“Ações de paradiplomacia na pandemia: como cidades podem se mobilizar?” por Jiun Bang

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Texto original por Jiu Bang (Pesquisadora da University of Southern California)

Durante o surto do coronavírus, as cidades tem estado no centro das notícias. Desde a angustiante batalha que tem acontecido em Nova Iorque contra o COVID-19 até a errônea estimativa feita pelo presidente Trump de que Seoul teria 38 milhões de habitantes (na verdade, são apenas 10 milhões). Ouvi o doutor Robert T. Yanagisawa, professor de medicina na Escola de Medicina Icahn no Monte Sinai e co-diretor do Programa Mundial de Saúde do Monte Sinai no Japão, falar sobre o vínculo entre a cidade de Nova Iorque e Tohoku (Japão) baseado no “Programa de Troca de Sobreviventes 11/9 para 11/3”, que faz referência aos ataques do 11 de setembro de 2001 e o desastre nuclear de Fukushima em 11 de março de 2011. De acordo com o doutor Yanagisawa, existem planos dos estudantes médicos japoneses para enviar máscaras médicas N95 para o Hospital Monte Sinai em Nova Iorque.​

Organização de caridade de Pittsburgh chamada “Brother’s Brother” enviando máscaras para sua cidade-irmã Wuhan em fevereiro – o banner diz: “Seja forte, Wuhan”

Tudo isso me fez pensar sobre o conceito de paradiplomacia: diplomacia entre unidades políticas sub-nacionais, inclusive cidades. Como grande fã de paradiplomacia e um dos que frequentemente lamenta a falta de apreciação tanto da prática quanto do discurso da diplomacia pelo mainstream das Relações Internacionais, eu gostaria de introduzir a paradiplomacia – especialmente entre cidades – e seu potencial na presente pandemia do Covid-19.

O que é Paradiplomacia?

Para ser claro, a nomenclatura de “paradiplomacia” não é livre de contradições. Um dos primeiros acadêmicos a identificar e categorizar a prática da diplomacia entre governos não-centrais foi Ivo Duchacek, que percebeu o Estado como um ator multi-vocal e as suas marcas como efeitos duradouros.  (Devo mencionar que Duchacek também usou o termo “microdiplomacia”, que logo se tornou paradiplomacia. Veja Kuznetsov para mais detalhes.)

Desde então, acadêmicos como Brian Hocking preferiram o termo “diplomacia multi-nível” para enfatizar a rede de relacões além dos processos compartimentalizados (e possíveis conflitos) que são transpostos para a imagem de paradiplomacia paralela, a forma longa do termo “paradiplomacia”. Existem também termos específicos para os atores, como “diplomacia de cidades”, que, de acordo com Rogier van der Pluijm e Jan Melissen, é “uma forma de descentralização do gerenciamento das relações internacionais, selecionando as cidades como os atores-chave.”

Enquanto minha preferência pelo termo paradiplomacia no título foi fortemente ditada pela aliteração com a palavra “pandemia”, eu optei por utilizar o amparo do termo paradiplomacia para prevenir uma redução de significado que possa vir com o rótulo de cidades, especialmente por haver cidades que têm população maior que países inteiros. (Uma impressionante organização na qual Nova Iorque, Seoul e Pequim fazem parte é a C40, uma rede de megacidades comprometidas agir em relação à mudança climática.)

Cidades-irmãs (irmanamentos)

Um elemento institucional que penso que adotou o papel de facilitar uma maior paradiplomacia entre as cidades é o programa de “cidades-irmãs”. Já que eu prefiro ser meticuloso a preguiçoso com a nomenclatura, devo esclarecer que “cidades-irmãs” é apenas um termo que ganhou força entre vários outros (cidades-gêmeas, por exemplo). No contexto não-anglófono como no Nordeste da Ásia – que é a minha área de interesse – cidades-irmãs parece ser a escolha mais comum (‘jamae doshi’ em coreano e ‘shimai toshi’ em japonês), portanto me deterei a utilizar esse termo de agora em diante.

Dentre várias particularidades da SCI, existe o que é conhecido como um “mercado de conexão de cidades” que serve como um tipo de ambiente de pareamento de cidades que procuram estabelecer relações com outras cidades.

No caso dos Estados Unidos, a história das cidades-irmãs pode ser traçada de volta para o programa Sister Cities International (SCI), que foi criado na conferência da Casa Branca sobre diplomacia cidadã do presidente Dwight Eisenhower em 1956. De acordo com o site da SCI, existem 1800 parcerias com 138 países (incidentalmente, a Califórnia apresenta a maior quantidade com 356 parcerias). Dentre várias particularidades da SCI, existe o que é conhecido como um “mercado de conexão de cidades” que serve como um tipo de ambiente de pareamento de cidades que procuram estabelecer relações com outras cidades. (Talvez um dia, um estudante usará as ideias de Mercer sobre “se sentir como um Estado”, mas no nível das cidades). 

