A gestão privatizada da água e esgoto no Amapá

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Sede da Caesa no bairro Laguinho, em Macapá — Foto: Victor Vidigal/G1

A Companhia de Água e Esgoto do Amapá (Caesa) foi privatizada pelo Governo do Estado do Amapá (GEA) na modalidade de concessão. O grupo vencedor foi o Consórcio Marco Zero, que ofereceu R$ 930 milhões. Essa concessão terá duração de 35 anos. A privatização do saneamento básico no Brasil tem sido objeto de debate e discussão, e sua inspiração não é exclusiva do cenário nacional. Em outros países, situações similares ocorreram e a privatização do saneamento básico foi implementada. Alguns exemplos incluem o Chile, os Estados Unidos e alguns países da Europa. No entanto, é importante notar que, em muitos desses lugares, após a privatização, o governo voltou atrás e reestatizou as empresas de saneamento devido a possíveis problemas com o modelo privatizado. Enquanto a tendência de privatização de sistemas de saneamento avança no Brasil, exemplos internacionais apontam na direção oposta

O IDeF conversou com a Dra. Jennefer Lavor Bentes, Doutora em Políticas Públicas pela Universidade Estadual do Ceará. Foi Diretora Operacional da Companhia de Água e Esgoto do Estado do Amapá (CAESA) em 2019. Atuou como Consultora Política na Assembleia Legislativa do Amapá (ALAP) (2021 – 2022) em agendas de Políticas Públicas de Infraestrutura.

IDEF: No tocante à privatização do saneamento básico no Brasil, quais são os principais argumentos favoráveis e os principais argumentos contrários a essa prática no nosso país? Considerando as experiências internacionais e o seu estudo de caso no Estado do Amapá.

JENNEFER: O tema da desestatização dos serviços públicos não é algo novo, vem praticamente junto à própria formação do Estado e à organização da sociedade, e das instituições públicas e privadas.

Quando há essa organização social, existe também a necessidade de identificar quais são os problemas públicos — que serão tratados pelo Estado e pelo poder público —,  e quais são aqueles problemas e assuntos que são mais de interesse do poder privado,  que correspondem mais às suas atividades específicas.

Então, essa não é uma discussão recente, mas quando a gente vem para o âmbito do saneamento básico — que foi o tema que investiguei na minha pesquisa de doutorado —, é possível perceber que o tema também não é novo no Brasil. Digamos que desde a colonização, houve ciclos em que ora predominava o poder público e ora predominava o poder privado no tratamento dos problemas de saneamento básico, principalmente, nas maiores cidades e capitais brasileiras. Além disso, ainda que ao longo dos séculos esses ciclos tenham sido identificados por pesquisadores de forma muito clara, não é algo que acontece de maneira isolada. Isso também está em consonância com interesses econômicos,  internacionais e articulações políticas.   

Seja na América Latina, na Europa ou nos Estados Unidos, enfrentar os problemas e as demandas públicas demanda interesse do mercado e do poder privado. (Esses setores) Assumem essa responsabilidade, de maneira compartilhada ou não com o poder público, a depender do momento. Mas isso não é um problema específico do Brasil, não é um problema de temporalidade — somente contemporâneo — e não se estuda de maneira isolada. É preciso entender como acontecem os processos de desestatização em outros continentes, na Europa e América do Norte, por exemplo, além de outros países da América Latina. 

Observando o processo de desestatização ou de compartilhamento entre as esferas pública e privada, nós analisamos o caso do Brasil buscando entender quais foram os momentos em que isso aconteceu e porquê chegam até os dias atuais, trazendo estudos no âmbito do neoliberalismo e dos interesses neoliberais, que vem desde os anos 80 no país, e persistem não apenas no setor do saneamento básico. 

Para entender as políticas neoliberais e como elas acontecem, isso inclui a compreensão de todo o contexto internacional e do contexto político nacional e, mais especificamente, como no meu estudo de caso, da política regional e municipal do Estado do Amapá. Para estudar a desestatização é preciso ter o panorama macro até enxergar o panorama local, com seus desafios sociais, econômicos e políticos. 

No meu caso, quando questionei quais as razões que faziam acontecer a desestatização no Estado do Amapá, vi que, no Brasil, aplicou-se essa reforma em diversos estados do país a partir do Novo Marco Legal de Saneamento Básico, como no Rio de Janeiro, Alagoas e no Amapá, que foi o primeiro da região Norte.  

