FORTALEZA CIDADE CRIATIVA: Alberto Gadanha fala sobre a relevância do título da UNESCO para a cidade

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Alberto Gadanha é designer, professor, e ponto focal do projeto Fortaleza Cidade Criativa da UNESCO em Fortaleza, conversou com o IDeF sobre a importância da chancela para a capital cearense e sobre os trabalhos da gestão dentro da vice-prefeitura. Fortaleza é membro da Rede de Cidades Criativas (UCCN, sigla em inglês) desde 2019. Alberto participou do processo de candidatura e atua desde 2021 juntamente com o vice-prefeito Élcio Batista, nas demandas da cidade ligadas à rede

IDEF: A Rede de Cidades Criativas da UNESCO foi criada em 2004, com o objetivo de promover a cooperação entre as cidades que reconhecem a criatividade como um fator importante no seu desenvolvimento urbano. Como funciona, na prática, essa rede para a promoção da criatividade no desenvolvimento sustentável local? Como o intercâmbio com as demais cidades-membros da rede podem contribuir para a implantação de novas ideias e levar bons exemplos em Fortaleza?

A Rede funciona com uma metodologia de trocas de boas práticas. Eu gosto de dizer que é como um grupo de whatsapp, obviamente é muito mais que isso, mas é no sentido de deixar claro que o objetivo da rede é facilitar as conexões entre as cidades membros. Um primeiro aspecto importante do funcionamento da rede é que não precisa passar pelo processo da federação para conseguir falar com qualquer pessoa, projeto ou instituição numa outra cidade ou país. Até porque, não só o Brasil, mas todos os países do mundo tem cidades com perfis diferentes, então os interesses de troca também vão ser diferentes. Fortaleza conversa com outras cidades como Singapura, onde nosso vice-prefeito Élcio Batista visitou recentemente, e também fez projetos com outras cidades como Braga/Portugal. É nas cidades que as pessoas vivem, é nas cidades que as pessoas tem problemas, então porque não fazer essa conexão diretamente entre as cidades. Temos a figura do Estado, como uma coisa mais simbólica, algo mais político, econômico, numa camada maior, mas no dia a dia, ainda mais trabalhando na prefeitura, eu vejo que é a prefeitura que está para resolver o buraco, a lâmpada, o sinal, o mobiliário urbano, a parada de ônibus, a arte urbana, isso sem falar em saúde, segurança pública etc. A rede no total tem 295 cidades, divididas em 7 áreas da economia criativa. Cada uma dessas áreas se organiza em um subgrupo que a gente chama de cluster. O cluster do design é o CODE (CLUSTER OF DESIGN). Neste cluster, a gente tem 43 cidades, onde 3 são brasileiras, Fortaleza, Brasília e Curitiba. Fortaleza é a mais nova na área do design. No Brasil, no total participam 12 cidades. No nosso caso, e isso não é regra em todos os países, nós nos organizamos também como uma rede nacional, que se chama E-criativa – Rede Brasileira de Cidades Criativas. Nessa rede brasileira também foi criado um regimento, nós temos encontros periódicos, às vezes até mais de um encontro presencial e alguns on-line. Dentro da rede da UNESCO, o cluster do design também faz alguns encontros on-line, e o encontro geral da rede é uma reunião que acontece uma vez no ano em alguma das cidades membros. A cidade anfitriã tem uma série de responsabilidades técnicas. Ano passado o encontro aconteceu em Santos/SP. Esse evento era pra ter sido em 2020, mas durante a pandemia as reuniões ocorreram online. Para Fortaleza especificamente foi difícil porque foi exatamente quando a cidade entrou na rede. As conclusões do evento anual vão para a conferência internacional da UNESCO, não é algo que fica apenas dentro da rede. A reunião de Santos foi um momento muito importante, sendo a primeira reunião anual no Brasil, e acredito que foi a primeira na América do Sul também. Isso é uma questão importante porque a rede é muito centralizada na Europa, por razões óbvias. Existe a intenção da UNESCO, com atividades e mudanças de método de entrada, por exemplo, para possibilitar uma maior diversidade geográfica na rede. Então temos esse encontro anual geral da rede e também da sub-rede do design. Uma informação chave é que não existe um financiamento da UNESCO para essas cidades. Sobre a parte prática, a organização pede muito claramente que a cidade esteja nas reuniões anuais, e faça um relatório de 4 em 4 anos, e isso é de fato o que a UNESCO exige para a permanência da cidade na rede. O processo de avaliação dos relatórios e da entrada de novos membros também é feito pelas próprias cidades membros. A UNESCO tem um secretariado para a rede de cidades criativas, mas que faz uma parte técnica de repassar e juntar as informações, definir algumas regras, mas no dia a dia, a troca de experiência e parceria acontece por iniciativa das cidades, e principalmente dos coordenadores dos clusters. A gente faz sim algumas ações inspiradas em outras cidades. Por exemplo, a gente viu como fazia uma pesquisa específica sobre o perfil socioeconômico dos atores do design de Fortaleza com uma outra cidade do nosso cluster, e isso ajudou bastante para implementação de projetos e ações específicas e direcionadas. O projeto funciona a partir de uma organização muito descentralizada, realmente são as cidades que fazem acontecer e depende delas o aproveitamento da rede. 

