitamos os insumos para a secretaria fim para podermos seguir com a elaboração desse material. E aí, se a ganhámos uma candidatura ou uma premiação, tocamos por aqui, com todo o acompanhamento da secretaria fim. Mas se pensarmos num projeto de colaboração, por exemplo, colocamos em contato a cidade de La Paz com a secretaria que cuida do tema de interesse, ficamos mais num papel de observador para garantir que a cooperação está acontecendo e também para ter noção do que está rolando. Mas aí a secretaria já estabelece uma relação direta com a secretaria da outra cidade para que eles façam um intercâmbio bem técnico. Sempre estamos ali, permeando essas oportunidades e trazendo isso para que as secretarias daqui de São Paulo tenham oportunidades de aprender com práticas internacionais. O que também acontece muito é de São Paulo internacionalizar seu conhecimento e políticas. Também temos essa função de pegar as boas práticas da cidade de São Paulo e levar pro exterior, com os bons exemplos e prática que São Paulo pode fornecer para o cenário internacional. 

Que outras ações são desenvolvidas pelo município de São Paulo, no âmbito da cooperação internacional, dentro dessa temática? Você pode citar algumas para a gente?

Bem, muitas… Tem bastante. Um exemplo, foi a campanha internacional “Informe Mulheres, Transforme Vidas”, uma campanha voltada e realizada pela organização internacional The Carter Center. É uma organização fundada pelo ex-presidente (dos EUA) Jimmy Carter, junto com sua esposa, Rosalynn Carter, focada em desenvolver o acesso à democracia, saúde e desenvolvimento sustentável em diversos locais do mundo. 

O que a campanha queria levar para as cidades participantes é como muitas vezes mulheres não conseguem acessar os seus direitos ou gozar de seus direitos, porque não possuem a informação de que eles existem ou, muitas vezes, elas não têm informação de como acessá-los. Tratava muito essa perspectiva do recorte de gênero voltado para o acesso à informação de forma democrática. São Paulo foi uma das cidades selecionadas e nós trabalhamos muito com a perspectiva sobre violência doméstica, porque estávamos saindo desse cenário da pandemia com uma alta muito grande nos índices de violência doméstica. Por isso, decidimos trabalhar com esse tema, falando sobre os Centros de Cidadania da Mulher (CCM) da cidade de São Paulo. São cinco espaços que ficam em regiões periféricas da cidade, onde mulheres podem desenvolver e ter pleno acesso à sua cidadania. Eles trabalham desde o tema de independência financeira, quesitos de saúde, com atividades físicas e lúdicas, até a questão da violência doméstica. 

Um segundo exemplo, dentro inclusive da Mercocidades, é que São Paulo atualmente é a cidade coordenadora da Unidade Temática de Desenvolvimento Social, junto com duas cidades subcoordenadoras argentinas, Villa Carlos Paz e General Alvear. E nós também coordenamos a Vice-Presidência de Desenvolvimento Social e Saúde, que compartilhamos com a cidade de Rosário, na Argentina.

As cidades que lideram esses espaços precisam, ao longo do ano, realizar atividades para participação dos membros da rede. É uma forma da rede garantir que consiga trabalhar diversas perspectivas com suas cidades membros para possibilitar o maior desenvolvimento de cooperação Sul-Sul de forma geral. Dentro da rede, São Paulo lidera esse movimento social e também de saúde, pela vice-presidência. Então, por meio do projeto de cooperação Sul-Sul, conseguimos identificar que tínhamos muito a contribuir com essa questão de desenvolvimento social, usando as experiências da cidade e a própria publicação que lançamos do projeto. E aí, por meio disso, conseguimos ser a cidade eleita para coordenar, junto com as demais cidades que citei, essas duas instâncias temáticas da rede. 

E os últimos exemplos, são dois grandes projetos da cidade de São Paulo, liderados pela SMRI, a Virada ODS e a Expo Internacional Dia da Consciência Negra. 

A Virada ODS é um evento focado na popularização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) na cidade. Basicamente, a ideia é conscientizar a população, de forma geral, sobre o que são os ODS, porque são importantes e como podem contribuir no desenvolvimento da cidade e no desenvolvimento pessoal desse cidadão.

