O município de Picuí, na Paraíba, no Prêmio ODS Brasil 2018

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O IDeF entrevistou José Ranieri Santos Ferreira, Secretário de Agricultura da prefeitura de Picuí e idealizador do projeto “Fábrica de Solos” do município de Picuí/PB. O projeto foi finalista no Prêmio ODS Brasil 2018 e recebeu um diploma de menção honrosa na cerimônia de premiação em Brasília em dezembro de 2018. O projeto “Fábrica de Solos” é resultado de uma política inovadora adotada pela Prefeitura de Picuí/PB e está voltado para a produção de adubo a partir do lixo orgânico da cidade. Após a produção do adubo, ele é distribuído com o objetivo de ajudar os agricultores a lidarem com o problema da erosão e da falta de matéria orgânica no solo da região.

Como vocês tiveram contato com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável? Como surgiu a ideia do projeto “Fábrica de Solos”?

​José Ranieri: A ideia do projeto surgiu de uma vontade que nós trouxemos para o âmbito das políticas públicas. Nós éramos militantes e de organizações não-governamentais, principalmente, de uma organização de Picuí chamada CO que tem ação na nossa microrregião. Nós trabalhávamos com agriculturas familiares e vimos a necessidade de fortalecer as práticas agroecológicas baseadas na conservação do solo. Trabalhávamos muito no campo da água e víamos o potencial da matéria orgânica que eles desperdiçavam nas propriedades, observávamos também a problemática dos resíduos orgânicos da cidade que eram desperdiçados e causavam problemas.

Eu me elegi vereador em 2017 e apresentei isso como uma proposta de ação para a Secretaria de Agricultura ao prefeito. Eu sou profissional de agroecologia, propus a ele que nós criássemos uma parceria com o curso de Agroecologia que tem aqui em Picuí através o IFPB (Instituto Federal da Paraíba) com o NEA (Núcleo de Estudos Agroecológicos) para construirmos essa prática de tritura dos resíduos orgânicos produzidos na cidade e montarmos um centro de compostagem. Daí, o IFPB demonstrou total abertura para a parceria, foi celebrado um termo de cooperação técnica em que o NEA cedeu as máquinas que já estavam lá, mas que faltava a elas capacidade operacional. Então, iniciamos o trabalho. No início foi pesado porque não se acreditava na prática, a orientação política era a de que se faça algo imediatista e que seja o mais eleitoral possível, porém nós insistimos. Eu insisti pessoalmente na parceria, conseguimos um espaço físico do IFPB, montamos o centro de compostagem, os alunos se aproximaram e por cinco meses nós já havíamos produzido nada menos que 100 toneladas! Quando chegamos com esse produto para os agricultores foi um impacto muito importante na conservação do solo, da manutenção da umidade e na melhoria das condições das plantações da propriedade. Foi uma revolução, na verdade.

No início do ano passado surgiu o Prêmio ODS e nós ficamos sabendo através do site. Chegou um e-mail da Casa Civil para a Secretaria de Assistência Social do município para que a secretaria inscrevesse projetos que estivessem dentro dos 17 Objetivos. E estava lá a Fábrica de Solos, que nós já tínhamos dado esse nome para dar mais sentido ao trabalho já que o problema da desertificação da nossa região é grave e está relacionado diretamente com a ausência de matéria orgânica do solo, e há um processo de erosão absurdo. Então nós pensamos na ideia de não ser apenas um centro de compostagem, vamos ser “Fábrica de Solos”.

“Ficamos entre os (projetos) mais relevantes do Brasil e estamos hoje em um banco de projetos de boas práticas nos ODS”

​Nós nos inscrevemos e, graças a Deus, fomos selecionados, fomos a Brasília, ficamos entre os mais relevantes do Brasil e estamos hoje em um banco de projetos de boas práticas nos ODS. A partir daí, o projeto ganhou uma relevância política muito grande porque mais gente da gestão se interessou, e os agricultores, a partir dessa forma pedagógica de apresentar o projeto, manifestaram mais interesse ainda.