IDEF: Em 2019, Fortaleza entrou na rede de cidades criativas pelo design, a partir de uma perspectiva transversal, como ferramenta de transformação social. A inserção de Fortaleza foi influenciada por outras experiências? O que muda nas ações do município a partir do título de Cidade Criativa?

Influenciado por outras cidades sem dúvidas. Existe um case muito claro de Bogotá, no sentido de investir nesta área da criatividade, por meio do design urbano e da requalificação de áreas degradadas. O Recife é grande um exemplo também, com a criação do porto digital, e a requalificação de áreas degradadas da cidade que foram revitalizadas através da economia criativa. Em Fortaleza, e eu diria que é o primeiro marco da cidade, já tinha no plano “Fortaleza 40”, que é um plano sobre o planejamento de todas as áreas da cidade, um caderno sobre economia criativa. Então a economia criativa já estava presente nesse planejamento da cidade feito no final de 2016. Quando Fortaleza começa a se interessar pela rede, ela começa olhando para moda, que também é um setor muito importante para a cidade, e aí vê que a moda também está dentro do design, só então se insere como cidade criativa do design. O design thinking também é algo muito importante de comentar, porque serviu para mostrar que todos podem fazer esse processo do design, não era algo muito longe da realidade, e isso fez com que o design estivesse muito mais presente dentro das ações do município. No geral, a gente vê essa presença do design desde uma coisa mais superficial, como a criação de um palco num festival de música na cidade, até a inserção da linguagem do design nos editais da Lei Paulo Gustavo. Não que seja algo exclusivamente por causa da chancela de Fortaleza na UNESCO, mas vem de um momento do design cada vez mais presente nas tomadas de decisão dentro da cidade e entendido também como agente de produção cultural. Outro ponto, por exemplo, é que a gente não tinha uma cadeira no conselho municipal de cultura, mas foi criado recentemente. Então são coisas que estão acontecendo relacionadas ao design  que a gente que é da área ou que está trabalhando com isso consegue enxergar uma mudança. O suporte e a credibilidade da UNESCO são muito importantes. E isso é muito valioso para a cidade e para os profissionais da área. Isso gera uma série de vantagens, como a participação em eventos internacionais e trocas de experiência. 

IDEF: De que forma os incentivos à economia criativa, por meio da chancela da Rede de Cidades Criativas, pode favorecer o crescimento municipal em setores como desenvolvimento urbano e social, educação e meio ambiente? Como as ações do Fortaleza Cidade Criativa do Design impactam a realidade da população local, principalmente dos setores que trabalham com design?

