A rede ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade consiste em uma entidade global que reúne governos locais e regionais de todo o mundo e que tem como finalidade a promoção do desenvolvimento urbano sustentável. Para tanto é oferecido acesso a conhecimento, parcerias e capacitações para gerar mudanças sistêmicas em prol da sustentabilidade urbana.
Na América do Sul, a rede ICLEI conta com mais de 75 cidades e governos estaduais associados, distribuídos em 8 países da região. Diversos projetos são desenvolvidos e ofertados a esses governos, voltados para temas como o desenvolvimento econômico e urbano sustentável.
Na América do Sul, a rede ICLEI conta com mais de 75 cidades e governos estaduais associados, distribuídos em 8 países da região. Diversos projetos são desenvolvidos e ofertados a esses governos, voltados para temas como o desenvolvimento econômico e urbano sustentável, a adaptação às mudanças climáticas, a promoção da segurança alimentar e a construção de sistemas alimentares urbano-regionais sustentáveis, a implementação de políticas e projetos voltados para a eficiência energética e o uso de fontes renováveis de energia, a gestão de Áreas Protegidas Locais, a integração da natureza e da biodiversidade local no planejamento territorial urbano, entre outros.
Tendo em vista a abrangência da rede ICLEI e suas diversas ações voltadas para a sustentabilidade urbana, é que consideramos a participação da rede de grande relevância para refletir sobre a temática da Energia e Meio Ambiente. Diante disso, o IDEF realizou uma entrevista com o Secretário Executivo do ICLEI América do Sul, o Sr. Rodrigo Perpétuo.
IDeF – Quais têm sido os projetos mais exitosos da rede ICLEI na América do Sul e que impactos têm gerado para as localidades e regiões?
Rodrigo – Hoje nós temos um grande portfólio de projetos na região, dentre os quais, posso citar 3 exemplos de projetos bem sucedidos. O primeiro é o projeto URBAN LEGS, financiado pela União Europeia e que tem como parceiro implementador a ONU Habitat. É um projeto global, implementado em 8 países e que contempla 80 cidades no mundo todo. O ICLEI tem implementado ele em 8 cidades do Brasil e outras 7 na Colômbia. O objetivo é fomentar o desenvolvimento local de baixo carbono por meio de uma orientação e de apoio técnico aos municípios, para que eles tenham a sua política de clima bem estruturada e integrada aos instrumentos de planejamento urbano. Adicionalmente, o projeto traz um componente de articulação entre os níveis de governo, visando a inclusão das prefeituras nas políticas nacionais do clima. Até o momento, o seu principal impacto é o surgimento de um compromisso e de uma consciência diferenciada dos municípios frente a agenda global do clima e aos projetos que o ICLEI consegue apoiar — no sentido de reduzir as emissões de carbono.
Nesse momento, nós estamos começando um trabalho em Belo Horizonte e Recife. Em Belo Horizonte estamos apoiando a instalação de equipamentos fotovoltaicos em todas as escolas municipais, através de um projeto chamado “Escolas Solares” que vai ter consequências positivas tanto para a comunidade escolar como na redução de emissões e na geração de emprego e renda (já que a instalação e a manutenção será feita com mão de obra local). Em Recife, o projeto tem foco na rede hospitalar e também na eficiência energética. O piloto será feito no hospital da mulher, servindo de base para depois escalar esse movimento em todas as unidades de saúde do município.
Posso citar ainda um outro projeto que vai na linha da biodiversidade, o Interact BIO. Financiado pelo governo alemão, ele nos permitiu selecionar três regiões metropolitanas brasileiras (Belo Horizonte, Londrina e Campinas) para fazer um diagnóstico de seus ativos ambientais e onde eles estão precisando de ações de regeneração e recuperação. A partir disso, será possível estabelecer conexões entre os ativos ambientais e os corredores ecológicos ou agroecológicos nesses territórios, fazendo com que os governos desenvolvam políticas de preservação da sua natureza e também tenham acesso a instrumentos econômicos. Tudo isso, de modo a proporcionar uma percepção da natureza como um ativo econômico relevante para o seu território. Resultando em um novo olhar para os chamados serviços ecossistêmicos como a provisão de água e alimentos, a regulação térmica do território, a paisagem, o conforto visual e a qualidade de vida a partir da vivência com a natureza.
IDeF – Quais têm sido os projetos mais exitosos da rede ICLEI na América do Sul e que impactos têm gerado para as localidades e regiões?