Para uma pesquisadora isolada no doutorado, é preciso focar a pesquisa. E assim foi feito. O Amapá estava passando por esse processo de reforma, apoiando-se no teórico e na dimensão macro, buscamos entender também os lados contraditórios dessas reformas, assim como grupos que eram contrários a elas: organizações não governamentais e um conjunto de intelectuais e pesquisadores que observam a perspectiva de direitos humanos e apontam que ela não estava sendo tratada nestes projetos, que priorizavam políticas e dispositivos neoliberais.  

Ainda que essas reformas atendam aos interesses econômicos, isso não significa que poderiam ter desconsiderado as dimensões dos direitos humanos, do direito à vida, ao meio ambiente e à saúde.  Poderia ter sido considerada a perspectiva da liberdade econômica, mas também de direitos humanos. Mas logo quando iniciamos o trabalho de campo, identificamos que estava muito omissa as questões dos dispositivos legais de direitos humanos nas tratativas do projeto de reforma. 

Portanto, dentre os diversos resultados que a pesquisa conseguiu alcançar, está o afastamento de instrumentos e de garantias de direitos humanos e de dispositivos legais que garantissem a universalização da prestação dos serviços públicos e efetivação da cidadania.

IDEF: A próxima pergunta engloba um pouco mais do que você já falou. Quando estávamos fazendo o levantamento, percebemos que as experiências internacionais são diferentes do que tem acontecido no Brasil. Demonstrando que o processo de privatização do saneamento básico foi iniciado em alguns lugares, mas, com o tempo, diversas falhas levaram os países a retrocederem em relação a tal medida. 

No Brasil, parece que estamos seguindo na contramão, a prevalência do interesse privado acima das experiências no cenário internacional. Enquanto no exterior o processo já avançou e retrocedeu, devido a falhas na desestatização, aqui a tendência ainda é contrária. Gostaríamos de entender melhor como isso acontece. Em algum momento essas outras experiências foram consideradas?

JENNEFER: A gente entrevistou quem de fato decidiu aplicar a reforma no Estado do Amapá, e uma das perguntas que eu fiz aos entrevistados foi se eles tinham conhecimento dessas experiências internacionais. A totalidade  afirmou que não tinha conhecimento. Nesses momentos, perguntamos: “Você viu o que aconteceu na Argentina? Na Bolívia? No Chile? Nossos vizinhos aqui da América Latina”.

Os entrevistados repetiam muito o que tinha sido passado pelos consultores, que estavam sendo pagos para a implantação da reforma e que tinham interesses na execução do projeto. Ou seja, na concessão regionalizada dividindo as responsabilidades entre o poder público e o privado, por meio da separação entre os territórios e cidadãos economicamente rentáveis ou não. 

No entanto, quando vemos experiências em outros países, existem vários casos, como em países europeus, onde os processos também divergem entre si. O caso de Paris é diferente dos casos das cidades de Portugal, que é diferente dos casos da Holanda e Inglaterra. Nesses exemplos, o processo de implantação de políticas públicas no setor é secular, com bastante conhecimento científico registrado e acompanhado por pesquisadores. 

Na Inglaterra, ainda que você tenha ali a proximidade da universalização dos serviços públicos nesse setor, houve um período em que foi implantada a reforma e o poder privado avançou quando o poder público já tinha deixado o serviço muito próximo da universalização de fato. 

Na França, o caso é bem distinto, o poder privado teve uma participação muito importante  na universalização, mas é um caso muito diferente do caso da desestatização regionalizada que aconteceu na África do Sul.  

Na África do Sul, a desestatização foi uma tragédia, e isso em temporalidades muito diferentes, em outros séculos. Enquanto a desestatização na Inglaterra ocorria com a Margareth Thatcher, na África do Sul isso só vai acontecer mais recentemente, dos anos 90 para cá. Então não há como comparar exatamente. A política e a formação histórica são diferentes. 

Então compete verificar o ocorrido  na África do Sul, onde o processo foi trágico  — assim como em Jacarta, na Indonésia  —, e também analisar o exemplo ocorrido com as reformas feitas pelos nossos vizinhos. A Argentina e a Bolívia também fornecem dados desde o final dos anos 80, 90. Nesse mesmo período, após o governo de Fernando Henrique Cardoso, tentaram fazer as reformas do setor de saneamento básico no Brasil, o que não avançou devido à frente parlamentar nacional e diversos setores da sociedade civil que se posicionaram contrários a esse tipo de reforma no país. 

