Cooperação descentralizada na promoção de cuidados com a saúde: o caso de Flandres e Tete

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A região de Flandres, ao norte da Bélgica, tem exercido um papel ativo na promoção do desenvolvimento em nações africanas, através de sua cooperação descentralizada em escala intercontinental. A saúde pública tem sido o foco de seus projetos em território africano e, em especial, a província de Tete no Moçambique tem demonstrado o impacto bastante positivo na promoção da saúde sexual e dos direitos reprodutivos

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Flandres, norte da Bélgica. Foto: turistaprofissional.com

Preparando o cenário para a Cooperação Descentralizada em Flandres

Flandres é um dos governos locais mais ativos no que diz respeito a cooperação descentralizada. Desde 1993, a organização administrativa da Bélgica tem atribuído competências internacionais a suas regiões, incluindo o direito de concluir tratados com outros países ou regiões do globo. Além disso, a criação de vários departamentos ministeriais contribuiu muito para a assistência oficial ao desenvolvimento (ao longo da década entre 2006 e 2016).

Suas atividades de cooperação descentralizada consistem, em sua grande maioria, no suporte e assistência oficial ao desenvolvimento e, ao longo dos anos, a região tem se tornado um importante doador internacional. O suporte ao desenvolvimento a nível local tem sido uma prioridade da estratégia de cooperação flamenca e a região trabalha tanto com instituições nacionais como também com governos subnacionais. Seus princípios são pautados em fornecer ajuda eficaz e dão prioridade à coordenação de doações e ao ideal de governança em múltiplos níveis.

O suporte ao desenvolvimento a nível local tem sido uma prioridade da estratégia de cooperação flamenca

Flandres se envolve com vários países parceiros para dar suporte a seus projetos de desenvolvimento a nível local e regional. Suas primeiras parcerias firmadas foram com as províncias sul-africanas de Limpopo, KwaZulu-Natal e o Estado Livre, e consistiam em dar suporte às autoridades regionais ao longo do processo de transformação social após o regime do apartheid

Uma importante característica de Flandres é seu modelo de governança peculiar e articulado. Após uma reorganização na administração flamenca em 2004, o governo estabeleceu a Agência de Cooperação Internacional de Flandres (FICA, na sigla original) como braço executivo da administração regional para cooperações em prol do desenvolvimento. Os princípios fundamentais da agência são a efetividade, relevância, coerência, gerenciamento de riscos e accountability. Mais recentemente, o Governo de Flandres estabeleceu o Ministério das Relações Exteriores, que incorporou a FICA

Os atores da cooperação descentralizada em prol do desenvolvimento em Flandres estão situados em vários níveis de governo. A nível regional, cinco províncias flamencas estão diretamente envolvidas com a cooperação descentralizada: Flandres Ocidental, Flandres Oriental, Antuérpia, Brabante Flamengo e Limburgo. Ao todo, 308 cidades e municípios participam de alguma cooperação internacional. De 2006 a 2016, Flandres proveu 17 milhões de Euros para dar suporte a 100 atores subnacionais. Além disso, tem apoiado a Associação de Cidades e Municípios Flamencos (VVSG, no idioma original) que promove informação, aconselhamento e preparação para os municípios.

A Associação de Cidades e Municípios Flamencos (VVSG) instituiu a “semana de planejamento”, que serve como um mecanismo para estabelecer as prioridades de doação e parceiros e definir parcerias com os 30 países prioritários que recebem suporte de seu governo. O evento é organizado uma vez por ano e envolve boa parte dos representantes de Flandres e dos países parceiros.

O orçamento em prol da cooperação para o desenvolvimento tem crescido em Flandres

O orçamento em prol da cooperação para o desenvolvimento tem crescido em Flandres. O seu valor quintuplicou no período entre 1995 e 2005. Esse orçamento cobre ações de conscientização e educação acerca do desenvolvimento, O orçamento em prol da cooperação para o desenvolvimento tem crescido em Flandres. O seu valor quintuplicou no período entre 1995 e 2005. Esse orçamento cobre ações de conscientização e educação acerca do desenvolvimento,

A área da saúde engloba 29.7% do total de projetos, sendo portanto, a principal

Flandres tem dado suporte à cooperação descentralizada de suas cidades e municípios de maneira ativa desde 2001. Depois de uma fase inicial, a colaboração do governo regional com os diferentes municípios e cidades assumiu a forma de convênios. Em 2004, o Programa de Convênios foi criado com objetivos específicos para o desenvolvimento e implementação de ações de cooperação descentralizada dentre seus membros. A Associação de Cidades e Municípios Flamencos, que engloba o Programa de Convênios em sua estrutura, recebeu apoio para dar assistência à implementação dos convênios.

