Claudia Valenzuela, diretora e representante da UNOPS no Brasil, fala sobre a participação da UNOPS em questões sociais e o Projeto Parque Todas e Todos

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Graduada em Comunicação Social pela UniCeub, mestre em Administração Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Educação pela Universidade Católica de Brasília. Atuou por 13 anos no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) como Analista de Programas Sociais e, posteriormente, como Coordenadora do Projeto Rede Esportes pela Mudança Social (SSCN) no Brasil. Desde 2017, é diretora e representante do Escritório das Nações Unidas para Projetos (UNOPS) no Brasil.

O UNOPS tem participado de diversas ações voltadas para as mulheres, inclusive por meio de parcerias com a ONU Mulheres. A Sra. poderia falar um pouco sobre o trabalho da UNOPS em relação a questões de gênero e populações em situação de vulnerabilidade social?

Primeiro deixe-me contar um pouco sobre o que é o UNOPS. UNOPS é a sigla em inglês para Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos. Trabalhamos em ao menos 80 países e, no Brasil, desde 2012. Nosso mandato está relacionado principalmente à implementação de projetos de infraestrutura, compras sustentáveis e gestão de projetos. As questões de gênero, diversidade e inclusão social (GDI) são transversais a todas as nossas atividades e guiam as estratégias da organização. A incorporação da perspectiva de GDI está presente nos nossos projetos e na busca pela composição de uma equipe mais diversa. 

No primeiro caso, isso tem se materializado por meio de iniciativas como a que você mencionou, com a ONU Mulheres, mas também com várias outras organizações da sociedade civil e governos. Há muitas situações, por exemplo, em nossos processos de compras, quando buscamos colocar cláusulas nos editais de seleção de fornecedores que promovam a diversidade (como pontuar a mais empresas geridas por mulheres ou que se comprometem com a inclusão da mão de obra local). Outros exemplos: quando projetamos um hospital que considera as questões dos povos indígenas, incluindo uma horta medicinal para que as pessoas possam ter acesso a práticas tradicionais de cuidado mesmo dentro de um hospital; ou quando realizamos capacitações para ONGs ou para indivíduos em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

Sobre o projeto “Parque para Todas e Todos – Sugestões para a implantação de parques urbanos com perspectiva de gênero”, como surgiu essa iniciativa e como as parcerias são estabelecidas com as prefeituras?

Esse manual nasceu no contexto de um projeto com a Prefeitura de Porto Alegre. À época, em 2018, estávamos estruturando um projeto de concessão pública à iniciativa privada para o Parque da Orla do Guaíba. Durante o processo, pensando a transversalização de gênero, percebemos que não havia materiais sobre o tema de parques e GDI especificamente. Por isso, resolvemos transformar o conhecimento produzido no contexto do projeto em um guia para que outras organizações pudessem acessar as informações e criar parques melhores para todas as pessoas. Para isso, trabalhamos com a ONU Mulheres e o UNAIDS no processo de revisão. Também tivemos a parceria do Instituto Semeia, organização que trabalha para promover os parques urbanos no país. O guia Parques para Todas e Todos já foi apresentado em diversos eventos, incluindo três internacionais, e está traduzido para o inglês e o espanhol. 

Sobre como são estabelecidas as parcerias, tanto com prefeituras quanto com qualquer outro ente governamental: as Nações Unidas e o governo brasileiro possuem um acordo básico de assistência técnica, que é gerenciado pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC). Este acordo permite que qualquer outro ente público assine acordos de cooperação técnica internacional com o UNOPS, para a implementação de projetos. Aí ocorre a negociação dos projetos, com cada ente interessado, com definição de escopo, orçamento e cronograma. Depois, o acordo de cooperação técnica é validado pela ABC e assinado entre as partes. 

Qual a relevância de pensar espaços urbanos em uma perspectiva de gênero? Seria possível ampliar essa discussão e pensar também a cidade e o urbano a partir de uma perspectiva de raça e de classe?

