Andrea Porto fala sobre a participação da sociedade civil pessoense e dos gestores públicos na Mobilidade Urbana de João Pesssoa (PB)

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Andrea Porto é Geógrafa e Professora adjunta I da Universidade Federal da Paraíba. Possui formação como pesquisadora (2007/2014) e teve como foco a dimensão teórica, conceitual e metodológica da questão urbana. A América do Sul foi seu recorte espacial de análise. Recentemente, a pesquisa e atuação de Andrea na extensão busca compreender os impactos dos ODS, especialmente do objetivo 11,  no planejamento e gestão urbanos de cidades brasileiras. 

Você poderia nos contar um pouco sobre a sua trajetória com o tema da Mobilidade Urbana e como se envolveu com o Programa Iniciativa Cidades Emergentes e Sustentáveis (ICES) do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)?​

Andrea: O tema Mobilidade Urbana é relativamente novo para mim como tema de pesquisa (per si), tanto que resolvi iniciar a investigação com um projeto de extensão para me aproximar da realidade. Ou seja, dos agentes envolvidos e processos espaciais configurados. A extensão permite vivenciar esse debate em distintas dimensões da realidade urbana, que estão interconectada e se retroalimentam o tempo inteiro. Na dimensão do espaço urbano concebido temos as representações do espaço descritas e definidas pelos planejadores do urbano – geógrafos, arquitetos, engenheiros – na qual a perspectiva (ideal) de Mobilidade Urbana está posta.

Na dimensão do espaço urbano vivido essa representação ganha uso, valor simbólico, e significado na vida cotidiana. Mas ainda não é a dimensão na qual se têm entendimento sobre a realidade. Aqui, ela é simplesmente vivenciada. Ainda que a teoria e prática estejam postas, somente a dimensão do espaço urbano percebido possibilita a interação via a prática social.

Essa forma de perceber a realidade é oriunda das influências metodológicas que adquirir na minha formação como pesquisadora, que esteve sempre orbitando em torno do temário do urbano. O interesse na pauta da mobilidade urbana como um dos temas desse temário veio tanto da articulação que esse tema tem com outros já estudados por mim, como uso e ocupação do solo, participação popular na gestão e planejamento urbanos, etc., como da minha atuação com ativista na cidade de João Pessoa. Que aliás, foi como soube do Programa ICES/BID.

Como você avalia a Mobilidade Urbana no Município de João Pessoa nos últimos anos? Houve melhorias relevantes? Quais são os principais entraves para uma mobilidade sustentável?

Andrea: Infelizmente, a produção do espaço urbano em João Pessoa “sofre” do mesmo mal que a maioria esmagadora das cidades brasileiras: o espraiamento da área urbana sem respeito às áreas de vulnerabilidade ambiental e social.

As cidades existem e tem existido na história porque os homens têm encontrado meios mais vantajosos e eficientes para gerir suas relações sociais, econômicas e de poder de forma espacialmente concentrada. No curso da história, as relações de produção e de reprodução social, que sustentam o capitalismo, situaram na estrutura urbana de maneira diferenciada, no tempo e nos territórios, sob condições técnicas e políticas específicas, formas de obter lucro através de vantagens proporcionada pela concentração das pessoas e das coisas. Assim, a vantagem locacional da estrutura urbana colocou em segundo plano, ou ignorou, ironicamente, nos planos e planejamentos urbanos, as necessidades antropológicas socialmente elaboradas na cidade; para se viver na cidade. A necessidade do encontro, da organização do trabalho, do jogo, de comunicação, etc. foram forjadas pelo urbanismo tecnocrático e dos promotores de venda, e materializadas em equipamentos coletivos e comerciais, que dispersou e fragmentou a cidade gerou segregação espacial e criou novos problemas urbanos, como os ambientais e o de mobilidade.

 Temos um transporte público de baixa eficiência, com mobiliário de suporte de baixíssima qualidade e um sucateamento das ciclovias existentes.