O design é uma ferramenta para solucionar problemas e criar significado. Solucionar o problema é a funcionalidade e gerar significado seria a parte de deixar as coisas mais bonitas, mas nenhuma das duas coisas é um fim em si mesmo. Porque gerar significado é importante para a funcionalidade das coisas/espaços também. Quando você pensa em espaços públicos, por exemplo, a ideia é como a gente pode criar um espaço urbano mais agradável para as pessoas, e isso passa por decisões de design. Para a candidatura na rede de cidades criativas você tem que fazer um dossier extremamente técnico, falando do que já existe na cidade e do que a cidade se propõe a fazer. E uma das propostas era criar um centro de design, um equipamento físico, um espaço que teria exposição, workshop e atendimento. A princípio não se sabia onde era o centro de design, que tamanho ele ia ter, mas a gente sabia que precisava de um centro de design numa cidade criativa do design. Algumas conversas, alinhamentos e negociações políticas depois, uma das pessoas do nosso grupo, Cláudia Leitão, que tem muito trabalho na área, já foi do Ministério da Cultura, Secretaria de Economia Criativa, já trabalhou no Estado e Município em diferentes épocas, sensibilizou o secretário de cultura do estado da época, dando a ideia de que dentro da estação das artes tinha que ter um centro de design. Então a cultura precisou reconhecer que o design também é produção cultural. Temos também dentro da política de juventude de Fortaleza a Escola de Jovens Designers, onde são ofertados cursos gratuitos para a população, com cerca de 3 meses de duração, que dão uma base para a pessoa que queira trabalhar e tenha interesse na área. Um aspecto que tem um pouco menos a ver com o design no sentido da solução, mas tem a ver com o fomento do processo de design na população, é o Projeto Costurando o Futuro. Esse projeto tem origem na Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Município. Ele é como um co-working de costura. Existem alguns espaços públicos espalhados pela cidade que disponibilizam máquinas de costura, e as pessoas vão lá produzir suas peças. Isso está tendo um resultado super legal. O design tem uma função social, ele cria identidade cultural para um determinado lugar e pode ser uma ferramenta para diminuir a desigualdade social. O que a gente vem fazendo dentro do Fortaleza Cidade Criativa é tentar somar as duas coisas.

“A gente defende a economia criativa não só pela expressão pessoal do criador, do artesão, do design, mas também para que a criatividade seja realmente um meio de vida e uma maneira de movimentar a economia, de fazer as pessoas viverem e prosperarem de fato com aquilo que elas gostam de fazer.”

Alberto Gadanha

IDEF: Uma das metas do plano de ação do Fortaleza Cidade Criativa é a criação do Projeto Juventude do Design, que engloba um Circuito de sensibilização e educação para o Design nas escolas municipais e a criação de Laboratórios de Inovação. Segundo o documento, a iniciativa é inspirada no Circuito – Braga Media Arts Educational Service e é realizada em parceria com a Coordenadoria da Juventude de Fortaleza e a Rede Cuca. Você pode comentar mais sobre essa parceira em torno do projeto?

O projeto existe, mas não exatamente da maneira que foi idealizado. Mudar o currículo da escola, seja para incluir algo, passa por um processo muito maior. Então essa meta tinha alguns obstáculos que eram intransponíveis. Mas desde o ano passado nós conseguimos fazer o Projeto Fortaleza Sustentável, que são palestras que acontecem nas escolas municipais, justamente para falar das possibilidades de novas profissões ligadas à criatividade, inovação e tecnologia, pensados de uma maneira a ser possível também de acontecer em relação ao meio ambiente, a capacidade econômica e a sustentabilidade. O que foi pensado como esse circuito, está acontecendo dentro do Fortaleza Futuro Sustentável e o que foi pensado como os laboratórios de inovação, está acontecendo dentro dessas escolas da juventude.