Para que uma cidade exista para todas as pessoas, ela precisa ser pensada sob essa perspectiva. Senão, vira um espaço excludente, onde, por exemplo, as mulheres não podem andar à noite, pessoas com deficiência não conseguem se locomover ou pessoas em situação de rua são expostas ao que chamamos de arquitetura hostil. Inclusive, em Parques para Todas e Todos, trazemos a orientação de que os comércios dos parques ofereçam diferentes opções de preços e sejam acessíveis por meio do transporte público, ou seja, que tenham uma perspectiva de raça e classe.

No ano passado, o UNOPS lançou uma nova estratégia de igualdade de gênero e inclusão social. Essa abordagem requer uma compreensão da interseccionalidade e de como a discriminação em relação ao acesso, à participação e à tomada de decisão contra comunidades e grupos específicos pode ser atenuada e considerada ao longo da vida útil dos projetos. 

 Na publicação do guia são elencadas experiências internacionais, a exemplo da Áustria e da Colômbia, que atestam bons resultados para transversalidade e inclusão nas cidades. Ao transpor a política pública para o Brasil, que elementos de adaptação foram considerados no momento da implementação dessas políticas por aqui? 

Parques para Todas e Todos foi pensando no contexto brasileiro e para o contexto brasileiro, partindo do Parque da Orla do Guaíba, em Porto Alegre, como disse. Nesse sentido, os documentos da licitação que são parte do projeto são específicos para o contexto da cidade e sua população. 

Para criar o material, usamos literatura internacional também, pois é um tema bastante universal e faz sentido aqui e em outros lugares. Na época, usamos casos de outros países e casos de cidades e não de parques, pois não encontramos exemplos no Brasil e na América Latina. A boa notícia é que o UNOPS fez o projeto Parque Alajuelita, em São José, na Costa Rica, considerando algumas recomendações de Parques para Todas e Todos. 

 A sociedade civil e a iniciativa privada também foram acionados no projeto. A Sra. poderia nos falar sobre a participação de cada um e quais as perspectivas que eles puderam acrescentar no projeto?

Nesse contexto, fizemos entrevistas com organizações da sociedade civil de Porto Alegre, para entender a visão delas sobre o espaço do parque e coletar possíveis contribuições para o projeto. Também falamos com as equipes de diferentes áreas da gestão da cidade, e a Prefeitura realizou, como deve ser, consulta pública e audiência pública sobre o projeto.

Além dessas escutas, consolidamos a parceria com a sociedade civil por meio da articulação com o Instituto Semeia. Isso nos permitiu receber importantes insumos técnicos e boas práticas sobre a gestão de parques urbanos e os modelos de parcerias para fornecer espaços públicos de qualidade para a sociedade. 

Em relação à iniciativa privada, sua atuação foi no sentido de participar do processo de concessão. A responsável pela concessão deve cumprir uma série de obrigações, inclusive sobre gênero, diversidade e inclusão, que estão descritas nos documentos da licitação.

Para finalizar, como fazer com que outros estados e municípios se engajem em iniciativas de inclusão (social, racial, de gênero) em espaços urbanos?

Existem várias iniciativas, de muitas organizações, já ocorrendo. Destaco as ações do Conselho Federal de Arquitetura e Urbanismo (CAU) que é parceiro do UNOPS e tem um grupo para a promoção de gênero, que realiza eventos, discussões e publicações com essa temática. Na ONU, além do UNOPS há outras agências especializadas que trabalham a temática, como o ONU-Habitat, por exemplo. 

Creio que uma das principais ferramentas para potencializar esse assunto são as parcerias e as articulações. Como conseguimos perceber ao longo da produção de Parques para Todas e Todos, diferentes atores contribuem com elementos complementares – e igualmente importantes para as mudanças de que a sociedade tanto precisa. E deixo também o convite para que as pessoas leiam Parques para Todas e Todos, pois muito do conteúdo pode ser aplicado à temática de cidades mais inclusivas.

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