Rodrigo – O nível de conscientização ainda está muito aquém do desejável, uma vez que a agenda do clima ainda é percebida como algo muito distante da realidade do território local. A nossa estratégia de comunicação busca sensibilizar as autoridades locais e os cidadãos para os impactos ambientais causados pelas alterações climáticas. Os riscos e a vulnerabilidade climática que as cidades brasileiras têm experimentado está relacionado com as ondas de calor, o desconforto térmico e as inundações. Atualmente, há cada ano cerca de 1500 ou 2000 municípios brasileiros declaram estado de calamidade ou emergência em função das inundações, da escassez hídrica ou do risco de desabastecimento de água. Alguns municípios como Recife ou Santos, no médio prazo, vivenciam riscos em relação a inundação causada pelo aumento do nível do mar.
O nível de conscientização ainda está muito aquém do desejável, uma vez que a agenda do clima ainda é percebida como algo muito distante da realidade do território local. A nossa estratégia de comunicação busca sensibilizar as autoridades locais e os cidadãos para os impactos ambientais causados pelas alterações climáticas
Portanto, o nosso trabalho de conscientização e sensibilização é muito objetivo e pragmático. Essa agenda do clima é em si mesma uma agenda urbana e a nossa tarefa é a de sensibilizar e oferecer os meios e ferramentas para que as prefeituras possam enfrentar esses tipos de desafios entendendo-os como uma parte inerente da dinâmica urbana e do processo de intervenção no território.
O diálogo é permanente com os prefeitos e governadores. O ICLEI tem frequentado as reuniões da Frente Nacional de Prefeitos, os Fóruns Regionais de Governadores que se estabeleceram recentemente e tem estabelecido um contato próximo com as equipes técnicas de modo a proporcionar o nosso crescimento aqui na região. Nós dobramos o tamanho da rede, que era pequena em relação à dimensão brasileira, e em dois anos o número de associados saltou de 40 para 75. Acreditamos que há espaço para duplicar o tamanho da rede nos próximos dois anos. Além disso, temos um olhar especialmente voltado para a juventude. Essa agenda do clima é uma agenda de longo prazo, portanto, é necessário que a juventude tenha consciência do que está acontecendo com o mundo e também do seu papel de protagonismo. Nós temos frequentado as escolas e as universidades e trabalhado muito com o empoderamento juvenil e infantil diante dessa agenda.
IDeF – A rede ICLEI é uma das entidades promovedoras do Pacto Global de Prefeitos pelo Clima e a Energia. Vocês poderiam contar um pouco mais sobre a origem do pacto e seus objetivos? As cidades brasileiras têm se interessado e aderido ao pacto? Que benefícios ele pode trazer para as cidades brasileiras?
O ICLEI completará 30 anos em 2020 e foi criado em 1990 no contexto da ECO 92, quando a ONU começou a abrir suas discussões para os chamados grupos de interesse. Portanto, o ICLEI se constitui como um grupo de interesse de representação dos prefeitos e governos locais frente à agenda ambiental daquele momento e se estabelece como um ponto focal de interlocução, tanto para a convenção da diversidade biológica como para a convenção do acordo relacionado à mudança do clima (INSCC).
(…) o Pacto Global dos Prefeitos pelo Clima e Energia surgiu como uma grande coalizão global, fruto de uma parceria entre a fundação Bunder e a União Europeia que congrega hoje 9 mil prefeitos mundialmente, dos quais aproximadamente 100 signatários são brasileiros.
As primeiras campanhas foram lideradas pelo ICLEI mas depois, com o surgimento de outras redes, a dinâmica de trabalho no plano global passou a acontecer por meio de coalizões. Diante disso, o Pacto Global dos Prefeitos pelo Clima e Energia surgiu como uma grande coalizão global, fruto de uma parceria entre a fundação Bunder e a União Europeia que congrega hoje 9 mil prefeitos mundialmente, dos quais aproximadamente 100 signatários são brasileiros. O grande desafio é garantir que os prefeitos possam de fato implementar os compromissos preconizados no pacto. Apesar de voluntários, esses compromissos impõem aos prefeitos a necessidade de fazer o inventário da produção de gases do efeito estufa em seu território, de ter um plano de ação climática e energética ligado aos instrumentos de planejamento urbano.
O ICLEI, para tentar otimizar a implementação desse pacto aqui no Brasil, lidera o Comitê Consultivo que conta também com a Frente Nacional de Prefeitos, a Associação Brasileira de Municípios e a Confederação Nacional de Municípios. O processo de implementação tem se dado através dessa parceria com as entidades brasileiras. Há, de fato, uma simpatia e adesão mas na prática as prefeituras ainda precisam de um parceiro que pegue na mão e ajude de fato na constituição desses instrumentos e da governança de ação climática no seu território, o que o ICLEI tem feito junto com outros parceiros, como a ONU HABITAT, o C40 e a União Europeia.