IDEF: Por fim, temos visto cada vez mais o discurso sobre economia criativa ganhar espaço, com a criação da Rede Brasileira de Cidades Criativas pelo Ministério do Turismo, e internacionalmente, as conferências e eventos organizados pela UCCN. Como você enxerga o compromisso de governos municipais com políticas públicas voltadas para impulsionar a economia criativa nos municípios? Qual a maior dificuldade que você enxerga?

Aqui em Fortaleza temos alguns projetos de design urbano que estão inseridos nessa linha da economia criativa como o projeto Caminhos Verdes e Azuis, que é uma intervenção de alta qualidade urbana, ambiental e social no espaço público, em áreas vulneráveis, contemplando soluções baseadas na natureza, pedagogia urbana e participação social, considerando as perspectivas de gênero e idade. Reunindo pessoas, natureza e tecnologia em prol de uma transformação urbana inclusiva. Esta intervenção é um projeto piloto dentro de uma nova estratégia de planejamento, que faz uso do micro urbanismo experimental para avaliar o pré, o durante e o pós-intervenção, no intuito de guiar as políticas públicas para um desenvolvimento urbano escalonado para a cidade, com base em dados e evidências. Inspirado nas boas práticas e diante dos imensos desafios do tecido urbano, o Laboratório de Inovação de Fortaleza (Labifor) surge como um ambiente integrado, focado na solução de problemas da cidade, na geração de impacto social e econômico, por meio da inovação. O principal objetivo é conceber e desenvolver, em parceria com as secretarias executivas, projetos inovadores voltados para as principais temáticas da cidade, tais como mobilidade urbana, gestão de resíduos sólidos, segurança pública, meio ambiente e tantos outros. Todos os projetos estão alinhados com os ODS e com o Plano Fortaleza 2040, que tem como foco principal a redução de desigualdades em Fortaleza. Acho que a parte mais difícil seja tentar manter uma governança da chancela dentro da cidade que não seja muito centralizada em uma só instituição. A instituição mais comum de isso acontecer é obviamente a prefeitura, e o problema disso é que a gestão da prefeitura muda. O grande desafio de todas as cidades é procurar como manter esse fôlego e dedicação nas ações dessa área, porque obviamente a gestão precisa pensar com uma cabeça da economia criativa, que é muito diferente de uma cidade industrial, de um pensamento mais conservador, então depende muito das intenções de quem realmente está na gestão. Já fazem 7 meses que a gente tem funcionando com um comitê gestor da chancela aqui em Fortaleza, isso é uma das indicações que a E-criativa faz, de criar um comitê gestor que envolva mais de uma instituição, tanto para se ter uma gestão mais transparente e democrática, mas também para dividir a responsabilidade para quando eventualmente uma ou outra instituição não tiver uma diretoria que acredite em determinada ideia ou projeto. Um ponto importante a mencionar é que a chancela da UNESCO ficou sob responsabilidade da vice-prefeitura porque o nosso vice-prefeito, Élcio, acredita, defende e projeta a pauta da economia criativa na cidade. E a prefeitura também acompanha e reforça ainda mais a pauta. A gente vê quando chega nessas questões políticas, diferente de quando você fala de planejamento dentro de uma empresa, tudo depende basicamente de quem está na gestão. Então, eu acho que o grande desafio é o compromisso com a continuidade. Hoje Fortaleza tem uma gestão municipal muito disponível e a favor da presença do design, até porque enxergou esses avanços que vinham acontecendo, como que o investimento do design vale a pena. Como eu disse, a grande dificuldade é a continuidade, mas aqui em Fortaleza a gente tem uma prefeitura muito engajada com outros atores e instituições para que a gente possa garantir que essa chancela perdure por muitos anos, até porque não tem limite de participação na rede. Então a gente espera que as próximas gestões que venham do governo e das demais instituições envolvidas entendam e percebam a importância da chancela e da participação de Fortaleza na UCCN, mas principalmente, eu diria até do desenvolvimento do design dentro da cidade como ferramenta para melhorar a vida das pessoas.

Crédito: Rodrigo Carvalho / Prefeitura de Fortaleza / Divulgação.

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