E, dentro dessa perspectiva da Virada ODS, não conseguimos falar sobre desenvolvimento sustentável sem abarcar as três perspectivas elencadas no projeto. Durante o evento, são realizadas diversas atividades na cidade com o objetivo de popularizar esse tema, atividades culturais, como música, apresentações de teatro, rodas de conversas, onde participam grandes nomes internacionais. Na edição do ano passado, o Ban Ki-Moon, Ex-Secretário-Geral da ONU e que ocupava o cargo na ocasião do lançamento dos ODS, participou do evento como um dos palestrantes.

Também contamos com a Expo Internacional Dia da Consciência Negra, um evento voltado para a discussão do combate ao racismo estrutural na cidade de São Paulo, mas também pegando perspectivas do Brasil e do mundo. Ao mesmo tempo que celebra a cultura e história da população preta, com apresentações culturais, traz ricas discussões, com palestrantes extremamente reconhecidos, como MV Bill, sobre como tornar a cidade de São Paulo, o Brasil e o mundo um lugar menos desigual e menos racista, também trabalhando no desenvolvimento sustentável dos territórios.

O quão importante você considera os projetos de cooperação internacional descentralizada para o desenvolvimento das cidades brasileiras?

Atualmente, por conta da globalização, não conseguimos identificar países que não possuem uma política externa e uma atuação internacional, seja em maior ou menor escala. Por exemplo, durante a pandemia, os países foram obrigados a colaborar e cooperar, contaram com organismos internacionais de saúde, como a OMS, e realizaram ações e políticas baseadas em informes e recomendações internacionais. O mundo é globalizado e a urbanização também é uma realidade que está cada vez mais fortalecida nesse cenário, a própria ONU prevê que até 2050 68% da população mundial será urbana. 

Você tem as entidades federativas, os governos estaduais, mas quem lida com as consequências de fato é a cidade. Se você tem o aumento do índice de pobreza e desigualdade, você vai sentir isso nas cidades, com o aumento da população em situação de rua, com o aumento da evasão de alunos do sistema escolar, com o aumento da insegurança alimentar, com o aumento da violência doméstica e da violência contra a população LGBTQIA+, é na cidade que você percebe esses problemas de forma mais explícita.

Nesse contexto, as cidades precisam estar preparadas e precisam obter mecanismos para lidar com esses problemas que são globais, os quais não estão restritos àquela região e àquela cidade. Esses problemas estão relacionados com tendências geopolíticas internacionais e, se você tem um cenário de internacionalização somente dos países, as cidades são muito prejudicadas, porque frente a esses desafios globais, se ela não conta os mecanismos necessários para fazer um intercâmbio de conhecimento, para poder fazer a elaboração de políticas públicas com o apoio financeiro de organismos internacionais, se ela não consegue manter contato com outras cidades que já pensaram em perspectivas para solucionar esses problemas, ela precisará lidar com eles de forma individual. Então, a balança fica muito desigual, por isso uma importante atuação das áreas de relações internacionais nas cidades é que muitas vezes elas conseguem contrabalancear essas questões, ainda mais em uma cidade como São Paulo, que é extremamente globalizada. Precisamos ter ferramentas para captar ideias de como solucionar problemas baseados em práticas internacionais, buscar financiamento, pensar em cooperação que consiga trazer novas perspectivas. E pensar São Paulo também como um potencializador de soluções, se conseguimos criar políticas que trazem bons resultados, por que não levar para outros lugares e garantir boas relações?

Para mim, a internacionalização descentralizada, voltada para a paradiplomacia, é crucial no século em que pensamos em problemas e desafios globais. A própria ONU reconhece isso, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, ressalta que é nas cidades que vamos conseguir enfrentar ou perder os principais desafios globais, então precisamos estar bem preparados para conseguir alcançar esse desenvolvimento. É nesse contexto que surge a necessidade de secretarias e órgãos similares na área de relações internacionais nas cidades, para que você tenha uma equipe capacitada e possa construir isso de forma efetiva. 

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