Em João Pessoa, temos identificado retrocessos nos últimos sete anos com relação à mobilidade urbana para pessoas e ciclistas. Ou seja, temos um transporte público de baixa eficiência, com mobiliário de suporte de baixíssima qualidade e um sucateamento das ciclovias existentes. Algumas obras pontuais foram realizadas para resolver gargalos, minimizar colapsos relativos ao aumento da frota de veículos motorizados individuais, mas não para garantir uma qualidade de vida à população.

​Não há nenhuma (ou desconheço) iniciativa nesta área que se articule com a sustentabilidade urbana; pelo contrário. O Plano João Pessoa Sustentável é uma falácia. As ações em curso não contemplam critérios mínimos da sustentabilidade urbana. Nenhum! Isso é grave. O Plano Diretor de Mobilidade Urbana que está sendo elaborado não tem transparência, a metodologia de participação esboçada foi forjada, as ações desenhadas anunciadas pela SEMOB em jornais locais (uma vez que no site oficial, nada consta) só contemplam a solução de problemas pontuais e o agravamento de problemas ambientais. Não há nenhuma discussão sobre a troca da matriz energética da frota, etc..

Os gestores públicos locais têm modificado suas percepções acerca dos problemas que envolvem a mobilidade na cidade? A sociedade civil pessoense consegue atuar e buscar seus interesses?

Andrea: Não, definitivamente não. Eles nem comparecem às audiências públicas na Câmara Municipal de João Pessoa para dar satisfação à sociedade do que estão fazendo, ou pelo menos para ouví-los. Ou quando aparecem, enviam técnicos que não são capazes de responder às questões levantadas. A sociedade civil tem se articulado do jeito que pode, mas a cultura política na cidade é de não participação. Há muita gente na rede debatendo e dando likes nas nossas pautas, mas pouca gente nos espaços decisórios para levantar a mão.

A sociedade civil tem se articulado do jeito que pode, mas a cultura política na cidade é de não participação. 

Somos poucos e ainda temos que lidar com as manobras do poder público para esvaziar ainda mais esses espaços. Contudo, há um grupo bem interessante de diferentes frentes na pauta da Mobilidade Urbana que tem atuado, inclusive, na escala nacional via a rede MOBCidades, que é um projeto do INESC que tem o objetivo de promover incidência política nas cidades que possuem representação.

Em relação à participação estrangeira em projetos locais de infraestrutura e mobilidade, quais são os pontos positivos e os negativos?

Andrea: É preciso ter bastante cuidado nesta leitura polarizada de positivo e negativo. Há diversas formas de participação estrangeira no planejamento urbano das cidades no Brasil. Em todas elas, ainda que a narrativa contemple anseios da sociedade global-local, o que temos percebido é que os princípios e diretrizes que desenham a participação são contraditórios na sua dimensão política, isto é, na conjuntura e grupos de interesse que na maioria dos casos se convertem em uma aliança na qual os interesses da maioria não são considerados. Ou seja, têm contribuído para o aumento da desigualdade social e a injustiça espacial. Vejamos o caso ICES BID em João Pessoa, o programa é muito bem-intencionado e esperançoso na sua concepção (teoria-metodologia), porém o modo como foi elaborado o plano para João Pessoa e vem sendo executado é obscuro e incoerente como a ideia-força central da iniciativa

​A participação estrangeira visa o lucro, mesmo que via compensação histórica. Todavia, o investimento/financiamento em si não é o problema, mas o modo como localmente os projetos são implementados. Isso sim, é o problema. Não adianta conceber uma rede de monitoramento cidadão, na qual a decisão da sociedade civil não tem peso frente aos grupos de empresários. É repetir o mesmo, só que de outro jeito. Enquanto a coletividade não definir as metas, não tiver a última palavra na execução de obras importantes, qualquer iniciativa estrangeira é ainda mais nociva.

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