Além disso, uma organização que antecede a SCI em um ano é o Comitê de Cidades-irmãs Saint Paul-Nagasaki (SPNSCC), a primeira parceria estadunidense com uma cidade asiática. Um dos primeiros programas pelo SPNSCC foi enviar suprimentos médicos para Nagasaki, que ainda estava se recuperando do bombeamento atômico de 1945. E isso nos remete para a presente pandemia do COVID-19 e o valor instrumental das cidades-irmãs (e da paradiplomacia no geral).

Essencialmente, as cidades-irmãs devem estar acima da política. Durante todo o antagonismo ao longo da Guerra Fria, havia interesse considerável no nível das cidades de promover relações de cidades-irmãs entre os dois países: houve confusão no início de março depois que o New York Times noticiou os esforços do esperançoso candidato a presidente Bernie Sanders, durante seu tempo como prefeito em Burlington (Vermont), para estabelecer um acordo de cidades-irmãs com Yaroslavl na União Soviética em 1988. (O Washington Post também publicou um artigo esclarecendo a natureza comum da prática de cidades-irmãs durante esses tempos.)

Essencialmente, as cidades-irmãs devem estar acima da política. Durante todo o antagonismo ao longo da Guerra Fria, havia interesse considerável no nível das cidades de promover relações de cidades-irmãs entre os dois países.

É claro que assim como esse debate desafiou o ideal apolítico das relações de cidades-irmãs, a política do Estado ainda tem um jeito de se infiltrar. Um exemplo contemporâneo que vem à mente é quando Osaka abandonou San Francisco após a hospedagem de uma estátua sobre “mulheres de conforto” após 60 anos de relação de cidades-irmãs (há um bom artigo sobre isso aqui). (“Mulheres de conforto” se refere às vítimas de escravidão sexual pelos soldados japoneses durante a Segunda Guerra Mundial). Ainda assim, é difícil imaginar que após anos de boa-fé e amizade, uma relação inteira pode ser desfeita por apenas uma decisão; desde então, houve atividades entre as duas cidades propagadas como Associação de Cidade-irmã San Francisco-Osaka. Como cientistas políticos, muitos de nós acreditam na ideia de “aderência institucional”, e eu vejo a mesma coisa funcionando aqui – é muito mais difícil desmantelar a infraestrutura humana que operacionaliza o conceito de cidades-irmãs do que anulá-lo.

Como as cidades-irmãs podem se mobilizar durante a pandemia COVID-19?

Com isso em mente, eu quero pensar que existem muitas promessas para o que as cidades podem fazer em termos de paradiplomacia durante essa pandemia, especialmente porque os vínculos institucionais já estão feitos. A Coréia do Sul, que se tornou um “modelo” pela sua resposta ao COVID-19 tem trabalhado em instâncias de paradiplomacia: Donghae-Si na província de Gangwon recebeu desinfetantes para as mãos da cidade-irmã de Tumen (na província oriental de Jilin, na China), e Busan, no sul da península coreana, recebeu máscaras faciais de Shanghai, também sua cidade-irmã. Enquanto alguns descreveram os esforços da China para enviar máscaras internacionalmente como uma “diplomacia de máscara facial”, as instâncias de cooperação sino-coreanas são claramente parte de paradiplomacia. Em meio à crescente agressividade e racismo específicos de cada país, as cidades também têm a vantagem de criar menos reação pública – em parte devido à realidade de que as histórias locais raramente chegam às manchetes nacionais, mas também em parte devido a outra realidade infeliz com a qual as pessoas em geral tendem a estar mais familiarizadas com países do que cidades.

Em meio à crescente agressividade e racismo específicos de cada país, as cidades também têm a vantagem de criar menos reação pública.

Apenas alguns dias atrás, Fort Wayne em Indiana confirmou que recebeu um envio de máscaras da sua cidade-irmã Taizhou na província oriental de Zhejiang. Inversamente, a cidade americana de Pittsburgh enviou máscaras em fevereiro para a cidade-irmã de Wuhan; parafraseando um dos organizadores do envio, “ter uma cidade-irmã é como qualquer outra amizade próxima. Nós compartilhamos os triunfos e as tragédias uns dos outros.” Até mesmo anteriormente em janeiro, houve um esforço para arrecadar fundos na plataforma GoFoundMe pela comunidade chinesa em Pittsburgh para enviar suprimentos médicos para Wuhan. (A campanha conseguiu arrecadar um total de U$58,888.)

Enquanto escrevo isso, a cidade de Nova Iorque permanece como o epicentro do COVID-19 nos Estados Unidos, com mais de 5000 mortes confirmadas. Minha esperança é de que a paradiplomacia possa prover mais suprimentos e equipamentos médicos para Nova Iorque, que têm sido de grande necessidade.

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