Essa reforma que estudamos agora, que está acontecendo após os anos 2020, especificamente depois do golpe da Presidente Dilma, quando assumiram os governos Temer e Bolsonaro, teve sua implantação acelerada, mas não são projetos inéditos. Datam dos anos 90, do período FHC, quando não deu certo devido às resistências e posterior ciclo de governos do Partido dos Trabalhadores. 

Então, há “n” casos que a comunidade científica identifica. O livro do professor Leo Heller é uma bíblia, com a compilação de vários casos em relação a essas políticas públicas aplicadas ao saneamento básico. Portanto, existe conhecimento consolidado, ainda que esteja predominantemente no âmbito dos especialistas no assunto. Por outro lado,

quem decidiu aplicar esse tipo de reforma, no âmbito dos espaços políticos e de ocupação dos espaços de poder nas instituições públicas, não necessariamente conhece o que aconteceu nos outros países.

Eles são apresentados à temática de acordo com os discursos dos próprios interessados na reforma, que dão a entender que todo o projeto será muito positivo e que o poder privado têm melhores condições de se especializar e resolver esse tipo de problema (que é um abacaxi enorme). 

O poder público, os prefeitos dos municípios e governadores dos Estados sabem do tamanho da despesa com esse tipo de política pública. São conhecimentos técnicos que exigem tecnologia muito específica para o setor de saneamento básico e o Brasil. Quem decide e tem o poder decisório não necessariamente tem interesse na possibilidade de implantar esse tipo de tecnologia e conhecimento. As experiências existem, mas quem tem poder decisório nem sempre têm todas as informações para tomar as melhores decisões.

IDEF: A sua resposta me fez refletir sobre algo que não estava programado aqui. Primeiro,  gostaríamos de saber qual é a empresa privada que está realizando esse serviço no Amapá. É uma empresa totalmente brasileira?

JENNEFER: É muito difícil saber se a empresa é totalmente brasileira. Se você pega uma empresa como a CSA Equatorial, ainda que ela tenha um registro, um CNPJ que a gente conheça, a sua atuação nacional, e mais especificamente na região Norte do país, ela tem seus ativos disponíveis para serem vendidos no mercado financeiro, o que pode ser comprado por qualquer cidadão de outras partes do mundo, devido à financeirização e disponibilidade dos ativos na bolsa de valores. Então depende muito do percentual do consórcio que está em posse do capital nacional e internacional.  

Nesse setor do saneamento básico, a gente observa que já existe um grupo de empresas consolidadas nesse mercado e que têm investidores em diversas partes do mundo, com empresas da Espanha, França e Inglaterra bastante presentes.

São empresas que já estão mapeadas e que para adentrarem no mercado brasileiro, por exemplo, precisaram se associar às empresas nacionais, construindo os consórcios para concorrerem nos leilões.

Então, acredito que a CSA Equatorial pode até ser nacional no seu registro, mas é aberta para investimentos do mercado financeiro.

IDEF: Isso nos faz pensar em países como a Inglaterra, em que por mais que o processo tenha demonstrado fracasso, continua na tentativa de levar isso para outras regiões. E somado a isso há o interesse da burguesia nacional em atender esses interesses internacionais. Podemos pensar numa imposição do Norte contra o Sul global no sentido de privatizar serviços básicos, o que por vezes desestabiliza o serviço que está em posse do poder público e dá maior autonomia para as elites internacionais.

JENNEFER: É muito interessante o caso da Inglaterra, porque ela chegou bem próximo da universalização através do poder público. Margaret Thatcher fez a desestatização e o poder privado demonstrou que não era bem como eles prometiam. A partir disso, o poder público reassumiu, mas a gente tem lá uma série de variações contratuais. A Inglaterra não é um único modelo em todo o país, porque você tem outros modelos bem interessantes e colaborativos em outras comunidades pequenas também. Por exemplo, a própria sociedade assume parte da responsabilidade, fazendo parte da governança. Mas aí você vê como a Inglaterra e Londres são símbolos do mercado financeiro, mas em cidades menores, suas experiências organizaram a execução contratual de maneira mais integrada entre o público, o privado e a sociedade.