De 2006 a 2016, 209 projetos de cooperação descentralizada foram aprovados pelo governo flamenco, totalizando um orçamento de 17 milhões de Euros. De 2006 a 2016, Flandres deu apoio a projetos divididos em quatro áreas prioritárias: saúde, educação, agricultura e desenvolvimento. A área da saúde engloba 29.7% do total de projetos, sendo portanto, a principal. Desde 2012, novas áreas surgiram e seguem ganhando importância como meio ambiente e energia.

A prioridade de áreas geográficas também é um dos princípios das corporações exercidas por Flandres. A África do Sul tem sido contemplada com 36% dos projetos de 2006 a 2016, seguida por Malawi e Moçambique. Nesse período, a África do Sul recebeu 47.5 milhões de Euros, o Malawi recebeu 56 milhões e, por sua vez, ao Moçambique foram destinados 58.6 milhões.

Saúde sexual e reprodutiva em Moçambique

O Governo de Flandres começou a dar suporte à Província de Tete em Moçambique em 2002. O primeiro plano estratégico do projeto focou na saúde e educação. O apoio ao setor da saúde incluiu o desenvolvimento de recursos humanos, uma rede integrada de saúde básica e suporte aos indivíduos portadores de HIV e integrantes de outros grupos de risco. 

A maior parte dos recursos financeiros que chegaram a Moçambique foram destinados aos serviços governamentais e demais atores multilaterais

Além do governo regional, outros atores envolvidos nessa atividade foram o Centro Internacional de Saúde Reprodutiva, da Universidade de Gante, a ONG Médicos Sem Fronteiras e o Instituto de Medicina Tropical. A maior parte dos recursos financeiros que chegaram a Moçambique foram destinados aos serviços governamentais e demais atores multilaterais.

Baseado no relatório oficial de 2015, os governos de Flandres e Moçambique concordaram em focar o próximo programa bilateral, que vai de 2016 até 2020, no fortalecimento do sistema de saúde existente. O projeto consiste, especificamente, no aumento do apoio financeiro ao fundo de saúde pública, ProSaúde, e demais projetos que já vem sendo apoiados através dessa parceria.

Em 2016, cerca de 80% desses recursos foram destinados à promoção da saúde e dos direitos reprodutivos.

Em termos financeiros, o suporte a Moçambique tem sido de aproximadamente 5 milhões de Euros por ano. Cortes no repasse de recursos ao país foram registrados em 2006, 2012 e 2016. Em 2016, cerca de 80% desses recursos foram destinados à promoção da saúde e dos direitos reprodutivos.

A colaboração com o nível provincial permanece como um dos princípios de Flandres. Sua abordagem em diferentes níveis e setores constituem dois pilares relevantes da estratégia de promover o acesso universal à saúde e aos direitos reprodutivos, incluindo uma educação sexual compreensiva. De uma maneira geral, Flandres também está apoiando dois parceiros internacionais nessa atividade: a UNAIDS e o Programa Especial das Nações Unidas de Pesquisa e Desenvolvimento em Reprodução Humana.

Enquanto autoridade regional com uma considerável gama de competências, Flandres tende naturalmente à descentralização como uma maneira de melhorar sua eficácia. Sua forma de estabelecer cooperações descentralizadas perpassa a colaboração tanto com o governo central como também com os entes subnacionais de países parceiros. No caso de Moçambique, por exemplo, isso resultou em uma parceria focada na Província Tete, promovendo conhecimentos técnicos e suporte financeiro aos projetos da província na área de saúde, mas sem excluir uma parceria com o Instituto Nacional de Saúde de Moçambique.

​​Ao longo de todo o período de parceria bilateral, Flandres vem optando por continuar a dar apoio aos governos de províncias. Flandres acredita que dessa maneira, os subsídios à saúde pública são mais efetivos dado o contexto frágil, diverso e complexo de Moçambique. Desta forma, seu projeto de cooperação descentralizada com a Província de Tete segue acontecendo, melhorando os índices locais da saúde pública, demonstrando excelentes resultados e impactando positivamente a saúde sexual e os direitos reprodutivos dessa comunidade.

Referências:

OECD (2018), Reshaping Decentralised Development Cooperation: The Key Role of Cities and Regions for the 2030 Agenda, OECD Publishing, Paris. Disponível em: <https://www.oecd-ilibrary.org/urban-rural-and-regional-development/reshaping-decentralised-development-co-operation_9789264302914-en>. Acesso em: 6 de agosto de 2019

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