Então, isso despertou também práticas locais de conservação da matéria orgânica, os agricultores começaram a utilizar suas máquinas forrageiras para produzir material orgânico. O Prêmio tem uma série de desdobramentos no município e, principalmente, no impacto no âmbito urbano, a inovação no sentido de tratar, de forma correta resíduos produzidos na cidade. Nós recebemos agora a visita do Ministério Público e da Federação dos Municípios da Paraíba que coloca o projeto Fábrica de Solos como uma referência estadual e regional no manejo sustentável dos resíduos urbanos. Isso porque nós temos um aterro controlado onde sabemos que o principal ponto de contaminação dos aterros são os materiais orgânicos e nós os retiramos de lá. São 20 toneladas por semana que deixam ir para o aterro controlado! São situações de extrema relevância em diversas frentes, no sentido de tratar corretamente os resíduos orgânicos, dar mais sentido para o curso de Agroecologia e apresentar uma ação eficiente na produção agrícola sustentável e no combate à desertificação e recuperação de áreas degradadas.

É algo que nos empolga, ficamos felizes em conseguir desenvolver algo que não está no hábito das políticas públicas municipais. Nós, gestores, somos levados por um ambiente de cobrança, de imediatismo, das funções obrigatórias, deixamos de praticar algo inovador e nos perdemos muito nisso. Avalio que a ação está sendo muito pedagógica, está muito de ensinamento para se atuar nas políticas públicas e, inclusive de se ter expressividade política. É uma prática que a gente percebe que ela educa a sociedade enquanto cidadãos e enquanto eleitores também.

A prefeitura pensa em desenvolver outros projetos alinhados com os ODS? Ou já tem outros projetos em andamento que fazem referência aos ODS?

José Ranieri: A gente pretende sim fortalecer essa ação e perspectiva de atender aos outros Objetivos e continuar submetendo as ações aos ODS. Tem uma ação aqui na Secretaria de Assistência Social, um trabalho de intersetorialidade, para as secretarias trabalharem muito articuladas. Lá tem um trabalho chamado “Sementes do Seridó” que trabalha com jovens adolescentes em situação de vulnerabilidade social extrema, aqueles que estão realmente em conflito com a lei. Esse trabalho ocorre em parceria também com o IFPB, a Secretaria através do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) cadastra os jovens, os convida, oferece condições de que se garanta o anonimato, que não se publicize um jovem viciado em drogas e esses jovens estão também envolvidos no trabalho. Já tem um ano que está ocorrendo um novo cadastramento e nós acreditamos que isso pode estar sendo contextualizado com os objetivos. A inclusão de jovens adolescentes em situação de conflito com a lei nesse trabalho com a educação, com experimentos relacionados a hortaliças, cultivo de mudas árboreas que são resistentes à seca, utilização de adubo é muito importante. Esse projeto também, depois do centro de compostagem, está nos nossos planos de submeter aos ODS.

Na sua visão, como os ODS podem ajudar os municípios brasileiros?

José Ranieri: Como os ODS estão muito na ordem do dia e, por outro lado, há uma cobrança aos gestores para que se promova práticas sustentáveis nas políticas públicas. Os ODS oferecem esse incentivo, esse desejo de praticar. Há uma publicidade importante: o gestor, o município passa a ser mais conhecido e reconhecido em âmbito nacional, até mesmo internacional. Eu avalio que os ODS dão uma contribuição no sentido de incentivar os gestores municipais e a sociedade a desenvolver práticas sustentáveis, inclusivas. Ele faz com que os gestores e a organização manifestem o desejo de desenvolver a prática.

​Nós nem sabíamos dos ODS, não tínhamos consciência dos ODS, nós iniciamos, já estávamos com um projeto em pleno andamento e só fomos saber depois. Agora com o Prêmio, nós estamos muito cheios de “gás” com isso. Eu acho que é isso que deve acontecer: esse tipo de “gás” que os ODS dão para que se desenvolvam práticas.

​Nós vamos ao encontro da necessidade principal daqui que é enfrentar a problemática da desertificação. Picuí está localizado no lugar mais crítico do quarto núcleo de desertificação do Brasil. Temos esse papel de desenvolver práticas locais, não precisa trazer nada de fora, nada de algo sofisticado. Muitos acreditavam que ia precisar trazer algo de fora, que seria necessária tecnologia externa para se enfrentar o problema da desertificação e nós apresentamos uma solução local para o que estava provocando a poluição urbana e que provocava dano ambiental. Nós estamos diminuindo os impactos do próprio material. E com um baixo custo! A prefeitura hoje faz a coleta separada com os mesmos equipamentos de antes, apenas separa. Há uma consciência sendo construída, no comércio local também. Estamos criando um selo para cada local/comércio que trabalha como estabelecimento participante e que tem um funcionário para fazer a tritura. O restante, a natureza faz.

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