A própria Escola de Economia de Londres capacita gestores das companhias de saneamento básico brasileiras, para que eles entendam a configuração dessas reformas, dos projetos de desestatização e dos projetos de parceria público-privada.

Eu acredito que, realmente, essa construção de uma parceria público-privada deve prevalecer no enfrentamento de problemas públicos. A Escola de Economia de Londres capacita nossos gestores das companhias de saneamento básico, para que eles entendam e defendam esses tipos de projeto e os implantem no país

IDEF: No escopo do trabalho do IDEF,  nós buscamos levar a informação para gestores municipais, estaduais e pessoas que fazem cooperação internacional de maneira descentralizada. É interessante saber disso, porque já é uma lacuna que a gente pode tentar ajudar a diminuir. Nesse cenário, sabemos que as principais consequências desse processo terminam a cargo da sociedade civil. Dito isso, gostaríamos de perguntar quais são os principais impactos dessa privatização na ponta final, na sociedade.

JENNEFER: As parcerias público-privadas, acredito, são políticas que em tese têm condições de funcionar bem. Se realmente o que for implantado ao longo da execução contratual, forem coincidentes com as práticas prometidas e justificadas nos discursos que defendiam a reforma, eu acredito que pode funcionar bem. Porque hoje, o poder público no Brasil, pelo seu histórico de desenvolvimento no setor e pela maneira como estavam funcionando as empresas estatais, era necessário ser feito algo. A maneira como elas estavam funcionando, com interesses político-partidários e interesses particulares prevalecendo na gestão e governança dessas companhias, foram políticas muito prejudiciais no funcionamento dessas companhias e, por consequência, muito prejudiciais na qualidade da prestação do serviço público básico. Então, defender que seja mantido como estava até antes das reformas, é uma defesa muito difícil de fazer, porque estava funcionando de maneira muito precária e ineficiente. Como você vai defender algo que não está bom e que realmente precisa ser modificado e melhorado? No mundo do poder público, não observamos melhoras relevantes por anos, décadas ou séculos. Então, algo precisava ser feito.

Nós temos o que chamamos de trajetória de dependência das políticas institucionais, algo que é muito difícil de quebrar, que é muito difícil de romper. Então somente uma reforma, digamos,  da maneira como aconteceu com o Novo Marco Legal, para ser capaz de gerar algo novo. Por outro lado, sabemos que o principal interesse do mercado, do poder privado, é o lucro. E tudo que for preciso ser feito para que o contrato seja economicamente rentável, é priorizado. Nesse caso, quando priorizam o retorno dos investimentos, em detrimento do funcionamento adequado dos sistemas de saneamento. Essa é a lógica do capital  e dos investidores.  

Então como fazer prevalecer o equilíbrio entre os interesses do capital e a efetividade da prestação do serviço público? Com qualidade e adequado às demandas e necessidades da sociedade? 

Eu vejo que esse equilíbrio deveria acontecer mediante a positivação dos instrumentos legais que garantem os direitos à prestação de serviços à população. Isso é o que a ONU propôs aos seus países-membros e que a Frente de Direitos Humanos defendia no Congresso Nacional. 

Vejamos bem, nós não estamos querendo que a reforma não aconteça, nem acusando que a desestatização é algo ruim, nós queremos a garantia do direito do cidadão a ter água, um serviço público de qualidade, sendo garantido  — no mínimo  — a partir da positivação do direito. 

Sabemos que ocorrem problemas de efetividade e nem na Constituição há garantias do saneamento básico da água como direito do cidadão, e era isso que a frente complementar à reforma defendia: o equilíbrio entre o interesse do capital privado e do acesso da totalidade da população a esses serviços, ocorrendo a partir da positivação do direito. 

No entanto, a empresa pública foi desmontada e repartida para o interesse privado e, aquela parte que não dá lucro, permaneceu com o Estado. São, justamente, as áreas rurais, ribeirinhas, quilombolas e indígenas, não lucrativas.

Quem trabalha com esse tipo de reforma conhece esses problemas, porque é algo muito debatido na ONU e em outros países. Na Argentina, na Bolívia, em países africanos, a população mais vulnerável clamava para ter acesso a água e o processo foi desastroso.  Em algumas experiências, a justiça precisou estabelecer uma quantidade de litros diária, mínima, a ser fornecida por família e cidadãos.