O grande benefício é que o signatário do pacto acaba fazendo parte de uma comunidade de prefeitos que estão implementando políticas climáticas. Então há oportunidades de cooperação nacional, de acesso a projetos (como o próprio Urban Leds). Há uma rede, portanto, que troca conhecimento e permite que essas cidades alcancem um estágio diferenciado daquelas que não aderem ao compromisso.
IDeF – A partir da experiência da rede ICLEI, quais têm sido os maiores desafios na promoção e defesa de uma agenda urbana baseada na sustentabilidade energética e ambiental?
Rodrigo – Os desafios estão basicamente relacionados ao déficit de capacidade de planejamento urbano do Brasil e região. Quando se tem essa capacidade, há ainda um distanciamento muito grande dos responsáveis por essa área das pactuações globais pela sustentabilidade (como o próprio acordo de Paris, os ODS e a Nova Agenda Urbana).
Então, o ICLEI tem suprido essa carência de informação e conhecimento realizando uma série de workshops e publicando guias e ferramentas que possam orientar os municípios, para sensibilizar permanentemente o conjunto das autoridades locais. Além disso, vem dialogando com os governos centrais para que incluam as autoridades locais em suas políticas de clima e de sustentabilidade e facilitando a desburocratização de recursos para que os municípios preparem melhor os seus projetos, de acordo com os critérios de clima e sustentabilidade.
(…) o ICLEI tem suprido essa carência de informação e conhecimento realizando uma série de workshops e publicando guias e ferramentas que possam orientar os municípios, para sensibilizar permanentemente o conjunto das autoridades locais
Essa tarefa não é fácil, por isso estamos sempre fazendo alianças com outras organizações, ampliando nosso quadro técnico e preparando cada vez mais a organização para cumprir com excelência essa ação em uma escala maior do que a gente apresenta hoje, para de fato trazer a transformação positiva e sustentável aos territórios.
IDeF – Por fim, como se encontra a condição ambiental e energética das cidades, estados e regiões da América do Sul? Há muitas discrepâncias? Quais localidades se destacam no âmbito da sustentabilidade urbana?
Rodrigo – Há muita discrepância. Infelizmente ainda pode ser observada por parte das autoridades locais e da sociedade uma percepção da natureza como um estorvo. Diante disso, a natureza é percebida no meio urbano através de problemas como quando cai uma árvore, faz muito calor, há risco de desabastecimento hídrico, o preço dos alimentos sobe, ocorre uma inundação ou há perdas materiais. Nesses momentos as autoridades e a sociedade lembram da natureza. Nosso esforço é exatamente inverter essa percepção, para que a natureza seja percebida como um fator de orientação para o desenvolvimento urbano, de desenvolvimento local inerente e que deve de fato ser a grande referência para os instrumentos de planejamento urbano. Algumas cidades têm avançado mais do que outras.
Nosso esforço é exatamente inverter essa percepção, para que a natureza seja percebida como um fator de orientação para o desenvolvimento urbano, de desenvolvimento local inerente e que deve de fato ser a grande referência para os instrumentos de planejamento urbano
Posso citar o caso de Campinas, uma cidade que tem liderado a sua Região Metropolitana (composta por 20 municípios) em um trabalho de gestão de sua natureza, dos recursos hídricos, dos corredores ecológicos e da sua política de clima. Há, ainda, o caso da cidade de Recife, que a partir de um plano de ação climática muito bem desenhado com análise de riscos conseguiu acessar recursos no sistema internacional de crédito que estão financiando as intervenções urbanas.
Há também Medellín, na Colômbia, que efetuou um trabalho importante de qualidade do ar em uma pactuação também chamada de Escola de Ecologia Urbana, que envolve uma aliança do poder público com as universidades para a produção de conhecimento e para a melhoria permanente das políticas públicas relacionadas à biodiversidade naquele contexto territorial. Então há esperança. Temos caminhos apontados e experiências muito ricas. O desafio é dar visibilidade e escala, trazendo outras cidades para esse mesmo processo de implementação de políticas urbanas.
(…) há esperança. Temos caminhos apontados e experiências muito ricas. O desafio é dar visibilidade e escala, trazendo outras cidades para esse mesmo processo de implementação de políticas urbanas.