Então como é que o Brasil não considerou isso? Ou, por que não considerou, sendo esse direito tão importante?

Acredito que se nós não consideramos isso nessa reforma, maximizamos as vantagens para o mercado. E aí eu vejo prejuízos ao cidadão, pois seus direitos não estão garantidos. Usaram um discurso de que a concessão regionalizada resolveria a situação, mas isso nos fez perguntar: resolveria pra quem?  Talvez o interesse privado, mas não a necessidade fatídica da maioria da população.

IDEF: Então, nós talvez pudéssemos dizer que o problema tanto começa quanto termina na questão da dificuldade de acesso das pessoas à água potável. E isso é um problema que não começa com a privatização, mas que a privatização poderia ter sido uma maneira melhor de enfrentá-lo, o que não se confirmou pelo estudo de caso.

JENNEFER: Na verdade, aproveitaria quase toda a sua resposta porque, assim, você pegou o território do Estado do Amapá, separou os municípios e a população conforme a lucratividade da concessão em determinadas áreas. Então, você pegou a capital, os centros urbanos e desestatizou, passando-os para o poder privado. Quem vai ter acesso à água e aos serviços de saneamento básico? Quem pode pagar. E quem não pode? Quem não pode pagar e não estiver dentro dos subsídios que o próprio governo oferece? No Amapá, mesmo residindo nas áreas urbanas, podem não dispor de recursos econômicos para pagamento pelos serviços fornecidos pelo poder privado. Então, o poder público pode cobrir com subsídios o cidadão e a empresa. Então, você tem quem pode pagar, ou está subsidiado, fazendo parte dessa política social.

Para mim, acredito que o que foi inadequado foi a separação da população amapaense, conforme os interesses do poder privado. Separaram os quilombolas, ribeirinhos, indígenas, assentamentos rurais. Pegaram toda a área rural que não é rentável para o capital e decidiram que isso continuaria com o poder público

Achei também que foi uma solução razoável, pois é papel do poder público lidar com esses problemas socioeconômicos. Tudo bem. Mas até que ponto podemos dizer que essa foi uma solução que não poderia ter sido melhorada? Então, aí você vê realmente como funciona o interesse do capital em relação à responsabilidade do Estado. E a organização da nossa sociedade ao longo da história brasileira será que não foi sempre assim, não é?

IDEF: E talvez nesse caso, tentando fracionar o problema, ele se tornou ainda maior porque trouxe novos impactos para dinâmica das comunidades. Quando você já tem uma separação entre a sociedade urbana e a sociedade que vive mais à margem.

JENNEFER: No caso do Amapá, as sociedades rurais já não estavam assistidas. A situação já era precária porque eles já não tinham os serviços. Os poucos que têm, por exemplo, as áreas indígenas, são atendidas por políticas indigenistas, as áreas de assentamento rural que são atendidas por outras instituições públicas, como a FUNAI e o INCRA, que não são companhias de saneamento básico, mas atendiam as demandas dessas áreas. Mas é o tipo de solução que é aplicada em diversos países do mundo, principalmente com o advento do neoliberalismo no Brasil. E no Estado do Amapá não foi diferente, repito, apesar das diversas experiências fracassadas em outros países.

IDEF: Um melhor ajuste ou uma melhor abordagem nesse processo de transferência da política poderia ter amenizado essa situação ou, pelo menos, diminuído as consequências. Ao adotar uma política baseada em experiências de outros países, deveríamos ter aprendido algo com essas experiências antes de aplicá-la em nosso território. Talvez, assim, essa política pudesse ter se tornado uma experiência melhor, correto?

JENNEFER: Com certeza! As políticas públicas nem sempre precisam ser inéditas; elas podem ser melhoradas e aprimoradas. E se outros países já aplicaram reformas e têm dados e resultados sobre os efeitos dessas reformas, melhor ainda para o Brasil ter uma base de dados desse tipo, certo? O que observo é que não deveriam ter prevalecido apenas os interesses do capital. É uma reforma que tem uma configuração compreensível e que já foi experimentada em outros países. Mas, como você disse, se tivéssemos estudado melhor e feito um planejamento mais eficiente junto ao poder público, dos políticos e burocratas, com um estudo de viabilidade mais detalhado, a implantação e execução contratual não estaria enfrentando os entraves atuais e já poderiam está entregando os resultados prometidos.

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